A acumulação primitiva de capital

Educação e Bem Viver
4 min readMay 25, 2019

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Joseph Campbell e Tonia Van Acker falam em Deusas: Os mistérios do divino feminino sobre como na antiguidade tínhamos deusas femininas, antes de deus se tornar um elemento unitário e masculino. Discorrem sobre o que significa o divino feminino: seus símbolos e simbologias, o que eles dizem sobre suas sociedades.

Venus de Willendorf, 28–25k a.C.

Estamos falando de povos da chamada pré-história (critiquemos inclusive esse nome), que viviam em bancos, praticavam caça, pesca e coleta, em alguns momentos a agricultura. Povos estes que deixaram diversos rastros de seu modo de viver, de seu encantamento no mundo.

A mudança, a transformação, a passagem, a não perenidade: tudo que remete à natureza era divino. A fertilidade e a abundância também. Não estamos falando da paz mundial, mas de uma organização de povos tribal, coletiva, em torno da natureza (e que, claro, envolvia conflitos diversos).

De acordo com a história europeia tradicionalmente contada nas escolas, essa vivência tribal tem como momento importante de mudança a Grécia Antiga. Com ela, aparecem os primeiros indícios da racionalização do mundo: as cidades Estado, os exércitos, as dinâmicas de poder. Surge um tipo de separação social entre nobres e não-nobres.

fonte desconhecida

Avancemos para a Idade Média e tudo mudou mas tudo continua o mesmo. Temos reis, cidades, nobreza, castelos, agricultura desenvolvida, impostos. Mas também temos famílias que vivem há gerações na mesma terra, culto à natureza, subsistência da maioria.

Tudo muda vez de mesmo alguns séculos depois. O pecado original do capitalismo, de acordo com minha leitura de Marx e Engels, ocorre na Inglaterra do século XV. Para produzir e vender luxuosos tecidos (que eles conheceram de outros povos), ingleses poderosos criaram mecanismos para expulsar os camponeses da terra. Essas terras deixam de servir ao povo para se tornar pastagem para ovelhas.

Esses camponeses então perdem sua maneira de subsistir e tem que vender sua força de trabalho para viver. São despejados e começam a criar as cidades: aglomerações de muitas pessoas em pequenos pedaços de terra ao redor de um emprego.

Sem onde viver, sem o que comer, qualquer condição de trabalho é aceita. E sem os produtores da subsistência, surgem as indústrias da vida: de comida, de roupa. Tudo é otimizado para o lucro do dono das terras.

Photo by Jilbert Ebrahimi on Unsplash

No momento em que a terra se torna propriedade de alguém e não solo sobre o qual vivem os humanos, tudo muda. A subsistência é impossibilitada e o homem deixa de trabalhar conforme suas necessidades básicas para trabalhar pelo desespero.

O capitalismo surge com a separação do homem de sua terra. E, separado da terra, ele se separa da natureza em todas as suas dimensões.

O homem que não vive o tempo do sol não o vê como um deus. Se a fertilidade da terra não é o que te alimenta e no que você trabalha todos os dias, ela não é mais cultuada.

A Revolução Industrial (e tudo que a cerca) não é uma mudança apenas material, mas transforma toda a maneira como o homem se relaciona consigo mesmo, com o outro, com o seu entorno e com o sagrado. É uma mudança do simbólico.

Por que isso importa para mim:

Conhecer a relação do homem-da-terra com o divino, o processo de expropriação da terra, e a relação entre a divisão homem-terra e o capitalismo me permite perceber o aspecto simbólico da modernidade. Conhecer o momento em que o homem é separado da terra, o seu porque, o seu como e as suas consequências me mostram que a terra não foi sempre uma propriedade humana, e que na verdade faz pouco tempo que o homem deixou de ser da terra para que alguns se tornem seus donos.

Photo by Jeff Sheldon on Unsplash

(Esse texto, como uma reflexão do que eu penso e do que me estrutura, é um bololô que mistura Marx, Engles e Campbell, pelas minhas interpretações)

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Educação e Bem Viver

Educadora e mestre em educação. Ecossocialista e defensora do bem viver.