Uma introdução aoDesign Crítico Especulativo

Eduardo Zmievski
7 min readAug 9, 2018

--

Digicars. United Micro Kingdom — Dunne & Raby (2012-2013)

Como tema central de minha pesquisa de graduação em design, e enquanto reviso o texto e preparo a bibliografia para a entrega de qualificação, resolvi publicar um resumo daquilo que venho pesquisando nos últimos meses: Design Crítico Especulativo. Espero que com isso, mais pessoas venham a descobrir essa abordagem de design que acredito ter um potencial imenso a ser explorado. Boa leitura!

O Design Crítico Especulativo (SCD) tem sua origem mais recente nos países europeus, escandinavos e americanos, impulsionado principalmente por pesquisas acadêmicas nas áreas do design de serviços e design thinking, por pesquisadores de diversas instituições como: Royal College of Arts(Reino Unido), Zurich University of the Arts(Suíça), Konstafck University College of Arts(Suécia), University of Applied Sciences Northwestern Switzerland(Suíça), University of Twente(Holanda), Kolding School of Design(Dinamarca), Newcastle University(Reino Unido), The new School Parsons (Estados Unidos) e Massachusetts Institute of Technology (Estados Unidos), para citar apenas alguns.

Inspirado principalmente pelo movimento de vanguarda Internacional Situacionista, da metade do século XX, e por estúdios de design e arquitetura italianos como Superstudio, Archigram e Archizoom Associati. Também o artista Constant Nieuwenhuys(1920–2005) e o escritor Guy Debord (1931–1994) nesse sentido são grandes influências para estes movimentos dos anos 1960 na europa, que através de projetos conceituais e artísticos criticaram principalmente a vida urbana moderna e as correntes capitalistas, em busca de possibilidades de realidades e futuros alternativos. A obra de Debord, em especial suas pesquisas sobre arte e urbanismo enquanto parte da IS são manifestadas em sua crítica A Sociedade do Espetáculo, publicada em 1967. Seus estudos resultaram posteriormente na psicogeografia, e seu procedimento de pesquisa — a deriva.

New Babylon — Constant Nieuwenhuys (1959)

O interesse recente em design especulativo se deve em muito por parte de Anthony Dunne(designer industrial) e Fionna Raby(arquiteta), pesquisadores dedicados a explorar novas fronteiras através de cenários imaginários e projetos especulativos. Ambos se uniram nos anos 1990 e formulam uma abordagem focada no gênero que hoje é conhecido por Design Crítico Especulativo (SCD). O termo é cunhado no livro Speculative Everything: Design, Fiction and Social Dreaming (2013) onde os autores apresentam a ideia de usar o design como meio para imaginar futuros possíveis dentro de um contexto projetual e sob um ponto de design: as interações, comportamentos e objetos que envolveriam determinada situação e contexto. O SCD se concentra no potencial da construção destes cenários possíveis como fontes de discussão. Esta forma de imaginação pode servir para se explorar novas perspectivas sobre problemas capciosos e criar espaços para discussão e debate sobre modos de ser alternativos, a fim de inspirar e encorajar a imaginação livre sobre o assunto.

Para Dunne e Raby, o design especulativo tem potencial para redefinir nossa relação individual e coletiva com a realidade atual, e não está interessado em propor soluções ou predizer o futuro de forma objetiva, pelo contrário: o ponto da especulação aqui é imaginar futuros possíveis e usá-los como ferramentas para compreender melhor o agora e discutir sobre os futuros que queremos −e também aqueles que não queremos. A partir da criação de cenários ou situações que geralmente começam com a pergunta “e se…?”, é que se abre espaços para discussões e diálogos provocativos, intencionalmente simplificados e fictícios. A ficção aqui se faz necessária para que o público suspenda por alguns momentos sua incredulidade e permita sua imaginação divagar, esquecendo momentaneamente como as coisas são agora e pensar em como elas poderiam ser neste cenário especulado.

um interesse crescente do mercado por serviços de Design Especulativo. Empresas de tecnologia e serviços digitais buscam estúdios especializados nessa prática por diversos motivos: obter vantagens competitivas frente a seus concorrentes; introduzir novos conceitos ou valores para seus clientes/stakeholders; investir em inovação e na busca de soluções para problemas atuais ou emergentes; dentre outros. Boa parte desses estúdios se baseiam em países europeus e americanos, tais como: Near Future laboratories, The incredible Machine, Superflux e We.

Curious Rituals: A Digital Tomorrow — Near Future Laboratories (2012)

Ao passo que grandes corporações como Microsoft e Google possuem setores e laboratórios dedicados somente à prática de Design Especulativo e produção de Ficções Projetuais. Alguns exemplos de projetos especulativos que (quase) já são realidade:

A Google tentou, mas falhou feio com o Glass

Existe também uma produção de design especulativo por parte de pesquisadores que permeiam o campo das artes, não deixando em nada a desejar na qualidade de execução frente às grandes corporações e estúdios, e ainda sendo mais ousados em seu teor crítico abordando questões capciosas e temas tabus. Nesse sentido vale citar o trabalho de Lauren McCarthy, Sputniko!, Kyle McDonald, Keichi Matsuda, James Bridle, Ai Kasegawa, Miriam Simun, Ani Liu e Mary Tsang, que servem como referência para a especulação crítica em meu trabalho de graduação.

Follower — Lauren McCarthy (2016)

Também é importante apresentar o contraponto proposto pelos pesquisadores luizaprado e Pedro Oliveira, que juntos formam o duo A Parede, onde publicam suas pesquisas e projetos artístico/pedagógicos. A dupla brasileira investiga os modos como o colonialismo é inscrito e imposto através da tecnologia e também como se manifesta por meio da violência.

Recentemente, por meio publicações online chamaram atenção por questionarem o “crítico” do SCD, jogando luz sob o viés colonizador e eurocêntrico inscrito em alguns projetos de design especulativo. Muitas vezes os cenários distópicos criados nesses projetos já são realidade em certas regiões, traduzindo a falha por parte dos designers em compreender a complexidade inerente às culturas fora de suas bolhas sociais. Luiza e Pedro criticam as visões de futuros que muitas vezes o design especulativo propõe/impõe, ignorando problemas reais de grupos e populações fora do circuito americano-europeu.

Sobre isto, há também uma publicação de Cameron Tonkinwise que cita o caso em que objetos de uma exposição de design especulativo produzida por Dunne & Raby, foram retirados de seu contexto sem os suportes imagéticos e textuais que acompanhavam a exposição original, e levados por pesquisadores para a Libéria em 2015. Os responsáveis não levaram em consideração as condições sociais e políticas do país, que na época vinha se recuperando de um estado de emergência devido à ebola, e a produção de alimentos estava limitada. Enquanto o imaginário local estava repleto de agentes externos e sob profundo stress, os objetos causaram um grande impacto negativo que resultou na ação do governo Liberiano expulsando todas as companhias estrangeiras e se comprometendo a tornar-se auto suficiente em produção orgânica através da economia local.

Por fim, acredito que vale ressaltar a relevância da produção crítica especulativa para produção de artefatos e sistemas simbólicos questionadores, propondo reflexões sobre problemas e questões atuais em cenários e contextos não tão distantes assim da realidade presente. Ao passo que se deve agir com extrema responsabilidade frente a esta abordagem, pois é possível que um cenário especulado sob determinadas condições e pontos de vista gere o resultado inverso ao que se intencionava, causando constrangimentos e até severas consequências.

Pra fechar, segue uma lista de links que venho acumulando em minhas abas do navegador e que podem ir para as do seu!

Textos:

Research Labs e Studios:

Espero que mais pessoas tenham se interessado e investiguem problemas, idéias e questões capciosas através do SCD . Se você for uma dessas, não deixe de entrar em contato comigo!

--

--