23 aprendizados de um doutorando informal

Alex Bretas
Educação Fora da Caixa
9 min readMay 20, 2015

Para conhecer mais sobre o doutorado informal, clique aqui.

Desde o final de 2013, iniciei uma jornada de aprendizagem autônoma que batizei, por inspiração de um querido amigo, de doutorado informal. Venho a partir de então colecionando aprendizados desse processo. Compartilho alguns deles abaixo :)

1 Comprometer-se publicamente

Quando comecei a campanha de financiamento coletivo da Educação Fora da Caixa, não tinha nem ideia de como o fato de ter me comprometido publicamente afetaria o meu próprio comprometimento em relação ao projeto.

É simplesmente outra coisa, quando você sabe que se não entregar o que prometeu com qualidade, é a sua imagem pessoal que está em jogo. Comprometer-se publicamente, especialmente quando há grana envolvida, é transformador.

2 Criar e sustentar rotinas

Ao juntar o comprometimento público a uma rotina que faz sentido pra você, a dedicação tende a se ampliar ainda mais. É o que eu tenho observado desde que lancei o Unlock — financiamento coletivo recorrente — do Kit Educação Fora da Caixa.

Escrever sobre ferramentas de aprendizagem era algo que eu já havia planejado fazer. Com o Kit, a ideia é ir compartilhando cada pequena entrega com quem estiver interessado. Todo o conteúdo é totalmente aberto, mas abri a possibilidade de as pessoas me apoiarem financeiramente se acharem justo. É uma forma de criar sustentação para o que quero realizar.

Minha rotina era escrever três vezes por semana para o Kit. Eu a cumpria religiosamente porque precisava cumprir, e porque fazia sentido cumprir — não porque me foi imposto.

3 Compartilhar valor desde o início

Eu demorei pra entender isso. No início do meu envolvimento com educação, formatei um projeto acadêmico cheio de pompa, e fiquei uns dois meses para finalizá-lo. Um problema de “cozinhar” muito uma entrega é que há menos espaço para interações e melhorias no meio do caminho. Você se enclausura, olha pouco para os lados.

Outro problema é que as pessoas que querem acompanhar seu trabalho desde o início não têm essa chance. Compartilhar a trajetória é tão importante quanto entregar o resultado. As pessoas querem saber os detalhes a respeito de “como” você fez, porque muitas vão se identificar com as dificuldades que você teve. Isso é inspirador.

4 Não fazer coisas de graça (e evitar fixar preços)

Se você faz algo gratuito, fecha a porta para as pessoas que gostariam de contribuir com o seu trabalho. Se você fixa um preço, cria uma barreira que impede várias pessoas de desfrutarem do seu trabalho. Talvez alguns até possam e queiram pagar mais do que o preço que você instituiu.

Existe um meio do caminho entre gratuidade e preços fixos: chama-se contribuição espontânea (ou Pay What You Want).

Veja mais sobre isso aqui.

5 Não entrar em embate com quem pensa diferente

Em toda esta história do doutorado informal, se fôssemos debater com cada pessoa que nos critica, não teríamos tempo para mergulhar nos nossos próprios processos de aprendizado.

Ao invés disso, pode ser interessante adotar uma postura dialógica: acolher o ponto de vista do outro — não retrucar — , escutar para compreender, fazer perguntas, explorar o que ele tem a dizer. Assim, você o desarma (e se desarma junto). Em seguida, ele provavelmente também vai querer saber o que você pensa.

Assista a um ótimo vídeo sobre o diálogo aqui.

6 Abrir caminho para a serendipidade

A serendipidade é aquela descoberta que você faz “por acaso”, sem estar procurando (conscientemente). É uma das grandes mágicas do processo de aprendizagem. Por mais que a sorte exista, a serendipidade requer algumas condições para ocorrer:

  • Tempo para “desperdiçar”;
  • Espaço interno (se o foco é demais, esqueça) para acolher o que não estava no script;
  • Atenção plena para fazer as conexões entre aquilo que emerge e o que lhe interessa.

Um texto muito bom sobre serendipidade pode ser encontrado aqui.

7 Usar e abusar do poder da sua rede

Quem conhecemos são como extensões de nós mesmos: é possível guardar conhecimento nos nossos amigos, acessar recursos complementares e ajudar (e aprender com) outras pessoas quando se está atento ao poder da rede.

As mídias sociais ampliaram muito o acesso às nossas redes de contatos. No entanto, mesmo antes delas, o e-mail, as cartas, os cafés e os pubs já cumpriam a função de conectar as pessoas.

8 Ter um olho na mudança, outro no propósito

Mudanças de escopo vão ocorrer em qualquer processo de criação/aprendizado. Certa vez, precisei dizer aos apoiadores da Educação Fora da Caixa que faria alterações no conteúdo do livro. Havia se passado mais de um ano desde o planejamento inicial que fiz para o projeto, então, vi aquela mudança como natural. Mesmo assim, tive medo das reações das pessoas.

No entanto, o propósito permanecia intacto. Se ele muda o tempo todo, ficamos confusos: o propósito é a essência do que fazemos, nosso “para quê” mais profundo.

9 Ir em busca de novas experiências

Mergulhar em experiências às quais não estamos acostumados é uma ótima forma de criar um ambiente propício à aprendizagem. Ao se ver numa situação nova, reduzir bloqueios e atuar em consonância com as imprevisibilidades torna-se fundamental.

Novas experiências recriam percepções. Literalmente nos tiram da caixa.

Adoro a frase de John Lê Carré: “uma mesa de escritório é um lugar perigoso de onde se ver o mundo”.

10 Livrar-se do fantasma da validação

A validação do conhecimento que ocorre hoje é uma espécie de terceirização: criamos intermediários para julgar o saber válido e o não válido, e nos esquecemos de que “a eficácia é a medida da verdade”, como nos ensina a sabedoria ancestral havaiana.

“A eficácia é a medida da verdade” significa que um conhecimento que se prova útil numa situação prática é sim válido, para quem usufrui dele. Ponto. Trata-se de uma forma de avaliação baseada na confiança.

Nada contra quem luta pelos títulos acadêmicos, mas eu decidi contornar a montanha.

Veja um texto bem legal sobre validação do conhecimento aqui.

11 Aceitar que você não precisa ser colaborativo o tempo todo

Foi um dos meus maiores aprendizados no início. Tendo amigos super engajados e conectados, podemos acabar ficando paranóicos, achando que toda ação precisa ser feita de forma coletiva. Não é verdade.

Para que um processo em grupo corra bem, é preciso que todos estejam em níveis próximos de engajamento. Se a sua jornada nasceu individual, não se preocupe com isso, o caminho vai revelar potenciais parceiros. Além disso, você sempre pode contar com o poder da sua rede.

Compartilhar seu sonho com os outros continua sendo válido. O Dragon Dreaming nos ensina muito sobre isso. No entanto, é preciso cuidado para não travar achando que tudo precisa ser feito junto.

12 Agradecer, ajudar e tomar cafés

É um jeito prático de ativar e se beneficiar do poder da sua rede. Leia aqui o texto que escrevi a respeito.

13 Reconhecer o valor dos momentos de “desligamento”

Já tive insights preciosos lavando a louça! Assim como já refleti sobre coisas importantes caminhando, lendo, cantando, viajando… O pulo do gato é perceber que, para além do fato de que momentos de desligamento podem nos levar a aprender, eles têm um valor intrínseco. São leves, gostosos e importantes.

Às vezes, por eu amar tanto o que faço, é difícil parar de trabalhar. (é verdade!) Por isso, tenho buscado reconhecer cada vez mais o valor das pausas, dos descansos e do lazer.

14 Buscar a coerência

No campo da educação alternativa, fala-se muito em autonomia — talvez pelo fato de Paulo Freire ter popularizado o termo. No início da Educação Fora da Caixa, essa ideia da autonomia me encantou. Hoje, devo dizer a você: autonomia é um exercício diário e sofrido!

Tenho tentado exercitar a coerência entre o que digo e o que faço. No meu percurso, deixou de fazer sentido buscar a segurança das instituições formais se o preço que elas cobram é o tolhimento de nossa autonomia.

15 “Recortar” o processo em pequenas entregas

Qual é o pequeníssimo passo que você pode dar em direção ao que você deseja aprender? Toda vez que decidi “recortar” o trabalho dividindo-o em pedaços menores, consegui avançar.

Isso nos permite compartilhar mais valor com quem nos acompanha, por um lado, e também nos ajuda a não nos desesperarmos pensando num único passo grande demais, por outro. O risco de não recortar o processo em pequenas entregas é deixar a ansiedade te paralisar.

16 Entrar em contato com sua história de vida

Cada biografia é única, não há nenhuma história de vida igual a outra. Quando iniciamos um percurso de aprendizagem, todas as nossas experiências passadas vêm junto no pacote, invariavelmente.

Investigando a minha biografia, encontrei sentidos profundos para as minhas duas atividades principais hoje: facilitar processos e pesquisa-agir na educação.

Conto um pouco mais a respeito das minhas descobertas aqui.

17 Enxergar sua curiosidade como guia

A sensação de estar curioso é como uma bússola: ela aponta para onde deveríamos reforçar nossa atenção. Não haveria Educação Fora da Caixa hoje se eu não tivesse me permitido seguir a minha curiosidade.

Infelizmente, nas pressões do dia-a-dia não é comum encontrarmos tempo e disposição para mergulharmos em nossas curiosidades. Contudo, é possível ir criando esse espaço.

18 Celebrar as conquistas

Celebrar nossas vitórias é um passo comumente negligenciado, mas que cria as condições para que o ciclo de criação se reinicie. Quando a campanha de financiamento coletivo da Educação Fora da Caixa encerrou com sucesso, não pensei duas vezes: dei um jeito de me presentear indo ao karaokê com meus amigos — sim, eu adoro karaokê!

Mesmo nas pequenas entregas, pergunte-se: como seria possível celebrar esse sentimento de dever cumprido? Que presente você poderia se dar?

19 Reconhecer seus parceiros de jornada

À medida que meu percurso no projeto foi começando a amadurecer, algumas pessoas importantes foram se aproximando. Com outras eu tentei iniciar ou fortalecer o contato, mas não toparam. Não era a hora.

Reconhecer o interesse de quem te rodeia em relação ao seu processo é essencial. Algumas dessas pessoas podem se tornar verdadeiros parceiros de jornada. Além disso, você ganha amigos — algo que tem valor por si só.

20 Ter mentores e referências

O André Gravatá — quem primeiro criou o nome “doutorado informal” — começou seu percurso convidando alguns mentores para acompanhar seu caminho de perto. No percurso da Educação Fora da Caixa, considero hoje que tenho dois mentores muito especiais: a Juanita Brown, criadora do World Café, e o Arnaldo Bassoli, da Escola de Diálogo.

São pessoas que admiro muito e que já trilharam um caminho parecido com o que quero percorrer. Buscar mentores é tão simples quanto identificar pessoas que você tem como referência e convidá-las para participar do seu processo de aprendizado. Às vezes nem é necessário um convite expresso, mas oficializá-lo pode contribuir para que o vínculo se torne ainda mais forte.

21 Perceber quando o bloqueio interno acontece

O bloqueio interno é quando não nos permitimos criar. A ideia não sai, geralmente porque nos negamos o direito de errar. Na escrita, isso acontece o tempo todo.

Perceber a si mesmo nos momentos de bloqueio pode ser o primeiro passo para revertê-los. Não se culpe: simplesmente observe as reações do seu corpo no momento em que o bloqueio ocorre. Respire fundo algumas vezes e silencie o auto julgamento.

Tudo o que precisamos às vezes é de permissão para errar. Quando fortalecemos isso dentro de nós, acabamos acertando.

22 Aprender o valor das metáforas

As metáforas são uma forma de comunicação que permite criar atalhos de sentido. A compreensão do que dizemos costuma ocorrer mais facilmente se utilizamos uma metáfora que se conecta com algo familiar para as pessoas. Usar boas metáforas é muito importante quando estamos falando de mobilização de redes.

Vejo o doutorado informal, por exemplo, como uma metáfora do doutorado tradicional. Ele “pega emprestado” alguns dos elementos do doutorado acadêmico, mas os coloca numa outra perspectiva. As características de aprofundamento e inovação do doutorado tradicional são transpostas para uma abordagem informal e desinstitucionalizada.

Isso cria um atalho entre o sentido novo que queremos comunicar e aquele que as pessoas já internalizaram.

23 Enxergar a aprendizagem de forma integral

Quando iniciei meu doutorado informal, estava interessado em seus aspectos mais cognitivos. Contudo, fui percebendo que um processo aprendizagem genuíno é capaz de integrar todos os campos da vida. É pessoal, profissional, afetivo, existencial, tudo junto e misturado.

Uma das formas de perceber a aprendizagem de forma integrada é a tríade cabeça, coração e mãos. Seus pensamentos conectam-se com o que você sente? Suas ações estão harmonizadas com suas crenças e sentimentos?

Aprender integralmente é um caminho para se tornar mais sábio. E a sabedoria, pra mim, deve ser o propósito de todo doutorado informal.

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E você, o que tem aprendido no seu processo? Escreve uma nota aqui no Medium (é só passar o mouse em qualquer parágrafo e clicar no sinal de +) ou me encontra no e-mail alexbretas11@gmail.com.

Toda semana escrevo sobre três ferramentas de aprendizagem inovadoras. Veja todas elas aqui e agora ;)

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Alex Bretas
Educação Fora da Caixa

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.