O dilema da economia criadora da Epic Games e seu efeito cascata para todo o entretenimento

O que acontece quando as criações dos usuários se tornam mais populares do que o conteúdo principal do qual se originam?

Eduardo Mendes
4 min readOct 10, 2023

Em meio a onda de demissões, a Epic Games anunciou que planeja oferecer preços especiais do Unreal Engine para desenvolvedores fora do universo gamer. Depois de dispensar 16% da força de trabalho, o CEO Tim Sweeney quer levar seu motor de jogos para novos públicos com o objetivo de estancar a sangria financeira iniciada, segundo ele, nas últimas dez semanas.

A decisão é consequência imediata do que Sweeney chamou de “forte dependência da vaca leiteira do Fortnite”. Em carta aos funcionários, ele explicou que o jogo “subsidiou outras partes da empresa e que era hora de mudar.”

Os sintomas da crise e a mudança repentina da estratégia desmascaram uma intrigante questão bem maior do que problemas no caixa: O que acontece quando as criações dos usuários se tornam mais populares do que o conteúdo principal do qual se originam?

A pergunta feita pela insider Tatiana Cirisano expõe uma brecha no então modelo de negócio de sucesso da empresa, e que foi transparecida pelo próprio Sweeney. Aparentemente, os jogadores estão gastando mais tempo com o conteúdo do criador do que com o da Epic.

“Embora Fortnite esteja começando a crescer novamente, o aumento é impulsionado, principalmente, pelo conteúdo do criador com participação significativa nas receitas, e este é um negócio de margem menor”, escreveu o CEO.

O Fortnite é um jogo gratuito. A empresa obtém a maior parte de sua receita com vendas de skins e outros artefatos digitais. A Epic também permite que os jogadores criem seu próprio conteúdo, e compartilha receitas com esses criadores em uma variedade de programas.

No fim do primeiro semestre, foram registrados 240 milhões de usuários ativos do game. Em março, a Epic havia anunciado que 40% da receita líquida das compras no Fortnite seria distribuída entre seus creators.

A Naavik, uma empresa de pesquisa e consultoria do mercado de games, estimou que pelo menos 20 criadores estão ganhando valor superior a US$ 1 milhão/mês com as experiências do Modo Criativo.

Conforme lembrou Cirisano, a Epic foi uma das primeiras gigantes não sociais a dinamizar a sua proposta para capacitar os criadores. E caso ela esteja enfrentando um obstáculo financeiro tão cedo, é preciso ligar o sinal de alerta em toda indústria do entretenimento.

“Até o momento, a criação para o consumidor tem sido um aditivo para o setor de entretenimento, pois chama a atenção de volta para o conteúdo principal. Mas isso está se tornando competitivo rapidamente.”

O jovem médio de 20 a 24 anos gastou 4,8 horas por semana criando ou produzindo conteúdo durante o segundo trimestre de 2023, acima das 2,8 horas anuais, segundo informou Cirisano. Entre essa faixa etária, 14% usa níveis de assinatura de baixo custo de ferramentas pagas para gerar conteúdo para si e amigos.

“A vontade dos consumidores de aderirem a um modelo de pagar para criar é um nicho, mas pode crescer, dada a rapidez com que o tempo gasto na criação de conteúdos está a aumentar, especialmente entre os consumidores mais jovens”, disse a especialista.

É provável que o dilema da classe criadora do Fortnite assole a economia criativa das plataformas de conteúdos audiovisuais. Para Cirisano, inclusive, há uma favorita para herdar o reinado da Epic.

“A plataforma matadora, no entanto, combinará escuta e criação — e nenhuma empresa parece melhor preparada para construir essa realidade do que a ByteDance. Os usuários poderiam pagar para criar no TikTok e ouvir via TikTok Music, gastando mais tempo social, de criação e de música em propriedades da empresa. Com Fortnite , a Epic queria criar um ‘ecossistema inspirado no metaverso para criadores’. Talvez , a ByteDance seja quem pegará esse bastão.”

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Eduardo Mendes

Advisor for Culture and Innovation | Co-Founder na The Block Point | Web3 & New Technologies | Strategy, Research & Content | Sports | Entertainment | Media