Como projetar (para) o futuro?

Este texto faz parte de uma série que criei para publicação do progresso de minha pesquisa de graduação em Design.

Eduardo Zmievski
8 min readMar 16, 2018
Membros do MIT Borg Lab, década de 1980. Imagem por: Steve Mann.

Como abordar o mundo e seus problemas de um modo que ainda não é possível? Como imaginar cenários futuros que, devido a determinadas limitações, parecem impossíveis de se concretizarem no momento atual?

Ou ainda, como simular um cenário no qual estas mesmas limitações e problemas são a fonte para novas soluções, e consequentemente novos problemas?

Estas são algumas das questões que me trouxeram até as fronteiras do que eu considerava design, ou mais especificamente do que achava que o design era capaz de produzir. Ao me aprofundar na pequisa sobre o tema para meu trabalho de graduação me deparei com a possibilidade de imaginar o futuro através de projetos, e que isso tinha vários nomes: design fiction, design especulativo, critical design, interrogative design, ficção projetual… a partir daí, tudo mudou. Passei a me dedicar em descobrir o que afinal era tudo isso e como poderia adaptar ideias desses conceitos para meus projetos, e isso se tornou minha pesquisa atual. Este texto contém algumas das definições que achei mais interessantes nesse sentido e que uso para esclarecer e jutificar a abodargem que escolhi.

Speculative Design

Termo cunhado por Anthony Dunne e Fiona Raby, e destrinchado principalmente em seu livro Speculative Everything: Design, Fiction and Social Dreaming onde apresentam a ideia de usar o design como meio para imaginar como as coisas poderiam ser. Esta forma de imaginação pode servir para se explorar novas perspectivas sobre o se conhece como Wicked problems — problemas que ainda não possuem uma solução ou meios para tal de forma clara, com requisitos mutáveis e interdependentes que dificultam ainda mais a identificação e solução dos mesmos — e criar espaços para discussão e debate sobre modos de ser alternativos, a fim de inspirar e encorajar a imaginação livre sobre o assunto. O design especulativo tem potencial para redefinir nossa relação coletiva com a realidade atual, e não está interessado em propor soluções ou predizer o futuro de forma objetiva; Pelo contrário, o ponto da especulação aqui é imaginar futuros possíveis e usá-los como ferramentas para compreender melhor o agora e discutir sobre os futuros que queremos, e também aqueles não queremos. A partir da criação de cenários ou situações que geralmente começam com a pergunta “e se…?” é que se abre espaços para discussões e diálogos provocativos, intencionalmente simplificados e fictícios. A ficção aqui se faz necessária para que o público suspenda por alguns momentos sua incredulidade e permita sua imaginação divagar, esquecendo momentaneamente como as coisas são agora e pensar em como elas poderiam ser.

A partir disso, os autores propõem um diagrama baseado na visita do futurologista Stuart Candy ao Royal College of Art em 2009 que ilustra os diferentes tipos de futuros possíveis através de cones, onde cada um representa em espectro os níveis de possibilidade. O primeiro cone é o Provável, no qual a maior parte dos projetos comuns de design operam. Ele descreve o futuro possível sem considerar uma grande crise ou mudança de paradigmas, sendo o mais conservador. O próximo cone é o Plausível, onde se começa a esboçar possibilidades mais ousadas considerando situações menos prováveis porém ainda possíveis dado o cenário atual. Seguinte, o cone do Possível no qual as mudanças e cenários são mais difíceis de se imaginar e principalmente vincular ao presente. Ele trabalha com possibilidades remotas, científica ou socialmente possíveis porém sem apresentar um caminho plausível do percurso. Para além deste cone os autores consideram a área da fantasia, que extrapola qualquer possibilidade de concretização e trabalha a uma distância do real e agora que não é interessante e pertence ao sci-fi, contos de fadas e óperas cinematográficas. O design especulativo almeja trabalhar num espectro entre os cones do Provável e Plausível, que primeiro lugar é cientificamente possível e em segundo lugar é possível traçar um caminho de onde estamos hoje até este futuro possível. Então se cria uma série de eventos acreditáveis através ficções e permitindo aos espectadores relacionar-se com o cenário de seu mundo com a diegese e proporcionar reflexões críticas acerca dela.

Espectro Especulativo PPPP. Dunne & Raby.

Design Fiction

Design Fiction é uma forma de desenvolver projetos que especulam sobre um possível futuro próximo da sociedade (AMSTEL, 2015) considerando determinadas circunstâncias e contexto através da tecnologia. Possui origens na ficção científica, mas se diferencia dela por ter um propósito distinto do entretenimento: ele pode ser usado como um método de pesquisa de design a fim de criar ações no presente que influenciarão o futuro e a interpretação do passado, sendo portanto compreendidas como intenções políticas que questionam o Status Quo (GONZATTO; AMSTEL; MERKLE e HARTMANN, 2013); podendo inclusive entreter tanto quanto provocar mudanças de paradigmas e gerar inovação através de fricções com a realidade atual. Este Design fiction que se propõe a criar objetos (protótipos) que simulam de algum modo a realidade proposta e torna amanuavel [1] a experiência, ao especular sem restrições pragmáticas como detalhar os pormenores tecnológicos ou sociais, facilita a produção de protótipos diegéticos [2] mais rapidamente a um custo mais baixo, agilizando o desenvolvimento, criando brechas e fricções para insights de inovação que possibilitam tornar a ficção projetada tangível e experienciável (BLEECKER, 2009), mesmo que para tal sejam necessárias algumas convenções e artifícios para o “convencimento” da ficção.

Um projeto de design fiction consiste em especular futuras possibilidades, ideias e soluções dentro de cenários e circunstâncias específicas acerca de um tema. Mas qual a diferença disso para um projeto de design “comum”, como projetar uma cadeira ou um livro? Visto que a palavra “Projeto” significa desejo ou intenção de realizar algo no futuro, e etimologicamente “projectu” vem do latim e significa “lançar para frente”. O que difere, entretanto, o design fiction de um “projeto comum” de design é seu caráter de pesquisa experimental com origens na ficção científica, onde os detalhes técnicos de funcionamento do objeto são superados logo de início a fim de lidar com a experiência prática da coisa em si, e permite experienciar as soluções e problemas que este objeto proporciona de maneira direta, mesmo que como ficção.

Porém, não se pode confundir o Design Fiction com Ficção Científica. De acordo com AMSTEL (2015):

“O ponto da ficção projetual é mostrar um cenário factível para o futuro próximo da sociedade. A distância desse cenário futuro é um projeto, ou seja, o conhecimento científico e a tecnologia necessária para sua realização já se encontram disponíveis ou estão em vias de serem disponibilizados. Essa é também uma diferença fundamental com a ficção científica, que focaliza nos possíveis avanços da ciência em futuros mais distantes. A ficção projetual é sobre o futuro próximo, em geral, 10 anos daqui pra frente. O cenário focaliza nas mudanças no dia-a-dia de pessoas comuns e não em aventuras de heróis. s. p.”

Um bom exemplo para ilustrar esta diferença é tomarmos as obras literárias de Isaac Asimov, tais como A Fundação ou Eu, robô?, escritas no início do século XX, quando as idéias e tecnologias para a materialização da realidade por ele propostas eram absurdas e inimagináveis. Dado o contexto histórico, tecnológico e sócio-cultural da época, as obras de Asimov era vistas como delírios futurólogos sem uma ligação com o dia-a-dia das pessoas comuns. Diferentemente, as obras do contemporâneo Charlie Brooker, no seriado televisivo Black Mirror, apresentam uma série de eventos que se desenrolam em determinados cenários onde a tecnologia e contexto estão muito próximos de existir, ou que já existem de certo modo. O que Brooker propõe em suas ficções são cenários e consequências de como aquelas tecnologias afetam o comportamento humano e vice-versa, em questões corriqueiras ou já presentes na sociedade. Em Black Mirror, a tecnologia é um meio para se abordar questões essencialmente humanas e comuns como moral social, política, ética, sentimentos e privacidade através de tecnologias que, apesar de futuristas, são palatáveis hoje. É bem diferente da frieza de um cenário muito avançado tecnologicamente, onde a distância temporal e social cria um abismo que separa o dia-a-dia do humano comum, criando mitos de aventuras e heróis.

À esquerda: Metalhead(2017. Black Mirror T:4 E:5); à direita: SpotMini(2017. Boston Dynamics)

[1]Amanualidade é um conceito de Álvaro Vieira Pinto, onde a realidade se torna disponível ao manuseá-la diretamente. Realidade é um processo, e está por natureza em constante mudança. Seres humanos estão embutidos na realidade, moldando-a e sendo moldados por ela (GONZATTO; AMSTEL; MERKLE e HARTMANN, 2013).

[2]Protótipos Diegéticos é um termo cunhado por David A. Kirby, que o define como representações cinematográficas de tecnologias futuras, que possuem vantagem inclusive sobre protótipos “reais” pois são objetos reais na realidade da narrativa, com suas particularidades, limites e coerências determinadas pelo autor (diegese), fazendo sentido dentro da mesma e estendendo a análise da utilidade desses protótipos virtuais, podendo até influenciar o desenvolvimento tecnológico no mundo real (KIRBY, 2010).

Referencial Bibliográfico

AMSTEL, F. V. 2015. Afinal, o que é ficção projetual? Disponível em: <http://www.usabilidoido.com.br/afinal_o_que_e_ficcao_projetual.html> Acesso em 14 de out. 2017.

AMSTEL F. M. C.; GONZATTO F. R.; HARTMANN T. & MERKLE L. E. 2013. The ideology of the future in design fictions. Disponível em: <http://www.usabilidoido.com.br/_the_ideology_of_the_future_in_design_fictions.html> Acesso em: 13 mar. de 2018.

BLEECKER, J. (2009). Design Fiction: A Short Essay on Design, Science, Fact and Fiction. Disponível em: <http://drbfw5wfjlxon.cloudfront.net/writing/DesignFiction_WebEdition.pdf> Acesso em: 2 nov. de 2017.

DUNNE, A. & RABY, F. Speculative everything : design, fiction, and social dreaming. The MIT press, 2013.

KIRBY. D. A. 2010. The Future Is Now: Diegetic Prototypes and the Role of Popular Films in Generating Real-World Technological Development. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/249721702_The_Future_Is_Now_Diegetic_Prototypes_and_the_Role_of_Popular_Films_in_Generating_Real-World_Technological_Development> Acesso em: 13 mar. de 2018.

Veja também:

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