15 anos após morte trágica, Aaliyah não é lembrada como deveria

Eduardo Laviano
6 min readNov 30, 2016

É um erro pensar que a influência pesada do R&B e do hip hop na música pop que escutamos hoje é uma criação recente. Muita gente batalhou bastante para emplacar o som das periferias do Estados Unidos no mainstream. Alguns cantores, compositores e produtores que são responsáveis pelo cenário dominante nas paradas atualmente são fortemente celebrados e reconhecidos. Alguns, não. Infelizmente, Aaliyah é um deles, apesar de sua inegável contribuição.

Nascida no Brooklyn, em 1979, Aaliyah (hebraico para “a mais alta e exaltada”) nasceu numa família multi-racial, com nativos americanos, afro-americanos e imigrantes brancos. Aos 10 anos, apareceu no programa americano Star Search, que também revelou ídolos como Christina Aguilera, Justin Timberlake, Britney Spears, Beyoncé, Alanis Morissette, Usher, LeAnn Rimes e Lauryn Hill. Com 12, já tinha contrato assinado com o selo Blackground Records.

Nesse período, Aaliyah conheceu o lendário produtor e compositor R. Kelly, o cara que construiu o conceito do álbum de estreia da cantora: Age ain’t nothing but a number (Idade não é nada além de um número) foi lançado quando Aaliyah tinha apenas 14 anos. Louvada pelos críticos pelo lirismo das composições e instrumentais envolventes, ela logo virou uma promessa para o futuro do R&B.

Álbum de estreia de Aaliyah: 6 milhões de cópias vendidas

Com as batidas características de hip hop e um vocal jovem e acordado para a vida, Aaliyah apostou em uma sonoridade similar a do quarteto En Vogue para o seu primeiro single, Back and Forth. A canção atingiu a quinta posição no Billboard Hot 100. Todos os singles do álbum seguiram essa vibe mais animada, refletindo a jovialidade de Aaliyah e com instrumentais sintetizados e levemente dançantes, com vídeos, em sua maioria, gravados em Detroit.

Ponto fora da curva no álbum, o cover de At Your Best (You are love) trouxe Aaliyah para o olhar dos críticos como uma cantora cheia de recursos para mostrar, tanto em personalidade como em voz. A redenção R&B desse clássico dos Isley Brothers conta com poderosos falsetes e controle pleno da voz de cabeça, o que impressionou muita gente.

Embalada pelo sucesso de seu álbum de estreia, Aaliyah sentiu que poderia mostrar mais facetas do que o seu patrono R. Kelly gostaria. Foi aí que ela saiu da Jive Records e assinou com a Atlantic Records, tudo para tocar o seu projeto One in a million, CD lançado em 1996.

Aaliyah: De queridinha da América invisível a símbolo sexual do mainstream

Abençoada pela produção dos lendários Missy Elliott, Timbaland e Jermaine Dupri, as músicas If Your Girl Only Knew, 4 Page Letter e Hot Like Fire se tornaram singles de sucesso, mas foi a canção One in a million que consagrou Aaliyah no topo da cadeia alimentar da indústria fonográfica negra nos EUA, com diversas performances em programas de TV, shows lotados e exposição máxima nas rádios. A forte mudança de imagem transformou Aaliyah de tomboy a símbolo sexual, quase uma Lolita da periferia, em meses. Sobre a pecha, ela dizia não se importar muito:

“Sei que há quem me considere sexy e que sou vista assim. Fico tranquila em relação a isso. É ótimo ter um sex appeal e se você abraçar isso se sentindo confortável consigo, se torna algo lindo. Sabendo lidar, dá para ser muito classuda ou muito provocante. Acho isso ótimo!” — Aaliyah

Com aquela pegada lenta e matadora do R&B romântico aliado ao lastro eletrônico do drum and bass europeu, a voz de Aaliyah se notou mais tranquila, amanteigada, assoprada e sussurrada, mantendo a qualidade de seu talento exposto no primeiro álbum, mas mostrando novas cores das cordas vocais dela, com riffs e runs e ainda mais falsete. A perfeita balada sentimental de uma fábula do Brooklyn nos tons de uma vocalista que apesar da idade, sabia o que estava fazendo.

Alcançando ótima visibilidade em pouco mais de dois anos de carreira profissional, Aaliyah ainda teve tempo de se graduar na Detroit High School for the Fine and Performing Arts, como atriz, em 1997, e acabou arranhando alguns papéis pequenos em séries de TV. Ela ainda emplacou duas trilhas sonoras em filmes de sucesso: da animação Anastasia, com Jouney to the past e Dr. Doolittle, com Are you that somebody?, que lhe rendeu sua primeira indicação ao Grammy.

Encerrando os anos 90 com a bola toda, Aaliyah ainda estreou no cinema com Romeu tem que morrer (quem nunca assistiu esse clássico do Jet Li no SBT?), sucesso de bilheteria e razoavelmente bem quisto pelos críticos. A música Try Again, feita para a trilha sonora, culminou o Hot 100, sendo o único primeiro lugar da carreira da cantora.

Ela ainda estrelou o fiasco A Rainha dos Condenados e estava acertada para um papel na trilogia Matrix. Após cinco anos sem lançar CD, Aaliyah voltou em 2001 com um álbum homônimo que contou novamente com a produção dos padrinhos Missy e Timbaland, além de Erics Seats. O álbum Aaliyah vendeu 187 mil cópias na primeira semana.

O CD ainda venderia muito mais, mas pelo mais triste dos motivos: Aaliyah foi para as Bahamas gravar o vídeo do single Rock the Boat e ao voltar, embarcou num voo só de ida para o grupo de artistas que se foram cedo demais. O avião Cessna 402B, que transportava ela e a sua equipe para a Flórida no dia 25 de agosto de 2001, caiu.

O acidente aconteceu a 200 pés de altura, minutos após a decolagem. Ao total, nove pessoas foram mortas. Com as investigações, sobrecarga da aeronave e falha na ignição foram apontados como possível causa, além da autópsia do piloto Luis Morales III ter revelado traços de álcool e cocaína em seu corpo.

Tatuagem do rosto de Aaliyah nas costas do rapper canadense Drake

Aos 22 anos, Aaliyah faleceu sem ter a chance de penetrar no mercado musical dito “branco”, já que ela esteve exclusivamente ligada a gêneros musicais considerados “negros”, preconceito hoje mais dissolvido, mas ainda existente.

Num ato de preconceito, o famoso jornalista conservador Rod Dreher criticou a comoção em torno da morte da popstar e disse que ninguém nunca tinha ouvido falar nela, ato semelhante ao que ocorreu após a morte do cantor sertanejo Cristiano Araújo, em 2015, que exceto para milhões de pessoas, também era desconhecido.

Depois dela, o hip hop soul nunca mais foi o mesmo e o preciosismo de suas produções reverberou em gente veterana como Mary J. Blige e as novatas Ciara, Keri Hilson, Rihanna, Destiny’s Child e posteriormente, Beyoncé, que inclusive afirma que Aaliyah foi “a primeira pessoa a acolher as Destiny’s Child” e que ficou muito nervosa e intimidada na primeira vez que a viu.

As DC3 Michelle, Beyoncé e Kelly posando com Aaliyah, uma das influências do grupo

Esquecida pela maioria, Aaliyah voltou ao holofotes recentemente na obscura e famigerada internet, já que a velha teoria da conspiração de que a mando de Beyoncé, Jay Z teria mandado derrubar o avião Cessna (da fictícia Jay Z Airlines) ressurgiu com tudo, especialmente por causa do fórum Pandlr, que internacionalizou a piada que virou até a matéria do Buzzfeed. Não faltam gifs e memes “comprovando” o crime. Brincadeiras de lado de lado, Aaliyah foi uma excelente obra de arte para os nossos ouvidos, com exposição de curta duração nesse museu que chamamos de vida. Vale a pena separar um tempinho para conhecer o legado da cantora, inteiramente disponível no YouTube e parcialmente no Spotify.

Nesse período, Aaliyah conheceu o lendário produtor e compositor R. Kelly, o cara que construiu o conceito do álbum de estreia da cantora: Age ain’t nothing but a number (Idade não é nada além de um número) foi lançado quando Aaliyah tinha apenas 14 anos. Louvada pelos críticos pelo lirismo das composições e instrumentais envolventes, ela logo virou uma promessa para o futuro do R&B.

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