CULTURA QUEER

Você já teve vontade de enfiar um sabonete inteiro na boca?

Absurdismo na Arte Drag: Encontrando Liberdade Além dos Significados

Eric Azevedo
5 min readSep 30, 2023
Um agradecimento pra lá de especial a Miranda Lebrão pela permissão do uso desta foto, tirada pelo incrível Octávio Rangel — @tavinhoretratista

Isso é o que a drag queen carioca Miranda Lebrão disse ao anunciar sua entrada no episódio de estreia de Drag Race Brasil.

Ao perguntar isso, Miranda parecia tentar dizer algo que as pessoas esperariam ter significado, uma frase memorável que talvez fosse engraçada, audaciosa ou algo que definisse o estilo ou o nicho da artista drag. Ela fez isso com ares de ser algo normal, um desejo comum com o qual as pessoas poderiam se identificar.

Essa competição é uma baita plataforma para que artistas drag mostrem seus talentos únicos e carisma. Todes querem causar uma boa impressão e se conectar com o público sempre que possível.

Mas aí muitos de nós conhecemos pela primeira vez Miranda Lebrão, com sua coragem de fazer uma pergunta com a qual ninguém poderia se identificar. Quem em sã consciência pensa que uma barra de sabonete seria um lanche delicioso? Com um risco de acabar caindo no esquecimento, sua entrada se tornou o assunto mais comentado na comunidade queer brasileira nas redes sociais por uma semana inteira.

Estava assistindo junto com meu marido, e olhamos um para o outro, confusos, tentando entender o que ela queria dizer. Eu já estava quase rindo, mas meu marido (que eu suspeito ter sangue vulcano 🖖🏼 por toda a lógica que ele usa para se comunicar) precisou de alguns dias — e de ver os vários memes que pipocaram na internet sobre isso — para desistir de entender e simplesmente rir também.

Mas por que tanta gente pareceu se “identificar” com essa pergunta aparentemente ridícula? Vou propor usarmos um pouco da filosofia para refletir sobre isso.

O Absurdismo é uma filosofia que desafia nossas noções convencionais de propósito e significado. Assim como a arte drag, não é nada mainstream e ninguém chegou a propor um estilo de vida completo baseado nessa corrente filosófica (como nessa moda do estoicismo, por exemplo). Ela faz parte de um conjunto de filosofias que aborda a atribuição do significado das coisas, e pondera sobre o fato de que o mundo não faz muito sentido.

Ele nos convida a refletir sobre nossas experiências nesse mundo caótico em que vivemos. Sabe aquele nosso conflito interno de querer que nossas vidas tenham significado, apesar de que o que vivemos no dia a dia mostra que isso talvez seja em vão? É isso que o Absurdismo trata — como pode ser desnecessário ficar tentando dar sentido às coisas em um mundo que pode ser bastante sem sentido.

Às vezes esquecemos que nem tudo precisa ter um significado, uma justificativa. Tentamos encontrar significado em tudo, uma razão para nossos sentimentos, uma explicação para as coisas pelas quais passamos na vida.

Por que alguém faria isso comigo?”, “por que me tratam dessa forma só pela minha aparência ser assim?”, “por que nasci dessa forma?”…

Acredito que a pergunta de Miranda poderia ser vista como uma “ruptura”, nos levando a questionar coisas que podem não ter nenhum significado, propósito ou razão. Isso poderia nos levar a pensar em outras coisas que se enquadram na mesma categoria.

Estamos cientes dessas coisas, mas às vezes apenas aceitamos, suprimimos ou esquecemos delas — ou pior, tentamos nos encaixar nos significados das outras pessoas — , e seguimos em frente.

Pense sobre como levamos a vida tão a sério. É compreensível, com todas as pressões e responsabilidades que temos. No entanto, às vezes pode parecer que o mundo é simplesmente muito injusto, imprevisível e aleatório para que todos os nossos esforços importem. Pode parecer que a vida é um pouco arbitrária, não é?

Aventurar-se pelo Absurdismo é como tomar um coquetel carregado de rebeldia. Começamos ao transformar o contraste entre o que é comum e absurdo em oportunidades de reflexão. Nossa visão limitada sobre os propósitos da vida e das demandas dos outros sobre ela vai se expandindo. O Absurdismo nos encoraja a aceitar o incrível caos da vida sem nos conformarmos com as expectativas da sociedade.

Eu acredito bastante que a cultura queer é incrível porque desafia o status quo e nos encoraja a questionar normas sociais que realmente não fazem sentido. Às vezes, a sociedade tenta encaixar tudo e todos em pequenas caixas arrumadinhas, mas a arte drag nos lembra que há muito mais na vida do que seguir as regras. Da mesma forma, o Absurdismo nos convida a abraçar a natureza caótica e imprevisível da vida sem sentir que precisamos nos encaixar no que os outros decidiram ter significado.

“A liberdade é uma chance de sermos melhores.”

Albert Camus, um dos principais filósofos do Absurdismo

Os valores morais defendidos pelos absurdistas frequentemente se sobrepõem à perspectiva ética de outra corrente filosófica — o existencialismo: sinceridade, autenticidade e coragem. Podemos pensar nessas perspectivas como talentos. Esses talentos que carregamos nos ajudam a enfrentar a absurdidade de nossa situação dada, e nossa resposta deve exemplificá-los.

Basicamente, trata-se de mostrar ao mundo que você não vai aceitar suas bobagens e demandas ridículas de forma passiva — você tem o poder de se rebelar e viver sua vida seguindo sua paixão e sendo autêntico consigo mesmo.

Porém, assim como qualquer outra filosofia ou visão de mundo, é importante conhecer também as suas limitações. Uma crítica comum ao absurdismo é que a vida tem significado. Mas devemos lembrar que algo ser ou não significativo depende da atitude de uma pessoa em relação a isso. Também podemos encontrar significado em coisas objetivas como moralidade, conhecimento ou beleza.

O absurdo é um conceito bastante paradoxal e até controverso, difícil de entender racionalmente, que se dirá de explicar tudo sobre ele em um único artigo. É como quando alguém pergunta se você quer comer sabonete — você não pode realmente dar uma resposta séria, mas é algo que já serve para arrancar uma risada e até mesmo fazer pensar. Todos nós podemos nos relacionar com o poder do riso, especialmente quando se trata de encontrar algum significado nos absurdos da vida cotidiana.

Este é um bom começo para nos aprofundarmos nos conceitos da filosofia moderna, algo que posso continuar trazendo em outros artigos — mas sempre tentando conectar com outras coisas, como meu cérebro com TDAH inevitavelmente acaba fazendo. Se quiser, deixe um comentário dizendo o que achou, e sugira outras abordagens ou observações absurdas e sem significado da vida cotidiana que podemos aprender a apenas rir e deixar para lá.

Obrigado por ler meus insights. E pode me seguir aqui, para descobrir seja lá o que for que eu decida escrever em seguida!

E também não se esqueça de seguir a incrível Miranda Lebrão e descobrir as várias formas em que a arte drag pode desafiar os significados convencionais das coisas que muitas vezes deixamos de perceber.

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Eric Azevedo

Explore my journey through linguistics, philosophy, technology, culture, and anything else that my ADHD-fueled mind fixates on. eaz.bio.link