“A conjuntura reverbera em mim porque estou viva, vivo neste mundo e neste país” — entrevista com Márcia Teani

editora Urutau
4 min readMay 10, 2020

A 44ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau

por Silvia Penas Estévez & nósOnça

Márcia Teani (Belo Horizonte, 1982)

O que é poesia para você?

A poesia vai adquirindo e perdendo sentidos para mim com o tempo. Hoje vejo como uma forma de expressar o que não poderia ser dito de outra maneira, o que não cabe nos protocolos e convenções. A poesia é também algo muito portátil, pode ser levada para qualquer lugar, não necessariamente em papel ou no computador, ela pode viajar na cabeça ou na língua. Isso é importante para mim porque me mudo muito. Puxa, e é tão bom encontrar com quem dividir as palavras no universo da poesia. A poesia quer proporcionar encontro, ela quer ser lida.

Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?

Minha poesia necessariamente me afeta e escrevo para afetar também. Sempre penso em interlocutores quando escrevo as primeiras versões de meus poemas. Os interlocutores podem ser diversos: pessoas do meu cotidiano (ou suas versões internalizadas), autores, eu mesma, ou um ser imaginário. A questão é que nunca publico minhas primeiras versões, o que aparece são sempre compilações e reescritas, portanto um misto de interlocuções.

Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe tocam nesse momento?

Neste momento tenho lido pouco e escrito pouco. Não estou vivendo uma quarentena produtiva, mas algumas vozes me chamam no cotidiano de forma inusitada e seus autores têm sido Aline Bei, Cássio Corrêa e Jefferson Vasques.

O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?

Acho as redes sociais um oceano de informações e confesso que às vezes fico à deriva. Eu acompanho a produção de alguns poetas e também compartilho o que faço pelo facebook. Claro, estes meios ajudam muito a poesia a circular e facilitam o contato entre poetas, além de colocar em cena novas formas de ler, escrever e falar poesia. Mas olha, o encontro presencial com outros autores e o livro em papel e tinta são bem importantes para mim.

Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil (do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista, LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso reverbera na sua criação literária?

Será que podemos dizer que os movimentos sociais têm maior visibilidade? Eu não sei, gostaria de dizer que sim, mas não sei. Talvez tenhamos uma oposição mais polarizada e seguramente as pautas identitárias com maior visibilidade. A conjuntura reverbera em mim porque estou viva, vivo neste mundo e neste país, reverbera mais intensamente porque sou militante e feminista. Na minha poesia isso aparece de forma indireta. Acho que os desejos pela vida e pelos encontros têm a mesma fonte em mim, mas se ramificam por caminhos distintos, passam por mediações distintas e tomam formas bastante diferentes nos espaços da poesia e da militância política.

O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?

A primeira versão dos meus poemas costuma nascer de forma explosiva, às vezes me acomete como uma doença, daí eu deixo ela curar, mas deixo curar como queijo (para usar uma metáfora do Cássio Corrêa), então é um misto de explosão e processo longo.

Longo horizonte (editora Urutau, 2019)

O seu livro, “Longo horizonte”, como ele surgiu?

Meu livro surgiu quando eu estava vivendo no Pontal do Paranapanema, em Presidente Epitácio (SP). Eu fui para lá por conta de um concurso público e foi um período solitário. O livro foi uma companhia importante. Havia tempo que eu queria publicar meus poemas, aconteceu que enquanto me recuperava de uma cirurgia comecei a pensar a estrutura do livro, eu só pensava nisso. Eu reescrevi, compilei e selecionei poemas de um período de onze anos.

Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?

Não tenho um verso preferido, tenho um poema preferido,”Longo Horizonte”, o poema que deu nome ao livro. Este poema acolheu o lugar árido onde eu estava. Na época eu estava lendo João Cabral de Melo Neto e ele falou comigo como um professor. Este poema foi o que consegui aprender com ele.

Como você conheceu a editora Urutau?

Lembro de um sarau em 2016 no gruta bar, um Dinossarau, no qual fui poeta convidada. O Tiago Fabris Rendelli estava lá com a banquinha da Urutau e perguntou para mim quando eu ia publicar. Eu nem sonhava com meu livro naquela época.

Alguma observação que queira acrescentar?

Quero deixar meu muito obrigada a Urutau por me provocar a publicar e a refletir sobre a poesia. Também por proporcionar o contato com a poesia de outros autores. Que este pássaro voe alto!

Márcia Teani

nasceu em 1982 em Belo Horizonte, mas cresceu em Barão Geraldo — Campinas. Na infância e adolescência viveu no exterior e escolheu voltar para o Brasil, onde se sente em casa. Viveu e trabalhou como professora de educação básica em várias cidades do interior de São Paulo e no Rio de Janeiro. Atualmente vive em Presidente Epitácio, onde é professora do curso de pedagogia, sua área de formação, no Instituto Federal. Começou a escrever poesia na infância. Com vinte e poucos anos iniciou seu diálogo com outros poetas em saraus e rodas de conversa. Na juventude a poesia e também a militância política, essas formas distintas, passaram a assumir para a autora uma dimensão comum de resistência humana. Longo Horizonte é seu primeiro livro.

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