Veganismo é ótimo para o ambiente. Ruim é o lixo. Inclusive jornalístico.

Eduardo Pacheco
Senciência com ciência
17 min readApr 5, 2016

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Saber o que cada hábito alimentar efetivamente come é fundamental para não falar bosta

Em menos de uma semana após lançar o Prêmio de Imbecilidade Argumentativa Anti-Vegan já temos grandes competidores na arena.

Na categoria pseudociência da semana passada pra cá apareceram 3 artigos bombásticos: do nada vegetarianismo faz mal ao meio-ambiente, causa câncer e mata mais animais. Uau.

Nesse artigo respondo o primeiro. A matéria saiu na Galileu e se trata da tradução de uma publicação feita em 2010. Se parece estranho que uma matéria de 2010 apareça traduzida no Brasil só em 2016 é porque isso é estranho mesmo, pra caralho.

A matéria da Galileu entra no contexto dessa infowar movida contra o veganismo e que já foi declarada pela indústria da carne. Em 2010 o veganismo nos EUA já incomodava mas aqui era irrelevante. Já hoje incomoda e muito. Faço um artigo especificamente sobre isso , por ora voltemos à matéria.

A matéria é um emaranhamento retórico que não cita fontes, joga dados desconexos e é nebulosa pra cacete. Pega exemplos específicos que escorregam repetidas vezes na lógica ( mesmo interna ) e simplesmente nem responde os estudos anteriores , que dizem que o vegetarianismo é mais sustentável, nem tem seus resultados confirmados por estudos posteriores.

Erra tanto em conceitos quanto em metodologia. Conseguiu acumular muita bosta para poucas linhas e se tivéssemos uma categoria de eficiência destrutiva da racionalidade , Galileu teria meu voto ( A revista, não o pensador, que mesmo com séculos de distância sabia usar melhor esse artefato entre as orelhas ) .

Jornalistas , peço encarecidamente a todos vocês: não metei o loko. Sério. Se quiserem falar de ciência aprendam a fazer ciência. Leiam a fonte. Usem dados. Saibam avaliar criticamente a metodologia empregada. Parem de repassar a culpa para o cientista, vocês são responsáveis pelo que publicam. E, de uma vez por todas, opinião de pesquisador não é e nem nunca foi ciência.

Cientistas, também vos faço um apelo: só falem daquilo que vocês conhecem ou deixem claro que isso é papo de bar. Se você quer falar sobre o que as pessoas comem , inclusive os vegetarianos, e quer recomendar mudanças alimentares estude o que vegetarianos comem, senhor Donal Murphy-Bokern. Sente o caralho da sua bunda na cadeira de um refeitório, acompanhe um monte de vegetarianos com pranchetas, anote o que vê no prato. Observe. Pergunte. Pesquise. Aprenda o caralho da diferença entre uma correlação e uma relação causal, estude como isolar variáveis, enfim, faça o que você deveria saber fazer que é ciência.

Essa matéria derrapa em pontos tão fundamentais que vou precisar separar em três partes. A primeira eu vou explicar o bê-a-bá em biologia que escancara os erros crassos da matéria ( e da conclusão do próprio pesquisador).

Eu não estou dizendo que a matéria é furada. Furo pressupõe um tecido todo conexo com uma interrupção feita de nada, uma ausência que fica aberrante naquela uniformidade não-furada. Furada é minha meia. Isso aí é uma conexão de furos e se tiver um argumento decente aí no meio ele se comporta nessa matéria da mesma maneira que o furo na meia: é algo completamente alienígena ao ambiente que o circunda.

Na segunda parte eu apresento dados, fontes e pesquisas científicas. Tem vídeo, infográfico, link pra você clicar e não precisar se sentir um idiota ludibriado por um imbecil renomado que te acha um paspalho que tem que aceitar o que ele diz e foda-se. Na terceira parte eu respondo os argumentos propriamente ditos e fico brincando de enquadre-a-falácia como de costume.

De volta ao primário

A compreensão de alguns conceitos simples em biologia evitariam que os meios de imprensa passassem tanta vergonha quando falam dessa coisa mística e desconhecida por eles e que baseia a nossa civilização chamada ciência . Para essa matéria e mesmo ao pesquisador que ela se apoia faltou os seguintes conceitos:

A. Pirâmide energética/biomassa

B. Ciclo do gás carbônico

C. Pegada hídrica

D. Nutrientes/ proteínas/ pirâmide alimentar

Pirâmide Energética ou de biomassa

O primeiro deles é o conceito de pirâmide de biomassa. A ideia é bem simples. A planta recebe energia do Sol, consome água , transforma gás carbônico em gás oxigênio ( guarde essa informação), produz matéria orgânica e cresce.

Um bicho como um boi vai lá e come um monte de plantas. Produz todos os seus tecidos como pelos que caem por aí, casco ou chifres que desgastam, peido pra cacete, mas muito peido, velho vaca peida que só a porra, mijo, mijo, bosta , tecidos como sangue que vai alimentar um monte de parasitas como carrapatos, berne, mosca do chifre.

Tem um rol desgraçadamente alto de parasitas que infectam o animal como Trichostrongylus axei , Haemonchus sp, Ostertagia sp, T. colubriformis ,Strongyloides papillosus , Toxocara vitulorum, Cooperia sp. , Nematodirus sp., Bunostomun sp., Moniezia sp., Oesophagostomun sp. , Trichuris sp, Dictyocaulus viviparus.

A lei da conservação da massa de Lavoisier diz que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Dentro desse conceito de pirâmide de biomassa, então, aquilo que não virou gás carbônico, bosta, mijo, casco quebrado, pelos que caíram e uma tonelada de vermes vira músculos que serão a carne que o comedor de vísceras adora. Isso, a carne é o que sobrou. Não precisa ser muito esperto pra notar que não é o processo mais eficiente do mundo.

A pirâmide energética nada mais é do que uma representação gráfica da quantidade de energia ( em uma unidade como calorias em um ano por área plantada) em cada nível trófico ( produtor, consumidor primário, etc). A de biomassa é o mesmo conceito mas trocando a unidade para massa (gramas por ano por área plantada).

Um vegetariano é um consumidor primário enquanto quem come derivados animais é um secundário ou mais

Esse gráfico que é um conceito chave ao se pensar em alimentar grandes populações concorda com aquilo que eu descrevi sobre o processo de formação dos tecidos no boi. Boa parte da matéria orgânica usada na criação de animais para o consumo humano é perdida por desperdício.

Isso significa que você precisa de muita terra cultivada para alimentar os animais que vão alimentar as pessoas e a mesma terra poderia ser usada para alimentar um número muito maior de pessoas. É só ver a pirâmide: consumidores secundários absorvem menos energia que a disponível nos consumidores primários. Precisando de mais terras além de mandar mais gás carbônico, que é um poluente, devasta-se mais as florestas. Entro em questões logísticas mais pra frente, no momento ficamos por aqui.

Ciclo de gás carbônico

O gás carbônico é um meio de medir a poluição atmosférica, embora não seja o único e o impacto ao ambiente não se encerre à polução atmosférica. De fato, o metano é outro puta poluente que muitas vezes fica de fora da conta em geral dos impactos ambientais. Lembra daquela historinha sobre plantas absorverem gás carbônico e liberarem oxigênio? Então, os animais fazem a via contrária: eles consomem oxigênio e liberam gás carbônico ( e metano) .

Significa que existe um equilíbrio dinâmico aí : pense numa balança em que no prato de um lado tem o carbono do “time dos vegetais” e no prato oposto tem o carbono “do time dos animais”.

É um ciclo. O que acontece se tem cada vez mais gado ?

Quando comemos carne precisamos de um rebanho pra alimentar essa demanda por carne. O rebanho sequestra carbono das plantas e produz tecido animal, aquele tecido que consome oxigênio e libera gás carbônico. Quando um animal come uma planta, então, temos mais tecido que joga o poluente gás carbônico na atmosfera ao mesmo tempo que temos menos tecido que retira gás carbônico na atmosfera. Aumente agora isso para a proporção de um rebanho em escala mundial: esse monte de boi está jogando um monte de gás carbônico na atmosfera e comendo um monte de plantas que retirariam um monte de gás carbônico da atmosfera. Resultado: acúmulo de gás carbônico.

O carbono que está no corpo do boi poderia constituir uma planta como por exemplo um feijão. Esse carbono então não seria parte do problema e sim da solução.

Nesse ponto o leitor já deve se perguntar qual é o impacto de cada potencial alimento em termos de gás carbônico. A matéria não diz mas alguém aqui respeita os leitores então fui atrás de fontes. A propósito, Galileu, além de checar fontes eu fuzilo no argumento ozinimigo e sei como fodendo trabalhar com dados. Aceito trampo pago em euros. Se vocês não quiserem passar vergonha daqui pra frente better call Pacheco.

Que tal considerar O QUE cada tipo de pessoa come em vez de ver em abstrato o que impacta ?

Nessa pesquisa da Shrink That Footprint considerando dados da ERS/USDA e outros eles tiveram o cuidado de verificar qual é a parcela que cada “tipo de dieta” realmente consome de cada tipo de alimento(frutas, vegetais, carnes, leite, cereais, etc). Um vegan emite metade dos poluentes de um não vegano , e olha que só estamos falando de gás carbônico. Falta falar de outro ponto bem importante, a água.

Pegada hídrica

Pegue o mesmo raciocínio sobre moléculas de carbono estarem no corpo dos animais e aplique à água. Precisa de um monte de água para manter um rebanho, seja diretamente em seus corpos, seja nos vegetais destinados à alimentação desses animais, seja no transporte ou manutenção desses vegetais que serão comida de gado. O resultado é que as alimentações baseadas em animais têm um impacto do cacete em água. O G1 fez um infográfico interessante e vários potenciais alimentos podem ser comparados. O infográfico é baseado nos relatórios do WaterFootPrint. O único defeito é que não existiu equiparação por unidade: um ovo de 60g , ainda assim, consome tanta água quanto 1kg de tomate.

Atenção para as unidades. De resto dá pra ter um noção do que consome mais água.

Nutrientes / proteínas / pirâmide alimentar

Lembra daquela pirâmide inútil que te ensinam na escola cheio de comida nossa-que-saco-eu-já-sei-que-tem-que-comer-tudo-isso-aí? Então, aquilo não é inútil. Ela diz basicamente que você precisa de alguns grupos alimentares em algumas proporções. Por trás dessa pirâmide está a ideia de que precisamos de certa quantidade de proteínas, certa quantidade de carboidratos, gorduras, minerais e vitaminas.

Bom, por que estou dizendo isso? Simplesmente porque na matéria o sujeito esqueceu que vegans também precisam de proteínas. Exato! Parece que os anti-veganos só lembram que precisamos de proteínas quando querem encher o saco de alguém que descobrem ser vegano. Quando essa informação é plenamente relevante para a análise científica o cara simplesmente desconsidera o que as pessoas comem.

Onde isso aparece? Explico com mais detalhes mais pra frente mas basicamente o sujeito setou a variável em 1.000 cal. Igualou tudo. Aí ele compara coisas como alface e bife , por 1.000 cal, e descobre que o alface consome quase tanto quanto o bife sob esse critério.

Espera, qual o truque? Pense em uma alface. Quanto aquilo pesa? Quanto de caloria tem? Nada para ambas as respostas. 100g de alface tem 15 kcal enquanto 100g de bife tem 277 kcal( Fonte: USDA). Um kg de alface é alface pra caralho e ocupa muito mais espaço que 1kg de carne. Note o que acontece quando você iguala todos sob o critério de 1000 kcal : você está comparando 361 gramas de carne com 6.666 gramas de alface. E quase 7 fodendo kilos de alface ocupa muito mais espaço que 7 kilos de carne. Por ocupar espaço gasta-se mais com transporte e armazenamento e isso emite gás carbônico. Esse é o truque.

Então a pesquisa e a matéria estão certos, já que alface é uma porcaria ineficiente em termos nutricionais? Não, estão incrivelmente enganados. Ninguém obtém suas proteínas a partir do alface. Existem vegetais que são ótimos em armazenar proteínas e são as fontes desse nutriente dos veganos. São os feijões, as castanhas, as sementes. Dá pra colocar os cereais nesse balaio também. Então quando for comparar uma uma dieta que envolva derivados animais com uma dieta vegana observe o que os veganos efetivamente comem e vai perceber rápido que não substituímos carne por alface mas sim por feijões, castanhas, cereais. E considerando os impactos desses itens , como fez o gráfico FoodPrints by Diet Type da URS/USDA vai ver o tamanho da bosta que estão falando sobre impacto ambiental dos vegetais.

Note que mesmo nesse critério imbecil que é fixar em calorias e considerar que você come aquilo que você não come os vegetais ainda ganham em geral. O gráfico da fonte que citei , o Carnegie Mellon University research na publicação do WashingtonPost , que usa o mesmo critério dessa matéria que respondo neste artigo, não classifica os potenciais alimentos como vegetais e animais e não permite, por isso, extrair adequadamente padrões dos dados.

Se pudéssemos considerar esse critério idiota de calorias e ainda por cima supor que veganos substituem picanha por verduras e não por feijões então essa propaganda vegana faria todo o sentido:

Espera, isso está certo? Espinafre tem 49% de proteínas? Sim, está. Só que isso informa uma mentira.

Espera. Os dados dessa tabela são verdadeiros? Sim, Padawan, são. Então é verdade que 49% do espinafre é proteína? Sim. Então porque você disse essa propaganda vegana é falsa? Simplesmente porque é plenamente possível mentir dizendo apenas a verdade. A tabela passa um dado verdadeiro ( 49% do espinafre é proteína) mas induz uma informação falsa ( espinafre é uma fonte de proteína melhor que carne). E é falsa porque o critério empregado é imbecil. A imagem esconde que precisa de um volume enorme de espinafre para ele ser uma fonte considerável de proteínas.

Aqui se usa porcentagem de proteína do total de calorias. Verduras têm muita água que não ocupa calorias, têm fibras que não ocupam calorias , não tem aquela gordura toda da carne que jogam as calorias da carne alto lá no Everest. Simplesmente a comparação entre verduras e carnes não é justa já que as verduras não cumprem o papel alimentar das carnes. Os veganos que percebem a desonestidade dessa propaganda vegana não vão defender que espinafre seja uma melhor fonte de proteína que bife , ao contrário, vão condenar isso.

De forma análoga a pesquisa pega a mesma imbecilidade propagada por veganos pouco confortáveis com ciência e usa isso como critério sem a menor distinção, sem entender como de fato se distribui a alimentação dos veganos. E estou dizendo isso sobre o que deu pra ver pelas fontes que fucei por aí e pelo que foi dito da matéria, já que a pesquisa que é bom é inencontrável.

Pra quem ficou chocado com essa sutileza entre veracidade dos dados e falsidade da informação quero adiantar que muitas manipulações científicas acontecem nesse “pulo do gato”. E quem quiser aprender como se faz isso ( e consequentemente como identificar e rebater like a boss) toma de presente essa defesa contra as artes das trevas: a obra How to Lie With Statistics, de Darrell Huff.

Dados, dados, dados!

Depois dessa insuportável aula de ciência básica nível sétima série posso apresentar dados de pesquisas em que apresento as fontes, que deixam claro os pontos de falseabilidade, com resultados confirmados com outras pesquisas e não pincelando situações irreais recheadas de uma retórica nebulosa fomo foi feito na matéria.

A pesquisa publicada esse ano , Analysis and valuation of the health and climate change cobenefits of dietary change, conclui como é de se esperar que o vegetarianismo é muito melhor para o ambiente ( e para saúde). Comparando com a atual distribuição alimentar ( ou seja, já fazendo os veganos pesarem em favor dos comedores de carne hoje) projetada até 2050 com uma alimentação mundial vegan em 2050 , a versão vegana reduz entre 29% e 70% as emissões de gás carbônico ( além de reduzir a mortalidade global de 6% a 10%).

Essa pesquisa confirma o que já foi dito pelas pesquisas da ONU que recomenda uma alimentação vegana para o mundo todo. O Relatório da ONU que baseia essa recomendação pode ser acessado aqui. Ele tem 13 páginas de fontes e referências sobre os impactos dos diferentes tipos de alimentação, desejo uma excelente sorte para qualquer aventureiro que queira contrariar uma consistência desse calibre.

Eu juro que não vou ficar torrando a paciência dos leitores com quilos e quilos de pesquisas. Mas pelo menos mais duas considero essenciais. Uma delas é uma pesquisa de 2014 com uma base de dados com mais de 50mil pessoas no Reino Unido que compara as emissões de gás carbônico de seis categorias: comedores de muita carne, comedores moderados de carne, comedores de pouca carne, comedores de peixe, vegetarianos e veganos. A conclusão, como era de se esperar:

In conclusion, dietary GHG emissions in self-selected meat-eaters are approximately twice as high as those in vegans. It is likely that reductions in meat consumption would lead to reductions in dietary GHG emissions.

A página do paper está disponível aqui e a versão integral pode ser acessada diretamente aqui.

Por fim não posso deixar de apresentar os dados compilados do documentário Cowspiracy. É só cinco minutos, perto das trezentas horas que você levou pra ler esse artigo interminável não é nada, vai.

Como a geração internet tem preguiça até de assistir documentário eis aqui os dados compilados, de nada.

Quem tiver tempo eu recomendo que largue de ser preguiçoso e veja o documentário inteiro. Vale a pena, juro.

A Galileu não lê as coisas direito e passa vergonha. Vai fazer o mesmo?

Respostas!

Finalmente o artigo e a minha paciência estão acabando. Agora com o básico-do-básico exposto posso responder ( vai ser rápido, juro) as afirmações da matéria da Galileu. Em resumo são:

  1. Vegetarianos fazem mal ao meio ambiente.
  2. Processados de vegetais em geral impactam mais que de carne.
  3. Comer mais massas seria melhor que comer grãos.
  4. A Inglaterra, que tem muitos vegetarianos , emite 19% dos seus poluentes em comida.
  5. Devemos melhorar a eficiência na indústria em vez de parar com a carne.

Já adianto que as afirmações são falsas ou incorrem em falácias. Quem escreveu isso parece não entender o conceito de pirâmide de biomassa, não sabe como medir impacto ambiental ( reduziu à emissão de gás carbônico), não tem a menor ideia de como seja a alimentação de um vegetariano e não sabe ler gráficos muito bem. Eis as respostas.

Vegetarianos fazem mal ao meio ambiente

A fortíssima afirmação não teve, na matéria, fontes a serem conferidas e atacadas. Quando algum texto que se pretende científico fizer isso, via de regra, desconfie. Aqui já temos uma primeira falácia que é o Apelo à Autoridade em sua pior forma, o Apelo à Autoridade anônima. Se é verdade que o nome de um dos cientistas foi citado também é que é um parto para achar o tal estudo. Não tem a publicação, não tem um link, nada. É um cientista agindo como se estivesse em um papo de bar, bostejando informações picotadas e esperando que o interlocutor se convença da veracidade delas.

Mostrei anteriormente que não tem o menor sentido “vegetarianos impactrem mais” e que isso só poderia ser concluído se você assumisse que vegetarianos baseiam sua alimentação em alface em vez de feijões e nem assim seria verdade.

Mostrei dados sobre a pegada hídrica, sobre emissões de gás carbônico em mais de uma fonte que deixam claro que essa afirmação é tão sólida quanto prego na areia.

Ainda que existisse alguma situação muito específica em que a alimentação vegetariana fosse pior, coisa que não foi provada, basear-se nessa situação seria incorrer na Falácia do Acidente ou Dicto Simpliciter que criar uma generalização sem base, tomando um fato isolado como se fosse regra geral.

Processados vegetais em geral impactam mais que carne

Como, cara pálida? Carne depende de refrigeração e medidas sanitárias muito mais rígidas que feijão, lentilha ou grão de bico. Carne é um troço molhado e cheio de nutrientes, do jeito que as bactérias adoram. Já não bastasse o tremendo custo de produção, que é necessariamente mais alto que dos vegetais dado que os animais comem vegetais , a carne ainda tem complicadores enormes em relação ao armazenamento e transporte. Ela estraga fácil então precisa ser refrigerada mesmo nos caminhões. Chegando nos destinos intermediários e finais deve ser também refrigerada. Dá uma olhada nos custos de energia dos eletrodomésticos , apenas para um exercício mental. Freezer só perde para o ar condicionado. Imagina depender de freezer para seu produto não estragar? O feijão pode ficar meses na embalagem e está ótimo. Já a carne tem um desperdício enorme no processo de conservação.

Ainda que assumíssemos que em um universo paralelo os industrializados vegetais consumissem mais recursos que os industrializados animais ( porque foda-se a refrigeração) é fácil concluir que o senhor Donal Murphy-Bokern não tem proximidade com muitos veganos já que não faz ideia do que comemos. Acha que comemos tantos industrializados veganos quanto comíamos quando comíamos carne? Não, senhor, não. Como aumentamos o aporte de grãos, cereais e castanhas na nossa dieta simplesmente acabamos diminuindo mesmo sem intenção a quantidade de industrializados. Vegano cozinha, filhão.

Comer mais massa seria melhor que comer grãos

Aham. De fato trigo consome um pouco menos recursos que feijão. O problema é que as massas são industrializadas , o que é contraditório com o seu argumento sobre industrializados vegetais serem a encarnação de Lúcifer. Só que feijão consome bem menos recursos que carne o que significa que a culpa do ambiente estar uma bosta não é de eu escolher feijões em detrimento de macarrão e sim de você escolher bife em detrimento de feijões. Vejam aqui: um bife emite 19.18 libras de gás estufa por 1000 calorias. O feijão emite 1.42 libras de gás estufa pelas mesmas 1000 calorias. A farinha de trigo integral 0.35 libras por 1000 calorias. A fonte é de uma pesquisa da Carnegie Mellon University veiculada pelo WhashingtonPost, só clicar e ver.

A Inglaterra que tem muitos vegetarianos emite 19% dos poluentes em comida

Aqui ele incorre na Distorção de Fatos, falácia que dispensa maiores explicações. Não explica aqui como de fato se distribui as emissões entre os vegetarianos e não vegetarianos na Inglaterra, apenas cita a produção genericamente.

A esse respeito cabe lembrar que já mostrei uma pesquisa sobre os hábitos alimentares no Reino Unido com uma base de dados de dezenas de milhares de pessoas . Além disso o sujeito jogou a Inglaterra inteira no balaio vegetariano quando em verdade não, tem tudo aí no meio.

Há uma inovação aqui, própria dos argumentos especialmente desonestos, a Falácia da Divisão , falácia em que se pega uma característica do todo e aplica-a indistintamente a cada parte. “Inglaterra emite muitos poluentes, Inglaterra tem vegetarianos, veganos e adoradores de carne, logo veganos emitem muitos poluentes”.

Devemos melhorar a eficiência da indústria em vez de cortar a carne

Cito um trecho da fala do sujeito e então respondo

A questão é: não adianta discutir mudanças na dieta para resolver esse problema. Esse é um falso dilema. Importante mesmo é investir em tecnologia para reduzir a emissão ao longo do processo produtivo(A), seja de carne ou de proteína de soja. Temos que investir em maneiras de plantar mais em menores espaços e melhorar técnicas de irrigação(B). Tudo isso é mais importante para o meio ambiente que a dieta do consumidor final(C).

Fico feliz que o senhor Donal Murphy-Bokern já tenha ouvido falar na Falácia do Falso Dilema. Só falta agora saber como ela funciona e parar de incorrer nela porque é especialmente vergonhoso incorrer em um falso dilema quando se acusa o outro de estar cometendo um falso dilema.

Essa falácia consiste em impor uma escolha do tipo A ou B quando se pode ir por A e B por exemplo. Um caminho não exclui o outro. Tomei a liberdade de marcar frases da fala do pesquisador com A, B e C para facilitar a análise da estrutura do argumento. Note que o professor argumenta que devemos A e B , ou seja, invista-se em tecnologias para reduzir as emissões ao longo do processos produtivo e em maneiras de aumentar a produtividade da agricultura, mas não C, ou seja, não a dieta do consumidor final.

Colocar toda a responsabilidade em C é, em si, um falso dilema, quando se é obrigado a escolher A ou B ou C e sim que A, B e C ajudam a compor um resultado final , somando-se.

Sobre o falso dilema incorrido pelo professor cabe ainda duas observações bastante relevantes. A primeira é que apenas C está em poder do consumidor, ou seja, questões sobre a produtividade da agricultura e do processo produtivo estão sob poder da indústria. Já o consumidor tem o poder de escolher o que vai comer, o que reforça a importância de C.

A segunda ponderação é que os dados não sustentam a crença do professor de que a dieta seja desimportante no impacto. Como demonstrei em diversas fontes ao longo deste artigo trocar carne por feijões faz uma diferença do cacete.

Esse artigo ficou muito maior do que eu gostaria. Só que é especialmente irritante ver gente sendo desonesta e querendo passar cinismo como se fosse ciência e quis responder de uma vez por todas.

Como vimos não é o vegetarianismo que faz mal ao ambiente e sim a destruição que causamos para o avanço da pecuária e todo o lixo que jogamos na atmosfera. Isso inclui o lixo jornalístico que jogamos na internet. Ao falar merda sobre o meio ambiente com base em informações falsas essas matérias induzem as pessoas a tomarem as decisões erradas e a impactarem mais e mais a natureza.

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