Ressignificações: como o ABC do Glória tem mudado a vida de crianças e adolescentes

Edu Comunica
3 min readAug 1, 2017

Por: Ana Carolina Santos, Beatriz Ortiz, Clarice Bertoni, Gabriel Caixeta, Jhonathan Dias, Luiz Gustavo Ribeiro, Monallysa Leite e Roberto Vicente

Com o nome formal de bairro Élisson Pietro, o assentamento Glória ocupa parte da zona sudeste de Uberlândia desde 2011. Decorrente do despejo de outra ocupação urbana na cidade, o movimento — que começou com 50 famílias — conta hoje com 65 hectares, 15 mil moradores, o desígnio de maior ocupação urbana do Brasil e um histórico jurídico social de luta por direitos básicos.
Pertencente originalmente à Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a posse da terra enfrentou diversos impasses jurídicos durante os anos. Ainda hoje, lutas constantes são travadas: se no artigo primeiro da Constituição da República são garantidos como fundamentos do Estado Democrático de Direito a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, tais resoluções não são tão garantidas no assentamento Glória. Educação, moradia, saúde e saneamento básico são realidades distantes e dificultadas por obstáculos.
Foi com a intenção de transformar essa realidade que passou a atuar no Glória, desde 2015, o Centro de Voluntariado Universitário (CVU). De caráter não-religioso e não-político, a associação sem fins lucrativos teve sua fundação também em 2011 e atua hoje por meio de oito núcleos, espalhados pelo Brasil. É o núcleo de Uberlândia que promove assistência social no Glória.
A ideia surgiu com duas estudantes da UFU e a cuidadora da capela do Glória. Buscando um projeto social que estimulasse o ensino e conhecimento das crianças, Amanda, Cissa e Dona Teresinha implantaram na antiga capela, com o apoio do CVU, o projeto conhecido como ABC do Glória. Projeto esse que, com o apoio de voluntários e campanhas de arrecadação, consolidou-se, ganhando forma, força e voz.
Hoje, já com dois anos de história, o ABC do Glória conta com cerca de 35 estudantes e atua de acordo com os ensinamentos perpassados pelo teórico Paulo Freire em sua vida: amenizando as dificuldades trazidas pela carência de ensino de qualidade, afeto e conhecimento; o espaço investe não só em conteúdos básicos da educação formal — como Português, Matemática, História e Geografia –, mas também em atividades lúdicas, exercícios
e jogos que estimulem nas crianças e adolescentes o desenvolvimento da humanização. É a vida ganhando novas formas.
No mês de julho de 2017, oito estudantes do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia voltaram ao Glória para realizar o projeto MOVGlória. Neste, conjuntamente com o CVU, os alunos de jornalismo cederam oficinas de fotografia e reportagem às crianças do ABC do Glória, incentivando o gosto jornalístico de ler, pesquisar, escrever e entrevistar.
Conhecendo a história das crianças, o que se percebe é o seu crescente gosto pelo conhecimento. Ansiosas por voltar ao ABC sempre que podem, elas têm autonomia para buscar pelos livros e ensinamentos que lhes agradam, participar das atividades lúdicas e, em especial, conversar com seus professores — os voluntários do Centro de Voluntariado Universitário — de igual para igual. Afinal, a troca de conhecimento é constante entre os envolvidos. Não existe professor e aluno: existem pessoas que se respeitam e perpassam conhecimento umas às outras, sem relações de poder e autoridade.
O espaço cedido ao ABC do Glória é repleto de energia, carinho e partilha. Os voluntários gostam e vêem sentido no que fazem; as crianças, o mesmo. Juntos, eles trabalham com a organização do espaço, a formalização das regras e a construção de um espaço público de conhecimento — espaço esse, teoricamente, cedido pelo Estado Democrático de Direito. Trata-se, também, de abrir caminhos e possibilidades às crianças, mostrando a elas novas alternativas de futuro que fogem ao ciclo rítmico vigente.
O processo que ocorre no ABC é semelhante à ressignificação proposta por Carlos Moraes em seu livro A Praça. Se, neste, Moraes fala sobre mudança ocorrente numa praça após a passagem de cinco adolescentes que a ressignificaram; se, na vida real, a Praça da Vila Madalena, em São Paulo, é fruto de um trabalho coletivo de moradores que atuam, há mais de 20 anos, na proteção e manutenção desse bem público; é também disso que o ABC do Glória trata: ressignificação, mudança, manutenção, incentivo, amor e educação.

--

--