Banda formada por tuaregues lançou disco em 2019 em que versa sobre o deserto

Tinariwen, banda de blues rock tuaregue | Foto: Divulgação

Você quase pode ouvir a brisa carregada de areia passando por entre os microfones enquanto a banda grava”, o jornalista Ammar Kalia definiu muito bem o último disco do grupo tuaregue Tinariwen. “Amadjar”, que pode ser traduzido como ‘viajante estrangeiro’, foi mesmo concebido no deserto marroquino e gravado na Mauritânia. É um disco de exílio.

De exílio pois o próprio nomadismo dos tuaregues não se assenta bem nas fronteiras dos Estados Nacionais, sobretudo no norte da África, onde o Imperialismo europeu talhou territórios como num jogo de damas. Mas também porque foi concebido no trânsito dos integrantes do grupo impedidos de voltar à sua terra natal, no Norte do Mali, devido aos conflitos do governo central com o Movimento Nacional de Libertação do Azauade.

Após o fim da turnê do álbum anterior, Elwan, de 2017, o grupo liderado por Ibrahim Ah Alhabib, resolveu vagar pelo deserto do Saara fazendo música em acampamentos. Em Nuaquexote, capital da Mauritânia, já em 2019, gravaram Amadjar ao ar livre. Por isso, a brisa carregada de areia do deserto pode ser sentida em cada faixa.

O disco abre com “Tenere Maloulat”, com ajuda do violino do músico da banda de Nick Cave, Warren Ellis. Quem nunca ouviu Tinariwen pode ali entrar em contato com o chamado blues do deserto. É praticamente das mãos de Ibrahim que a moderna configuração da música moderna tuaregue surgiu — uma fusão entre a tradicional música bérbere e o rock, fruto da audição de artistas como Jimi Hendrix, Santana, Bob Marley e, claro, Ali Farka Touré.

A primeira faixa pinta essa paisagem do deserto a ser atravessado, entre lamentos, na compasso que simula o andar dos camelos que singram o deserto do saara. “Eu não acredito em ninguém agora/ Me tornei o filho das gazelas, que cresceu nos meandros do deserto”, diz a letra em tamaxeque.

Deserto

O deserto, para o Tinariwen, é mais que uma metáfora. É um componente existencial e sensorial da música produzida por eles. ⵜⵏⵔⵓⵏ, como o nome da banda é escrito no alfabeto tifinague, quer dizer literalmente ‘desertos’. O bioma está na formação do grupo e na identidade do líder do grupo, Ibrahim Ah Alhabib.

Em Zawal, segunda faixa do disco, a guitarra distorcida se soma à percussão hipnótica bérbere, com a presença novamente de Ellis no violino, Seymali, no ardin (uma espécie de harpa tocada por mulheres da Mauritânia) e Chighaly, com sua guitarra elétrica distorcida cheia de acidez.

“Na hora da oração/ Na hora da oração/ Uma tempestade aterrorizante trovejou no norte e avançou como uma nuvem de fumaça (…)/ Vi o sol ardente, as faíscas saindo de suas entranhas/ As pessoas se dispersando, incapazes de acreditar em seus próprios olhos/ Pareciam os que temem os caçadores / Eles estão passando por tempos terríveis e acreditam que o último julgamento está próximo”, canta Ibrahim a evocar um apocalipse pós-colonial.

Formada em 1979 durante exílio de Ibrahim na Nigéria, a banda apareceu em campos militares montados pelo coronel Muammar Ghadaffi, que intentava ensinar os tamaxeques a lutar. A música se tornou uma espécie de chamado rebelde entre eles. No entanto, a questão nacional vai e volta nos embates com as comunidades sedentárias e os Estados Nacionais do território que vagam os tuaregues.

Desde então, Tinariwen segue como um coletivo, que arregimenta músicos por onde passa e não repete a formação para as turnês internacionais, que se tornaram mais comuns após o Festival au Désert, de 2001, no Mali, quando apareceu para o mundo ocidental. Nesta última formação, além de Ibrahim, participam Alhassane Ag Touhami, na guitarra e vocais; Abdallah Ag Alhousseyni, violão, guitarra e vocais; Eyadou Ag Leche, baixo, violão, calabash, vocais e backing vocais; Said Ag Ayad, percussão, backing vocais e Elaga Ag Hamid, na guitarra e nos backing vocals.

“Nosso futuro e nossa esperança são um retorno armado à nossa pátria/ Por esse motivo, nossos inimigos são como esquecimento/ Oh terra dos homens, minha alma foi capturada por sua beleza com apenas um olhar/ Sua areia dourada brilha à luz da lua”, canta a letra de Amalouna com sopro de esperança para um futuro em que a volta para o norte do Mali seja livre.

O disco foi lançado em 2019, pelo selo Anti/Epitah, e conta com 13 faixas.

*texto originalmente publicado em 2 de fevereiro de 2020

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