[NSFW] PEDAÇOS

Vidas Rejeitadas
7 min readDec 4, 2024

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E aí, pessoal. Beleza?

Espero que sim.

Bom, isso aqui não é um conto, é o primeiro capítulo de um livro que tenho trabalhado há mais de um ano. É, livros demoram. E eu tenho uma ansiedade com esse em especial. Quero que vocês vejam o primeiro capítulo. Quero que me digam o que acham. Ignorem erros de digitação ou coisa assim. Quero que sintam. Ele é, claro, 18+. Estejam avisados.

Esse livro não tem data pra sair. Mas se vocês gostarem posso rever a agenda.

Ah, não esquece. Final do ano tem ebook novo. Testemunho. Pra todo mundo que acha que alguém invadiu sua cabeça com pensamentos ruins. Pensamentos intrusivos, pensamentos fatais.

E vamos lá!

Aproveite!

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Parte 1 – A mãe de meus demônios.

Capítulo 1 – Imagens paradas

1

Você gosta mesmo desse trabalho?

Quem pergunta tem a voz da minha mãe. O rosto dela também.

Você gosta mesmo desse trabalho? Ela pergunta de novo.

Eu bebo minha água, dou de ombros.

Eu não posso gostar?

É mórbido.

Tudo bem.

É só isso?

É.

Você ta doente.

Doente? Porque eu gosto do meu trabalho?

Não é normal. Isso não é coisa… Ela suspira. Come um pedaço da pizza. O vulto dela se contorce. Por que eu peguei esse sabor? Eu odeio chocolate branco.

Eu como o meu. Coço o nariz.

Se não quiser, me dá.

Você já tá muito gordo.

Tudo bem.

Tomou o remédio que te dei?

Não.

Por que não? Vai te fazer bem.

Eu não quero. Não preciso.

Você tem que tomar. Vai ajudar com esse teu problema com comida.

Um garçom se aproxima. O vulto dela levanta a mão, acho. O garçom vai até mim e me oferece um pedaço de pizza de morango moreno. Abro a boca. Mas o som que sai é a voz da minha mãe dizendo:

Ele não vai comer mais.

O vulto do garçom desaparece sem que eu possa dizer nada. Pagamos a conta. Ela me olha.

Você gosta mesmo do seu trabalho?

Gosto.

Por quê? Tenta me explicar.

Eu tiro fotos de cenas, penso. Crimes, acidentes, roubos. Coisas assim. Mas não sei dizer direito por que eu gosto. Só gosto. Então tento desviar o assunto.

Eu tiro fotos artísticas também.

Aquilo não é arte.

É, sim.

Já te contei a história da banana na parede?

Já.

Aquilo não é arte.

É, sim.

A caixa da pizzaria pergunta se gostamos da pizza. Digo que sim. Minha mãe reclama da massa. Muito grossa, ela diz.

Ela suspira de novo.

Então, se um artista caga no chão, isso é arte?

A gente sai. Eu não respondo. Recebo mensagem do Almeida. Plantão amanhã.

2

Dia parado.

Nada pra fazer até a madrugada.

Eu não posso dormir.

Estou de plantão e não posso dormir. Na janela, meu gato olha para a rua. Olha para os carros no asfalto. Vigia o mundo.

Na televisão, coloco o YouTube. Escolho algo barulhento pra ouvir. Algo do Rob Zombie. Muitas opções. Escolho o Rock In Rio de 2013.

Não posso dormir.

No computador, coloco um vídeo pornô. Enxergo só com um olho. O outro tiraram, colocaram acrílico no lugar. Mas digo que é vidro. Parece vídro. Mais fácil de lembrar do que acrílico. O vidro reflete uma boceta aberta. Molhada. Alguém coloca alguma coisa dentro. Transparente, parece vidro como meu olho, penso. A mulher geme. Olho ao redor dela. Ela treme. No YouTube, Rob Zombie canta Meet the Creeper.

A mulher faz força, como se estivesse parindo. A bola transparente vai e volta, quase sai, mas volta pra dentro dela. Ela tenta usar as mãos pra tirar, mas alguém segura ela pelos pulsos. Não deixa ela mover nada além da própria boceta.

Eu não posso dormir.

Bebo um gole de café. Organizo meu portifolio. Posto uma foto nova no Instagram. É uma foto de uns anos atrás, que eu não achava tão boa. Mas ando sem ideias. Já sei quem vai curtir e comentar primeiro. Mulher grita pra expelir a bola transparente. Volto ao vídeo rápidamente. A bola quase sai. Deve ter o tamanho de um punho. Uma cabeça de criança. Ela grita. A bola parece se distorcer. Talvez fosse de silicone ou gelatina.

Meu gato na janela mia. Deve ter visto um passaro.

Enquanto massageio meu pau por cima da calça, ouço o som da notificação no Instagram.

Abro.

É ela.

A foto que eu posto é de uma cabeça falsa, escorrendo sangue pelos olhos e a boca, ambos costurados. A cabeça pendurada em uma árvore e abaixo dela, eu e minha ex transamos. Censurei as genitálias, mamilos e outras coisas.

A @Lolla_BD_SM comenta: Essa foi a foto mais sexy que você já postou, Edu!

Ela é legal.

A única que comenta minhas fotos. Respondo agradecendo.

Ouço o som de algo pesado caindo, um grito de alívio e risadas. Volto ao vídeo. Mulher agora é beijada com amor. Carinho. É um vídeo amador de um casal. Gosto desses. São reais. Volto pra página no Instagram. A punheta continua com a foto da Lolla, a que comenta nas fotos.

Ela tem um rosto lindo. Vejo algo nos olhos dela. Vejo algo que reflete no meu olho de vidro. Algo que reconheço em mim.

Eu enxergo tão pouco. Tenho que saber como aproveitar.

E quero aproveita o rosto dela.

Quero aproveitar ela.

E eu nem a conheço. A idealizo. Gozo.

Tudo bem. Vou parar aqui.

O telefone do trabalho toca.

Alô? Atendo com a voz cansada. Limpo o meu colo com um papel higiênico. Fecho o vídeo. O Instagram. O pensamento está em Lolla.

Eduardo, tá em casa?

Tô, Almeida. Tô em casa.

Acidente na Júlio de Castilhos. Tô mandando o Fonseca te buscar. Desce em cinco.

Tá.

Ele desliga. Almeida é direto e é isso aí. Rob Zombie canta Living Dead Girl. O vulto dele na televisão rasga a própria voz. Dizendo para ela morrer por ele. Essa garota morta-viva. Suspiro. Levanto. Pauso o show. Busco a bengala, a câmera, ambas no lugar de sempre.

Tom, o meu gato, desce da janela. Me segue pelo apartamento. Coloco um pouco mais de ração no pote dele, pra garantir caso eu fique muito tempo fora. A notificação do insta apita no celular. Olho. Lolla manda mensagem. São 3:33 da manhã. Eu gosto dela. Idealizo ela. Eu não a conheço. Ela me chama.

Não posso responder agora.

Saio.

3

Espero na portaria. O porteiro dorme em frente à televisãozinha. Passa um filme, um que não reconheço pelo som, mas o dublador não me é estranho. Meus olhos ardem na luz da portaria. Forte, direta, como uma sala de cirurgia. Ouço o carro chegar. Fonseca tem um código pra eu não entrar no carro errado. Ele buzina duas vezes e rápido. O porteiro acorda assustado. Desliga a televisão.

Oh, chefia, não vi você aí.

Não esquenta, não queria te acordar.

Eita, eu dormi de novo!

Não vou contar pra ninguém. Digo.

Gosto dele. Ele me trata bem. Ele é porteiro aqui de noite e de dia num prédio comercial. Ele diz que tinha um psicólogo no prédio dele que também andava de bengala por aí. Finjo interesse. Ele sempre parece falar sorrindo. O vulto dele é animado.

Fonseca buzina de novo.

Peço pro porteiro abrir o portão ali da mesa dele mesmo. Ele abre. Vou até o carro. Entro.

Fala, Eduuuuuu!

E ai, Fonseca. Animado, hein?

Cara, to com um bagulho novo! Novo, novo, doído de bom!

Massa.

Cheira um pouco aí, vai. Te anima!

Não tô afim.

Sobra mais pra mim, então. Ele tira um pino do bolso e escorre o pó na mão. Da uma fungada daquelas que puxa ranho escorrendo. Boooooora pro trabalho!

Bora. Sorrio. Gosto do Fonseca. Ele faz a noite passar mais rápido. Acendo um cigarro. Daqui até a Júlio de castilhos da uns dez minutos.

Fonseca não para de falar sobre o cara que ele tá comendo. Um outro policial que entrou há pouco na corporação. Gosto de novinho, ele diz. Daqueles caras que sabem o que tão procurando porque até então, nem sabiam o que eram, agora querem experimentar de tudo.

Ele fala também do Tim Maia. Como ele fala do Tim Maia. Eu adorava a música dele. Mas depois do Fonseca, não aguento mais ouvir o nome dele.

E fala. E eu fumo. E ele cheira mais. E eu fumo. E aí a gente chega.

Fonseca me guia. Me explica o que houve antes do Almeida abrir a boca.

Aqui foi acidente. Aqui os caras tavam bebados. Sente o cheiro? Do álcool?

Sinto.

Tá conseguindo ver?

Ver o quê, Fonseca?

A faixa ali. Pra manter gente longe.

Acho que sim.

Tira as fotos dali. Acho que você consegue tirar as fotos bem. Ele diz e me posiciona.

Me faz tocar a faixa amarela com preta. Ajuda a me localizar. Enquanto preparo a câmera, ele explica como os carros fundidos estão posicionados. E eu tiro a primeira foto. Pela câmera da lente, da pra ver melhor.

A batida foi forte. Muito forte. Os carros se fundiram de um jeito que não dá pra identificar o que é parte do que. Mas da pra ver algumas coisas.

Mãos.

Pernas.

Um torço.

Duas cabeças.

Mesma coisa. Fundidos. Juntos. Agarrados a carne e ao metal. Tiro as fotos pra perícia. Eles gostam do meu trabalho. Sempre salvo essas pra referência depois. Pra outros trabalhos. Lambo os lábios.

Tem algo aqui. Algo diferente. Outra foto. As mãos que se separaram do corpo estão ao lado de um pneu. Duas mãos esquerdas.

Dedos entrelaçados.

Juntos.

Na morte.

Meu celular apita com mais notificação da Lolla e eu idealizo.

4

Fotos, uma vez me disseram, são imagens da vida.

Pedaços do tempo.

E o que são as fotos que tiro?

O que são?

Eu imortalizo a morte.

Dou vida à morte.

Para que ela não se repita, talvez.

Talvez.

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Written by Vidas Rejeitadas

Eduardo Andrigo | Deficiente visual | Autor e roterista

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