Crônica de Fim — Capítulo 3

Eduardo Albuquerque
10 min readOct 24, 2018

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Querida Leila,
Não nos conhecemos ao vivo ainda, mas acho que ao final desta carta seremos grandes amigas. Assim espero, pelo menos.

Preciso voltar mais ou menos 1 mês atrás pra começar essa história. Sim, só um mês atrás. Mas parece uma vida.

Sou casada há 10 anos com um babaca. Um classe média que acha que é rico. Que acha que, por trabalhar no mercado financeiro, se sentaria na mesa dos banqueiros. Um lambe botas. Juntou dinheiro — sem nunca perguntar pra mim o que podíamos fazer com aquele dinheiro — pra comprar um carro importado cheio de viadices pra criar status, mas faz economia pra pagar 2.500 na escola da nossa filha. Se esconde em papinho de “escola sem partido” — mas usa nossa filha pra tirar foto dela fazendo arminha do Bolsonaro e postar em página de Facebook e grupinho de WhatsApp. Fora todos os machismos e manipulações mais babacas, como ser contra eu trabalhar e outras coisas que eu já já te falo. Vamos para a história:

Era quinta-feira de manhã. Eu tinha ido dormir na quarta antes dele ter chegado. Tava acostumada; quarta feira costuma ter fechamento complicado — dizia ele. Mas quando acordou, rapidamente tomou o café e voltou pra empresa, eu acabei usando o laptop que ele deixou em casa; e nele tava logado o WhatsApp web. Com uma foto da rola dele e a mensagem “ainda durinha pensando na noite de ontem” enviada pra mulher com quem ele tinha transado algumas horas antes, ao invés de estar em casa com sua família.

Você vai acreditar se eu disser que nem chorei? Apenas li a troca de mensagens inteira pra entender toda a verdade que havia sido me negada, fechei a aba do WhatsApp Web e desliguei o computador.

Aquilo que ele fez — e, pelo que vi em outras conversas, vinha fazendo não só com aquela — me liberou. Me deu o argumento que me faltava pra confirmar o que eu já enxergava há muito, mas tinha receio de encarar: me apaixonei por um escroto. Lá atrás. Hoje já não mais sentia isso, confundia — e era confundida por ele — o amor e a relação que tenho com minha filha, como tendo ainda alguma contribuição dele. Não tinha.

Ele aperta bem forte a coleira para cada vez que estiver sem ar, relaxar o aperto um pouquinho — via flores, jóias ou uma viagem pra Ubatuba — e o oxigênio entrar galopante dando a impressão, por contraste, que ainda há vida em meus pulmões completamente contaminados por sua masculinidade, ainda que frágil, tóxica. A analogia devia ser algema e não coleira, porque coleira leva a crer que eu sou cachorra e quem dera. Ele sufocou toda minha libido sexual há muito, porque (i) posa de moralista na frente de todo mundo, (ii) é egoísta e (iii) sabe que uma mulher que é tão íntima do caminho do prazer a ponto de gozar, jamais precisará ter ao seu lado alguém com tão pouco a adicionar.

Então o que eu fiz foi re-conquistar meu tesão, minha feminilidade. Mas isso era o que tava lá no fundo; na hora eu só estava me vingando. Mandei minha mãe buscar minha filha no colégio e deixar ela dormir lá, tomei banho, me depilei, peguei um fio dental bem delicado que deixa minha bunda em pézinha (e o babaca dizia que era “um pouco ousado demais") e fui até a academia. Tem um personal lindo, com um corpo definido mas sem ser bombadão. Deve ter 20 e poucos anos, aquela energia; mas não é debilóide como a maioria deles. Sempre foi gentil comigo, educado, sem ser babão ou sufocante. Fui até ele e fiz uma coisa que eu nunca imaginei fazer na vida… perguntei se ele podia vir me dar uma ajuda e quando estávamos afastados da cliente dele, falei no ouvido dele com a boca quase encostando na orelha dele: “Eu quero trepar com você. Eu vou esperar você dispensar sua cliente e a gente vai no Lush transar a noite toda.

E saí deixando ele de boca aberta e calça estufada.

Roger (descobri seu nome) inventou qualquer desculpa e logo veio ao meu encontro. Fomos pro Lush. No caminho nada aconteceu entre a gente. Mal nos tocamos. E isso só me deixava mais tensa. Eu tava louca de desejo, quase explodindo, com o coração batendo forte e um bando de pensamento passando pela minha cabeça. Fomos subindo a escada da suíte sem graça, falando qualquer coisa, sorrindo que nem adolescente. Quando entramos no quarto e Roger trancou a porta atrás dele, o tempo parece que parou. Nos olhamos um pouco e fui andando até a cama. Ele ficou parado. Então desamarrei meu vestido, deixando ele cair pra ficar só de fio dental. Me senti uma obra de arte sendo apreciada, um espetáculo sendo fruído. Encontrar nos olhos dele o desejo que ele estava de mim me deixou toda molhada.

Abaixei a calcinha, fiquei de quatro na cama. Falei “vem”.

Ele veio e pra minha surpresa me virou, olhou fundo nos meus olhos e me deu um beijo que me deixou toda quente. Quase gozei só de beijar e encostar meus seios no peitoral dele, colando minha barriga na dele. Era um beijo delicadamente forte, dominador. A mão dele entre meus cabelos, a outra nas minhas costas. Fiquei com vergonha de gozar já ali e supliquei “Mete em mim”.

Ele tirou a calça, o pau latejando, mas só reparei como ele tinha um abdomen lindo, cheio de gominho e o cheiro dele era ótimo; cheiro de homem que sua e dura. A gente meteu forte, mas quase num amorzinho. Eu gemia curtinho no ouvido dele porque vi que deixava ele doido, ele chupava meu peito e não durou muito até ele gozar e eu gozar junto. Qual a chance?

Ficamos abraçados um pouco. Fiquei dando beijinho enquanto ele recuperava o fôlego e a ereção. Convidei pra ir pra jacuzzi descansar um pouco. Quando achei que ele tava pronto, aí fiz o que queria mesmo, porque aquele clima romântico tinha sido uma surpresa; eu queria era poder explorar tudo que os últimos 10 anos tinham me sido privados. Eu chupei ele, ele me chupou, fizemos 69, brincamos de todos os jeitos. Gozei muito.

Era 3 da manhã e ele tava dormindo como um bebê. Eu ainda tava com tesão. Fiquei olhando a rola dele diminuta, pensando em acordar ele com um boquete… mas era um pouco demais. Me culpei. Tinha que me controlar; aquilo era demais. Peguei então meu celular pra ler alguma coisa enquanto ia ao banheiro. Pensei em tirar uma foto dele e mandar pro meu futuro ex-marido. Mas não era uma boa idéia; era a cara dele, mesmo depois de fazer tudo que fez comigo, pegar a foto e usar — junto dos contatos imbecis dele e toda a sociedade machista na qual a gente vive — pra tirar minha guarda da minha filha.

Chegando no banheiro, me dei conta que tinha pegado o celular do Roger e não o meu. A senha era a mesma que a minha: 0000.

E foi quando abri o WhatsApp dele com vários grupos de Bolsonaro:
Personals (sic) com Bolsonaro
B17 contra o Comunismo
Paulistas Opressores
Bolsonaro Presidente emoji de óculos emoji mãozinha atirando

E outros grupos como:
Clube dos Putos (onde Roger e amiguinhos trocavam fotos e vídeos de mulheres peladas — algumas que eles mesmo tiraram, mas em sua maioria repassadas de outros grupos)
Marombeiras top (com fotos de frequentadoras de academia malhando em roupa fitness)
Deus é mais emoji mãozinha rezando

Diferente do que vi no WhatsApp do meu futuro ex marido, aquilo ali me deixou muito MUITO puta. Com ele, claro — até agora não sei como eu não saí do banheiro e quebrei o celular na cara dele — mas também COMIGO. Olha que loucura, Leila! Eu fiquei puta *comigo*! Por mais uma vez ter me envolvido com um merda. O que é essa sociedade que faz a mulher ser responsabilizada por todos os problemas desses escrotos? Pensei “*mas o erro é meu; academia não é lugar de procurar uma pessoa*” — por que não? Por que o erro é o *lugar* onde se procura e não o fato das pessoas agirem de forma escrota em.tudo.quanto.é.lugar?!?!

Não. Não podia ficar puta comigo.

A doença é essa masculinidade tóxica e esse Bolsonaro é o ídolo deles. É a representação de toda a fragilidade desses homens que são protegidos pra sempre serem meninos.

Toda a “paixão”, o tesão que senti nas várias trepadas e gozadas que dei com ele… eram minhas. Orgasmo por estar livre, conquistando a minha individualidade.

Então decidi que não ía quebrar celular não. Ia fazer a minha parte e usar o poder que eu tinha ali — um poder primário, pois o conquistado era primitivo — e tentar virar o voto dele.

Me re-montei. Escovei os dentes, maquiei, ajeitei o cabelo. Vesti só meu salto alto. Liguei a música alta. Era Rihana e David Guetta. Who’s that chick. Amarrei Roger na cama. Ele ficou animado. Comecei a rebolar, agachando até o pau dele, durinho pra sentar, só batendo na portinha, me deixando (e deixando ele) com tesão, mas sem sentar. Ele já tava entregue:

- “Roger, só vou deixar você meter se você fizer uma coisa por mim…” — falei com uma voz e cadência até ridícula pra ser sexy.
- “Fala pra mim, fala” — falou ele com uma voz “cachorrão” igualmente ridícula.
- “Quero que…” — PAM! Dei uma sentada na pica dele e rapidamente levantei — “…você prometa pra mim” — dei duas estocadas rápidas — “…que NÃO vai votar no Bolsonaro”.

O olhar dele foi de confusão. Aí dei uma sentada e rebolada, até o olho dele virar e eu me retirar toda de cima dele, deixando claro que ele só teria prazer se ele prometesse. Eu que tava no controle. O pau era dele, mas era de meu usufruto.

Acredita que ele ainda teve a pachorra de mandar um: “Mas ele é o Mito, meu!”?

Levantei e fiquei fitando o pau dele sofrendo pra ser abraçado. Com medo de brochar e não ter forças mais pra erguê-lo, ele logo se retratou: “Não! É zoeira, é zoeira, meu bem! Eu nem gosto dele. Vem pra cá vem!

Fui devagarinho, tateando ele — aquelas sentadas também estavam me deixando com tesão — e me assegurando de que teria sua cabeça mudada:

- “Mas eu vi que você gosta dele, falando na academia que vai votar nele…
- “Ah, mas é que PT não dá, né gata? Vem aqui comigo, deixa eu te comer vai…
- “Você promete que não vota no Bolsonaro?
- “Prometo! Por Deus!

Comecei a estocar ritmadamente enquanto falava:

- “A gente… pode fazer… muita sacanagem… se você não votar… nele
- “Não vou! Não vou… Haddad neles!
- “Ele não!” — disse quase no clímax
- “Ele não!
- “ELE NÃÃãÃããÃÃÃO!!!” — gozamos os dois em uníssono.

Mas você não aprendeu ainda, Leila? Eu não tinha ainda. Mas aprendi: homem escroto é escroto. Não aprende no prazer; só na dor.

Uma semana depois parecia que (mesmo sem saber que eu fuxicava o facebook dele pra saber se algo tinha mudado) ele fazia ainda mais força pra expressar sua boçalidade em forma de Bolsonaro, porque submeteu seu “poderio” pra conseguir ter um prazer e nenhum homem pode jamais ser forçado a perder seus privilégios.

Foda-se o Roger. Minha missão se expandiu.

Eu decidi que tinha que explorar mais meu prazer e ele seria duplamente potencializado se eu transformasse isso num meio e não num fim. Entrei no Tinder e comecei a pesquisar as pessoas. Catava em todas as redes; se tivesse avatar e posts celebrando Bolsonaro e fosse casado — adivinha só, 70% era assim — eu passava pra direita aceitando e torcia muito pra dar match. Minha foto era só do meu decote; fiquei com medo do meu futuro ex-marido me reconhecer. Mas não é que todos os babões davam match?! Como tem homem bobo.

O que passei a fazer foi o seguinte: dar print em todos as conversas. Sempre perguntava se era casado. Alguns falavam que não, outros sou, mas largo ela por você (quando mais “fofinho”).

Dava uma trepada com eles, confesso. Só pra me sentir usando eles mesmo. Reparação. Tomando deles tudo que meu marido sempre me negou.

E depois mandava pra esposas deles, alertando elas sobre o engodo que seus maridos eram. E como tudo que os unia — porque teve preto, branco, gordo, magro, rico e pobre — era o Bolsonaro e o machismo tóxico. Sei que algumas não os deixariam por mil motivos — podiam ser violentadas, podiam ainda achar que eles as amavam, seria ruim pra família e várias outras coisas que não concordo, mas não dá pra julgar porque o despertar toma tempo. Não é fácil. Então, deixei claro pra elas que o melhor jeito de se vingar era votar contra o Bolsonaro. #EleNão é o melhor jeito de dizer EleS não. Era um jeito de, sem eles saberem, dar um chute bem dado no saco deles. O depois era depois.

Só nessa consegui virar 7 votos. Sendo que 4 desses passaram a fazer o mesmo que eu. É uma onda que não vai ser freada.

E aí chegamos a você, Leila.

Você deve estar pensando: por que eu to te contando isso tudo? Você não é casada; por que isso lhe interessa?

Acontece que meu marido é o Bruno e a mulher de quarta-feira era você.

Eu não estou chateada com você. De forma alguma. Você não sabia; eu sei. Eu estou lhe mandado isso te fazendo o favor de abrir seus olhos sobre quem é o Bruno. Porque sei que ele tá e vai aumentar os gracejos pra cima de você assim que eu o deixar. E porque sei que você, como mulher, pode muito mais.

Minha finada tia Abigail era uma mulher muito forte. Ela sempre falava pra mim que os homens nos colocam uma contra a outra, mas que o laço entre duas mulheres era mais forte do que muita coisa, pois só nós sabemos o que vivemos todos os dias. Eu achava que era meio exagero dela, por traumas que vivera 20 anos atrás e a fez se aproximar de três outras amigas. Mas sabe? Ela tá certa. E por isso deixo a porta aberta e um convite pra criar esse laço.

Ainda não sei, além do voto contra Bolsonaro, o que farei para me vingar dele. Mas a questão é que, diferente dos homens, não queremos tudo pra nós. Sabemos dividir. Acho que essa vingança é parte sua também. O que você me diz?

Com afeto e esperança que tenha entendido as minhas intenções,
Ângela

Ps: Você acredita que o Bruno veio comentar aqui “Amor, você viu esse video do Doria? Que absurdo!”? Enquanto isso, nos grupinhos de WhatsApp dele tá compartilhando rindo “kkkk top

***

Querida Ângela,
O que eu te digo? Quantos votos você acha que eu consigo virar até domingo? Mana, vamos botar pra foder com esses merdas. Já entrei no Tinder e vou fazer o mesmo.

Sobre o Bruno, tenho algumas idéias. Vamos fazer um skype?
Beijos,
Leila
#EleNão #EleNunca #Haddad13

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo Final

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