O problema da redação do Enem não é o tema, é o formato

Eduardo Levy
3 min readOct 27, 2015

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O tema da redação do Enem é irrelevante. É o formato da prova, a despeito de qualquer tema, que é concebido para estupidificar os alunos e transformá-los em militantes chorões imbuídos da crença de que os problemas do mundo se resolverão todos assim que lhes for dado o poder.

Cinco competências de peso idêntico são avaliadas na redação. Quatro delas dizem respeito àquilo que se exigia dos alunos quando o objetivo da educação era alfabetizá-los: domínio da norma culta, adequação ao tema, consistência argumentativa, coerência e coesão. É notória a tibieza avaliativa do Enem nesses quesitos: os corretores têm ordem para relevar pequenos erros de gramática e coesão, de modo que não é incomum o mesmo aluno tirar 100% na redação do Enem e 40% na redação da Fuvest. É que tornar os alunos capazes de escrever como gente está longe de ser prioridade do MEC.

O diferencial da prova é a quinta competência, a “proposta de intervenção” (sic). Seu objetivo é forçar o aluno a brincar de demiurgo. Nela, meninos de 18, 17, às vezes 16 anos são forçados a propor soluções para o problema apresentado pelo tema. A capacidade de fazê-lo pesa tanto quanto a capacidade de argumentar ou escrever um texto coerente.

Não sei se me faço entender. O Enem pressupõe que existem certos problemas no mundo, como a fome ou a escassez de água, e que é possível solucioná-los desde que se tenha muito amor e consciência social. No momento em que escrevo, há alguns milhares, talvez milhões, de burocratas da ONU, políticos cretinos, ongueiros oportunistas, progressistas fingidos, bilionários hipócritas e o Fernando Haddad, que é mais do bem que todos eles, empenhados em resolver cada uma das mazelas que afligem a civilização. Embora pareça que não tem dado muito certo, já que os problemas permanecem, não há motivos para preocupação: segundo o Inep, a solução pode sair direto da próxima redação nota 10. O cidadão ideal do MEC é um ongueiro imbuído de fé demiúrgica, um burocrata da ONU, um projeto de Lula, um Napoleão de hospício.

Se quem faz a proposta é o aluno, quem será que faz a intervenção? É claro que é o governo. É mais fácil encontrar a expressão “o governo deve” em uma redação do Enem do que José Dirceu em um escândalo de corrupção. Embora o exame aconteça uma vez por ano, os alunos dedicados fazem várias redações por semana, sempre obrigados a formular um problema, propor soluções mágicas para resolvê-lo e conclamar o governo a intervir. Com alguns meses desse procedimento, o aluno, tenha consciência disso ou não, está convencido de que cabe a adolescentes progressistas propor soluções idiotas para os problemas da Terra e pressionar o governo no grito a que as aplique. Se alguns milhões de jovens recebem essa formação por vários anos, o que se tem são os eventos de junho e julho de 2013. O Estado que lhes convence de que são poderosos como reis e sábios como profetas é o mesmo Estado que os esmaga como formigas. No novo mundo dos manuais da ONU e das provas do MEC, o Estado, elevado à condição de deus único da nova religião da histeria, também enlouquece primeiro aqueles a quem quer destruir

Assim, o MEC fornece o pacote completo: ao modelo de cidadão corresponde o modelo de sociedade. A sociedade ideal do MEC é um Estado totalitário, controlado por burocratas progressistas, ao qual cabe a culpa por todos os problemas e a responsabilidade por todas as soluções, impondo-se por meio da força a multidões de crianças imaturas e mimadas de todas as idades, convencidas por este mesmo Estado de que lhes cabe o guiamento geral das nações.

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Eduardo Levy

Estamos afundados em tal abismo que a reafirmação do óbvio é o primeiro dever do homem inteligente. — Orwell