Rafael Lemos
5 min readOct 3, 2022

PELADA PARA MENORES

Sendo a única filha de um fanático por futebol, Regiane agora meteu na cabeça que quer montar um time. Seu pai sonhava voos mais altos, se orgulhava junto de seus amigos: “Ela será a melhor jogadora do mundo!”
Se já é difícil um menino obter sucesso nessa tão concorrida carreira, que dirá uma menina. A morena mirrada, tentou, e dos 4 aos 15 se dedicou ao esporte. Numa dura jornada entre os treinos, peneiras e estudos, seu joelho cedeu. Agora com 24, formada em educação física, ela quer ao menos continuar atuando no meio.
Reuniu a criançada da comunidade, um time infantil composto pela nata dos meninos e meninas mais perebas do bairro. Sim, é um time misto e para entrar nessa equipe é só querer. Foram 19 inscritos, ela realizou testes e fez perguntas aos pais das crianças, mas de qualquer forma, todos seriam aprovados. O pai do Ronei jogou nas categorias de base do Bangu, mas não seguiu carreira. Os filhos sempre pagam pelas frustrações dos pais, e agora o garoto tenta seguir seus passos. O velho se mostrou contrário as ideias de Regi de misturar meninos e meninas. Ronei tem sete anos, seu nome é uma homenagem ao aposentado craque do Manchester United: Wayne Rooney. Regiane sabe convencer as pessoas, e ao fim do primeiro dia, após uma longa reunião com os pais das crianças, tudo se acertou. Disse que em alguns meses seriam a melhor equipe da cidade. Que lorota, ninguém acredita nisso.
O que se via naquelas crianças com idades de 7 a 12 anos era um time fraco, formado por filhos de peões que ocupavam os mais diversos ofícios na pequena cidade. Ao lado do estádio do time que está na terceira divisão, há um campinho. É lá que agora o mini time treina, o público deles é maior do que o do time profissional de adultos. O estádio é modesto e nunca excedeu sua capacidade de 5 mil torcedores. A torcida é tão pequena que todos se conhecem, são como uma família. Se por um golpe do destino comemorassem um título, certamente se daria uma festa com os jogadores, torcedores e familiares. Não lotariam uma casa grande, ainda que estivessem todos reunidos.
O time de crianças conta a ajuda financeira dos pais, além dos 19 jogadores, possui uma técnica que ao mesmo tempo é dona do time, nada mais. Massagistas, roupeiros ou qualquer outra função é despesa desnecessária. O time se vira com o que tem. Afinal, se nem o time de adultos tem essas regalias, por que eles teriam?
Os novatos jogadores mal sabem chutar uma bola. Todos possuem menos de 30 dias de experiência com a pelota. Nem sonhavam com essa vida futebolística e agora jogam por amor à camisa. Camisa branca com listras pretas, ou seria o contrário? Não possuem um escudo e um nome, mas já foram apelidados de Zebrinhas.
Regiane já entra em campo derrotada seja qual for a situação. Muitas pessoas podem achar isso negativo, mas ela vê por outro lado.
— Ver o lado negativo é ver o lado positivo! — costuma dizer aos pequenos na preleção de cada jogo. Os remelentos não fazem a mínima ideia sobre o que ela está dizendo.
Ela crê que mesmo quando tudo dá errado, ainda está tudo bem, pois já esperava por isso. Os tiques herdados do pai quando assiste a uma partida de futebol não escondem seu nervosismo. Bate os dedos na perna quando o time ataca, fecha os punhos quando se defende. Esmurra o primeiro material sólido que vê quando toma um gol ou perde um jogo. E perdeu muitos nas primeiras vezes. Quando vence, fica feliz e motivada até a próxima partida. E só venceu a primeira, após cinco meses. Sempre veste a mesma camisa, uma preta e branca com o número zero nas costas.
O futebol é a coisa menos importante das mais importantes ou a mais importante das menos importantes. Não lê Nelson Rodrigues, assiste ao menos um jogo por dia e desprezava mesas redondas. Esses apresentadores só cagam regra, tanto quanto esses escritores. Viu na TV que no Vaticano é realizado um campeonato de futebol com times que representam os estabelecimentos da cidade. Achou por bem anotar para dizer isso na próxima palestra antes do jogo do final de semana. Os Zebrinhas vão jogar contra os Leões. Serão presas fáceis. Nessas conversas que tem com o time, conta histórias sobre o esporte e dá conselhos nada motivacionais.

“O importante é competir!”
“Vencer ou perder, não importa!”
“Sempre haverá um derrotado!”

Ao final de cada jogo, entrega um dever de casa para cada jogador. As crianças só treinam por duas horas, três vezes durante a semana.
Deu um dever de casa para o Dilsinho, o pior jogador do time.
— Assista todos esses filmes e vídeos sobre as regras do futebol e não veja nenhum jogo de basquete!
Dilsinho ainda não entendeu como o esporte funciona. Acostumado a jogar basquete, o moleque pensa que as faltas no futebol funcionam do mesmo jeito. Na zaga, ele fica parado esperando o atacante esbarrar com ele. Pensa que será falta a seu favor e caso ele se mexa, quem cometerá a falta será ele. Regi já cansou de dizer que os gols dentro da área não valem dois pontos e os fora da área não valem por três. Não têm jeito, melhor ele voltar para o basquete mesmo. Dilsinho tem oito anos e será o goleiro do time, já que é o mais alto. A escalação da equipe no último jogo foi: Dilsinho como goleiro. Fabiana Cannavaro, Rio Fernando e Carla Puyol na defesa. Paulo Scholes, Neide Vede. Cristiano Ronaldo também foi escalado após perder três quilos. Segue acima do peso, pois não está com a dieta em dia. Em toda refeição, o garoto manda a foto do prato saudável da mãe para a tia Regi.
“Olha, estou comendo direitinho.”, digita ele enquanto come seus doces e frituras.
A escalação ainda tem Ronei, Joana Cruijff e Eusébio que servem a melhor jogadora do time: Marta. A garota é um reflexo de Regi quando criança. Ela sabe que é um sonho quase impossível. E mesmo sabendo que o melhor país para uma mulher jogar é os Estados Unidos, ela quer ir para a Europa.
— Os Estados Unidos é o segundo país que mais odeio. — A garota disse.
— E qual o primeiro? — Regi perguntou assim que a conheceu.
— O Brasil!
Marta fez um gol, mas os Zebrinhas levaram nove dos Leões. Regiane não conseguiu conter sua raiva, invadiu o campo, chutou a trave e quebrou o pé, por pouco não partiu para cima das crianças.
Foi afastada do cargo, e está no hospital até que seu pé melhore. Parece que é melhor o Gilsinho voltar para o basquete, os outros para o videogame e a Regiane pode voltar a ver os jogos na TV com seu pai.

Rafael Lemos

Escritor de 14 livros e outras crônicas e contos soltos. Aqui, rabiscos do que podem se transformar em futuros livros.