Círculo de Doutorandos Informais de São Paulo

Alex Bretas
Educação Fora da Caixa
7 min readOct 30, 2014

25 de outubro. “Meu dia começou ontem à noite…”.

O primeiro Círculo de Doutorandos Informais foi um presente inventado. Assim como minha querida amiga Elena resolveu um dia se presentear com aulas de mergulho – algo que há muito tempo já queria experimentar –, eu também resolvi me gostar. Faz mais ou menos uns dois meses, comecei a esboçar os primeiros contornos do CDI. Agora ele ganhou cores, aos poucos vai ganhando volume, e aposto que em breve até eco ele vai ganhar.

Começamos a manhã com um jogo que fez todos matarem as saudades de quem nunca haviam conhecido. Em seguida, inauguramos o Círculo dizendo como cada um estava chegando e quais expectativas trazia consigo.

Agenda do CDI.

O primeiro movimento envolveu uma com-história-lização do doutorado informal por meio do relato da minha experiência com o Educação Fora da Caixa. Desde as primeiras curiosidades, a inquietação no final de 2013, até a campanha de financiamento coletivo do projeto e o início do percurso.

Na sequência, era a hora de todos poderem rememorar suas histórias. Propusemos aos participantes que eles fizessem compartilhamentos de biografias ou, melhor dizendo, de histórias pessoais relacionadas ao aprender. “Quais os meus ‘causos’ que tem a ver com a escola, a universidade, e mesmo com experiências informais de aprendizagem?”.

“A biografia de cada um de nós é tão singular que cada ser humano poderia ser considerado uma espécie única”. Essa pérola, atribuída a Rudolf Steiner, forneceu a base para os resgates biográficos que fizemos. Os participantes puderam vivenciar duas situações: (re)contar suas memórias relacionadas à biografia do seu aprender; e ouvir as histórias de outras pessoas. Em cada compartilhamento, abria-se um baú do tesouro e todas as joias que ele guardava subitamente brilhavam na frente de quem escutava as experiências. Quem ouvia teve a oportunidade de, por um lado, apreciar toda aquela beleza; por outro, também de se responsabilizar por cuidar das joias daquele baú.

“Me senti cavando”. Para encontrarmos os tesouros da nossa biografia, é preciso esforço. Alguns participantes se sentiram desafiados, seja pelo tempo (queriam mais), seja pelo exercitar da atenção que a escuta nos solicita. Teve gente que ficou com vontade de escrever suas histórias, e teve quem conseguiu abrir mais espaço interno para abrigar outras questões ao compartilhar suas experiências. Teve quem se sentiu ressignificando suas histórias e quem ficou apaixonado pelas dos outros. Ouvimos até pessoas que ficaram surpresas com como elas mesmas contavam e percebiam suas experiências. Fichas caíram.

Duas nuances acompanharam o compartilhamento biográfico: desconforto e potência. Não é coincidência que, nos processos de aprendizagem, ambas emerjam com bastante força e sejam necessárias. Quando esse insight foi dito no Círculo, lembrei-me da reflexão da Thai, que está fazendo seu doutorado informal rodando o Brasil de bicicleta, e dos dois filhos que ela gosta de ter, o Ego e o Ser.

Após um almoço que inspirou conexões poderosas, partimos para a sobremesa que durou a tarde toda: o apoio coletivo a ideias e projetos de doutorado informal. Todos tiveram a oportunidade de colocar no Círculo a sua ideia, mas precisávamos escolher quatro para serem desenvolvidas com a ajuda da inteligência coletiva. O próprio grupo generosamente escolheu seus quatro doutorandos, que traziam consigo algumas sementes:

“Fotografia é um trabalho que quase nunca é utilizado com crianças. Meu doutorado informal tem como objetivo um projeto que leva até crianças de escolas públicas a oportunidade de conhecerem melhor o mundo da fotografia. A finalidade do projeto Desenho de Luz é descobrir o olhar que essas crianças têm sobre seu mundo, usando como estímulos a música, os desenhos e outras atividades educativas. Tornar a fotografia mais uma ferramenta de expressão para os pequenos”;

  • Práticas para uma vida mais sustentável para pessoas e organizaçõesErica

“Meu doutorado informal se configurou neste CDI como uma série de estudos voltados para ações em diferentes áreas com foco na redução de impactos negativos no meio ambiente e na sociedade. Muitos projetos surgirão dessa ideia”;

  • Ajudando escolas a repensar o desenvolvimento profissional e pessoal de seus professoresMarcelo

“Minha proposta de doutorado informal neste CDI resultou no embrião de um projeto que auxilia escolas a transformar o modo pelo qual seus professores reavaliam suas práticas e se desenvolvem pessoal e profissionalmente. De acordo com o projeto político-pedagógico de cada escola e seus recursos disponíveis, pensamos em modelos de melhoria contínua das práticas individuais de cada professor, fazendo uso de modelos de coaching e espaços de compartilhamento coletivo”;

  • Projeto Dani: menos é maisDanielle

“O projeto ainda não tem nome, mas sua essência consiste em unir as minhas experiências e conceitos enquanto educadora com o meu mais novo e delicioso desafio: o de ser mãe. A ideia é compartilhar vivências do mundo da educação, mescladas, integradas e repaginadas com o mundo da maternidade. Promover encontros presenciais e discussões num blog para fortalecer experiências a partir de novos olhares para a infância e para o educar”.

Outras quatro ideias não foram escolhidas para serem desenvolvidas no Círculo, mas também ganharam força por meio do reforço da musculatura de escuta e empatia de seus criadores:

- Estamparia Carol

- Quem Entende o Brasil? Diego

- De Onde Veio e Para Onde Vai a Minha Identidade Maternal?Luísa

- Economia Star Trek Ganha Força – o repensar da economia com foco no ser humano integralGlauco

Na medida em que as ideias de doutorado informal eram cuidadas, também se apoiava as pessoas. “E o que te falta então para começar?”, dizia-se em uma das mesas. Provocar, fazer faíscas também é cuidar. Ao conversarmos sobre o que aconteceu no processo, os doutorandos pareciam incendiados. “Nunca tínhamos conversado desse jeito”. “Eu ainda tô… não sei… Cheguei aqui e minha ideia ficou gigantesca!”.

Para sustentar as conversas, a abordagem do Pro Action Café foi customizada para abrigar a perspectiva de processos de aprendizagem autônomos. Além dos doutorandos e de seus mentores, também havia a figura dos cuidadores, que circulavam nas mesas de uma rodada para outra.

“Ter um mentor fez toda a diferença, ele te equilibra”. O mentor, no caso das conversas do CDI, tem o papel de servir e apoiar o doutorando ajudando-o a se escutar, conectando insights e fazendo perguntas. Ele é o personagem que encarna a empatia, e talvez um dos que mais aprenda em todo o processo.

“Foi muito enriquecedor todo mundo ter participado”. O CDI opera conjugando os processos individuais – as ideias de doutorado informal – e a potência do grupo, fazendo emergir um campo solidário de escuta compartilhada. “É um dançar: o projeto cresce e a pessoa vai e cresce junto!”. E, nessa dança, fica mais fácil para cada um dar o próximo passo.

O Sergio, um dos participantes do CDI, apontou duas “gramáticas” que se destacaram no encontro: a dimensão de coaching ou mentoria, que esteve presente não apenas no papel dos mentores, como também permeou todo o processo por meio da escuta e do questionamento construtivo; e o empreendedorismo, que se traduziu nos temas de alguns projetos que surgiram e na própria postura punk rock em que se baseia a ideia do doutorado informal. Inventar caminhos e fazer acontecer.

Nesse processo, houve uma busca pela autenticidade, um mover-se pelas águas da vida em direção àquilo que nos torna únicos, singulares. “Eu acho que eu consigo juntar todas as minhas referências para fazer o que eu estou buscando”. “[Quero] criar uma identidade assim, bem minha, sabe?”. A experiência do Círculo foi como ter pintado cada doutorando, mentor e cuidador com a sua cor preferida. Saímos todos reluzentes. E, brilhando, sentimo-nos plenamente capazes e abundantes. “O empoderamento foi o que ficou mais forte. E não por causa de um discurso ou filosofia, e sim por meio de uma experiência concreta”.

Pra mim, o CDI veio ao mundo como um grande transbordamento de empatia. Conhecendo melhor a alma do encontro, ficam visíveis também algumas oportunidades de melhoria do processo que pretendo testar no próximo Círculo, pré-agendado para o primeiro semestre do ano que vem em Belo Horizonte. Mesmo assim, nada impede que façamos outros CDIs antes disso, basta criarmos as oportunidades!

Agradeço muito à Paula Manzotti, que facilitou o Círculo junto comigo, e ao Espaço Pampédia, na figura do Glauco Nepomoceno, que tão bem nos recebeu e acolheu.

Às vezes vivemos dias grandes, de mais de um dia. O primeiro CDI foi desses.

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Alex Bretas
Educação Fora da Caixa

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.