Resenha do livro “In the Shadow of the Cold War: American Foreign Policy from George Bush Sr. to Donald Trump”, por José Paulo Silva Ferreira

Editoria Mundorama
6 min readJan 9, 2021

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“The Cold War ended not with a bang but with a picnic.” (LYNCH, 2020)

O cientista político e professor de política dos Estados Unidos da Universidade de Melbourne, Timothy J. Lynch, é um dos intelectuais mais ativos no estudo da política externa americana. Em seu último livro “In the Shadow of the Cold War: American Foreign Policy from George Bush Sr. to Donald Trump”, publicado pela Cambridge University Press, traz reflexões acerca de como a Guerra Fria projetaria uma “sombra” sobre os governos americanos que se sucederam ao fim da ordem mundial bipolar.

O livro é dividido em oito capítulos, que se dedicam aos governos americanos pós-1989, com atenção maior a partir de Clinton (com capítulos duplos), uma vez que o governo de Bush Sr. já se iniciou no ano tido como o último da Guerra Fria. A conclusão (Capítulo 8) é dedicada ao governo Trump. Lynch parte da ideia de Robert Legvold, de que eras históricas tidas como “épicas” demorariam longos períodos a evanescer, de modo que seus efeitos seriam sentidos por um tempo estendido (LEGVOLD, 2016).

O primeiro capítulo traz análises sobre a Guerra do Golfo, a questão da Iugoslávia e a reação dos Estados Unidos ao massacre na Praça da Paz Celestial. Para Lynch, Bush Sr. era um especialista em formação de alianças, mas tinha dificuldade em sustentá-las. Um exemplo que corrobora seria o resultado da Guerra do Golfo, que, enquanto obteve êxito na empreitada militar, teve falhas políticas e estratégicas (LYNCH, 2020). Como dito, o segundo e terceiro capítulo debatem o governo Clinton. Apesar de ter assumido em 1993, prometendo um novo pensamento quanto à política externa, os EUA continuaram utilizando velhas estruturas criadas na década de 1940.

O capítulo quatro apresenta como George W. Bush construiu a Guerra ao Terror como uma versão revisada da Guerra Fria. O capítulo seguinte, estabelece comparações entre a resposta de Bush aos ataques do 11 de setembro e o governo de Harry Truman. Os capítulos seis e sete explicam como, apesar de sua popularidade, Obama teve uma política de continuidade em relação ao Oriente Médio e de contenção ao Leste Asiático. A conclusão analisa a reação de Trump à ameaça nuclear da Coreia do Norte, e como seu discurso é baseado na ideia da construção do inimigo.

Como debate Lynch na referida obra, a história do século XX costuma ser compartimentada nos seguintes blocos: Primeira Guerra Mundial, Entre Guerras, Grande Depressão, Segunda Guerra, Era Nuclear e Guerra Fria. A classificação do que se sucede costuma variar, justamente por não termos distanciamento histórico suficiente. Costuma-se referir ao “mundo pós-Guerra Fria” como a “nova ordem mundial”.

O mundo teria mudado, mas a política externa dos Estados Unidos ainda não haveria se adequado completamente à nova ordem. Os presidentes norte-americanos, nas últimas três décadas, buscaram rotular a nova configuração de poder, mas não obtiveram sucesso em tornar sua definição permanente, ou seja, houve dificuldades em estabelecer rótulos que significassem uma superação da Guerra Fria e descrevessem o novo mundo.

Um marco das relações internacionais foi o 11 de setembro, que traz uma tentativa clara de substantivar a ordem vigente: a Guerra ao Terror, de George W. Bush. Apesar de Barack Obama (2009–2017) não falar nos mesmos termos de Bush, de Guerra ao Terror, observou-se uma continuação dessa estratégia, alcançando mais terroristas do que o governo anterior.

Lynch busca uma perspectiva crítica quanto à política externa dos Estados Unidos do mundo pós-1989 ao início do governo Trump. Nesse período, falhas teriam levado a redução da influência americana. Mesmo com acontecimentos como a Crise de 2008, os Estados Unidos permaneceram como principal núcleo de poder. O autor traz no livro uma análise do especialista em estudos securitários, Lawrence Freedman, que em seu artigo “A Subversive on a Hill” (2009), publicado na revista The National Interest, afirma que o poder americano é baseado em dois pontos principais: i) suas parcerias estratégicas; e ii) uma ideologia flexível, “potencialmente universal”.

Apesar do perceptível recuo dos Estados Unidos como liderança internacional na administração Trump e da emergência da China, não haveria, de acordo com o autor, demonstrações claras de contestação à hegemonia americana, além do jihadismo. Atores como China e Índia, ao invés de se posicionarem como antagonistas, preferiram ir em congruência ao modelo americano.

Os dois principais argumentos do livro são: i) há uma projeção da sombra da Guerra Fria sobre os demais governos americanos pós-1989; e ii) o sucesso na política externa teria ocorrido quando os policymakers tentaram se adaptar a essa sombra, e não escapar dela. Tentativas como a de Bill Clinton de abandonar o modelo de política externa adotado durante a Guerra Fria não se perpetuaram, de modo que ele foi obrigado a utilizar estratégias de contenção no caso iraquiano e a recorrer a alianças como a OTAN.

A Guerra ao Terror de Bush possuiu similaridades à empreitada anticomunista, no que diz respeito à definição de um inimigo em que o poder seria dificilmente calculável, mas que representaria uma constante ameaça à segurança nacional. Trump tornou a Rússia uma peça central novamente da política externa americana e adotou uma estratégia de contenção à China. Isto é evidente em sua própria Estratégia de Segurança Nacional, ao afirmar que a Rússia e a China estariam contestando vantagens geopolíticas americanas (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2017).

O livro busca mostrar que houve perpetuação de velhas práticas e, assim, apesar de mudanças no cenário internacional, a estratégia americana permaneceu quase que inalterada. Segundo Lynch, a preferência dos países do Leste Europeu em se alinhar aos EUA não estaria no abandono da mentalidade da Guerra Fria, mas em uma adaptação conjuntural.

De acordo com os argumentos apresentados no livro, os profissionais escolhidos pelos presidentes norte-americanos nas últimas três décadas como proponentes da política externa tiveram suas perspectivas de mundo moldadas pela Guerra Fria. Entre eles: Brent Scowcroft (George Bush Sr.), Madeleine Albright (Bill Clinton), Condoleezza Rice (George W. Bush), John Kerry (Barack Obama) e John Bolton (Trump). O que houve com a queda da União Soviética poderia ter sido não o fim da Guerra Fria, mas uma mudança de prioridades pelo serviço exterior americano. O que se viu no governo Clinton foi justamente um alargamento da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e não sua dissolução, mesmo com a ausência da ameaça soviética e o fim do Pacto de Varsóvia.

O pensamento de Lynch parece ser congruente com o apresentado por Samuel Huntington em “Choque de Civilizações”. Enquanto a grande divisão vigente na Guerra Fria teria sido a “cortina de ferro”, as futuras grandes divisões na humanidade seriam culturais. Nessa nova divisão, de um lado estaria o mundo Ocidental e Cristão, enquanto, do outro, Mulçumanos e Ortodoxos. Os ataques de 11 de setembro seriam uma efetivação do confronto entre essas duas partes.

Apesar dos discursos de Bush Sr. de “uma nova ordem global”, ou de Clinton de um “alargamento democrático”, o que se viu não foi muito diferente das estratégias empregadas por seus antecessores. Para Lynch, se os anos entre 1989 e 2001 estavam sob a “sombra da Guerra Fria”, o que se sucedeu “estava sob sua penumbra”.

Mesmo ao propor uma análise até o governo Trump, o livro dedica parte diminuta a esse momento histórico. A maioria dos acontecimentos analisados da era Trump são da primeira metade do seu mandato, havendo carência de dados mais recentes. Os mecanismos de pressão financeira por meio do regime de sanções de Trump também é deixado de lado, sendo um elemento importantíssimo na análise de sua política externa.

Ainda assim, o livro não deixa de ser leitura obrigatória aos estudiosos da política norte-americana, essencialmente no que concerne à identificação de padrões de política externa. Apesar dos discursos de Obama e Trump serem tão destoantes com relação à política doméstica, verifica-se uma sincronia em múltiplos pontos da política externa. Lynch não reivindica que a herança da Guerra Fria é permanente, mas que seu legado é mais presente do que se costuma reconhecer.

Referências

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. “National Security Strategy of the United States of America nº NSS 2017”. https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2017/12/NSS-Final-12-18-2017-0905.pdf.

FREEDMAN, Lawrence. 2009. “A Subversive on a Hill”. The National Interest. https://nationalinterest.org/article/a-subversive-on-a-hill-3096.

HUNTINGTON, Samuel. 2011. The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. New York: Simon & Schuster.

LEGVOLD, Robert. 2016. Return to Cold War. Cambridge, Reino Unido: Polity.

LYNCH, Timothy. 2020. In the Shadow of the Cold War: American Foreign Policy from George Bush Sr. to Donald Trump. Padstow, Reino Unido: Cambridge University Press.

Sobre o livro

LYNCH, Timothy. In the Shadow of the Cold War: American Foreign Policy from George Bush Sr. to Donald Trump. Padstow: Cambridge University Press, 2020.

Sobre o autor

José Paulo Silva Ferreira é Graduando em Relações Internacionais na Universidade Federal de Goiás (UFG) e Bolsista de Iniciação Científica do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1208938060850174

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