-Do amor

Elder Malaquias
7 min readSep 24, 2017

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“The red umbrella”, grafite do artista australiano Loui Jover

Já dizia Raul Seixas “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo, sobre o que é o amor sobre o que eu nem sei quem sou[…]”

Sim, o texto é sobre o amor. But before start…

“[…] a pessoa a quem se ama no começo não é a pessoa que enfim se ama, e que o amor não é um fim, mas um processo através e do qual uma pessoa experimenta conhecer outra.”

(Williams, John. Stonner. Ed. Radio Londres, 2014.).

“Tinha que ensiná-la a pensar no amor como um estado de graça que não era meio para nada, e sim origem e fim em si mesmo.”

(Márquez, Gabriel García. O amor nos tempos do cólera, p. 362. Ed Record, 2009.).

“Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado de graça é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.”

(Drummond,Carlos. as sem — Razões do amor,.).

“Se for preciso eu pego um barco, eu remo por seis meses como peixe, pra te ver tão pra inventar um mar grande o bastante que me assuste que eu desista de você…”.

(Rubel. Partilhar)

“Passamos tempo demais tentando compreender isso na teoria… O amor não é algo que inventamos, mas é perceptível, poderosos. Precisa significar algo, talvez amor signifique logo que ainda não estamos prontos para compreender, talvez seja alguma evidência ou artefato de uma dimensão superior que não notamos conscientemente. Estou atraída por alguém do outro lado do universo… O amor é a única coisa capaz de transcender as dimensões do tempo e espaço.”

(Dra. Brand. Filme Interestelar, 2014).

Como já foi possível perceber, antes de qualquer conceito pensado, fiz questão de semear um pouquinho do que encontramos nos livros, no cinema e na música quando se fala de amor, sendo que tudo isso ainda é muito pouco diante do enorme acervo.

Agora imagine remar por seis meses somente para ver a pessoa amada, na literatura encontramos várias histórias de amor parecidas podendo citar como um exemplo Ulisses na famosa obra Odisseia que não cedeu as propostas da bela Calipso (a deusa, não a banda) e nem em Ítaca sua amada Penélope cedeu aos que a cortejavam.

Permita-me ainda citar Nando Reis e sua música “Pra você guardei o amor”, que em minha singela opinião mostra como o comportamento amoroso é aprendido e como ele rompe qualquer limitação de espaço-tempo.

“Pra você guardei o amor que aprendi vendo os meus pais o amor que tive e recebi…”.

Como venho de família de casamentos duradouros, amores anunciados diariamente em pequenos gestos, creio que todo o romantismo que reina nesse ser, nada mais é que a herança dos meus pais e meus avós. A partir disso podemos até falar que o amor e a amar é uma das características que adquirimos por meio da socialização, processo esse que o ser humano aprende a viver em sociedade, diante da observação do meio em que vive.

Vamos aos haveres filosóficos, que os poéticos já foram apresentados.

Definir o amor, o sentimento, ou qualquer coisa que derive dele (atração, paixão e outras mil coisas inventadas e sentidas) tem lá suas dificuldades.

Para início de conversa, vamos logo com o tipo não recomendado, sim, acredite falei certo quando digo não recomendado, anota aí no seu caderninho e quando você ouvir falar do amor Apego corra que é cilada. Citado pela primeira vez por um filósofo chamado Lucrécio, para ele o amor apego é o pior dos males, mas por que você deve estar se perguntando imagino eu: Amar não é sempre bom? Permita-me fazer entender:

Digamos que por acaso você se apega a algo que está em trânsito (movimento) , ou seja, algo perecível, assim por dizer, passível de morrer, correr, fugir, desaparecer e etc. e este ser, executa algum dos verbos citados anteriormente, um ou todos ao mesmo tempo (pode acontecer), vai causar dor, sofrimento, um mal direto e direcionado ao amante; citando Frank Underwood em House of Cards “Há dois tipos de dor: a dor que te torna mais forte e a dor inútil, a que se reduz a sofrimento…” a perda dos ser amado, traz em seu íntimo o sofrimento ao ser amante, em regra. Logo pode existir exceções, o que não é o caso de Pablo, Asas Livres e milhares de músicos sertanejos que vivem desse sofrimento, somente contestam em suas letras o sofrimento causado pelo o amor apego (Quem nunca ficou na bad ouvindo Marília Mendonça?).

Ainda sobre o amor apego nas palavras do Professor Clóvis de Barros Filho:

“Mas há a graça e a desgraça do amor: quase de graça ele escoa, no tempo sem chegada, que vai e se esvai, corre e escorre. Fome que consome e ao mesmo tempo alimenta. Esse é o amor apego, aquele que se revela claramente como ânsia de propriedade. Uma ambição, uma busca atormentada. Nesse amor, o amante que a posse exclusiva e incondicional do outro, objeto de desejo” (Barros,Clóvis & Karnal, Leandro. Felicidade ou morte, p.64, ed. Papirus. 2016.), trocando em miúdos seria o avesso do pregado por Caetano Veloso na canção nosso estranho amor.

Agora vamos falar das rosas, das coisas bonitas (ou não), vamos começar passeando pelo Banquete de Platão e adotarmos a ideia que o amor (Eros) é o desejo pelo que nós não temos- pelo que nos faz falta. Para exemplificar um pouco sobre Eros de Platão, imagine a seguinte situação:

- Você ser humano desejante, serelepe e pimpolho pela sua própria natureza quer muito um carro novo, você tem um amor por aquele carro novo que passa na TV, no comercial do Faustão, afinal de contas é um carro zero, recém-lançado, aguenta qualquer terreno, é um carro do de fato do caralho.

Após muito esforço, um financiamento bacana, garantia e o escambau você consegue comprar esse carro que até esse momento você nutria um amor por ele, um desejo pelo que você não tinha. Veja bem, você já tinha um carro e tempos atrás antes de você comprar ele você nutria esse mesmo tipo de amor por ele, e agora você nutria esse mesmo amor pelo carro que passa na televisão, ou seja, graças ao amor de Platão, a busca pelo ideal, pelo o que você não tem, vai fazer com que você continue amando novos carros, novos objetos e por aí vai. É o princípio norteador do nosso querido sistema capitalista.

Creio também, que o capitalismo de certa maneira já está afetando os relacionamentos interpessoais, pois só isso explicaria essa industrialização dos relacionamentos em nossa sociedade moderna, ninguém é de ninguém e todo mundo quer tudo e todos e se possível ao mesmo tempo, criando mecanismos que estimulem essa banalização do sentimento em busca de prazer passageiro e quantidade de contatos no diminutivo (cantatinhos) que propiciem ósculos bucais furtivos e algumas copulas despretensiosas (sim! estou criticando o Tinder e similares mais uma vez).

Caso não estejamos satisfeitos com essa teoria (eu não estaria), podemos passar para Aristóteles a bola da vez e aprender sobre a Phila, que seria o amor pelo que já temos pelo que já é nosso. Particularmente acredito que esse tipo de amor pode ser considerado “melhor” que o anterior, afinal querer todo mundo quer, mas conseguir ser feliz com o outrora conquistado não é para qualquer um. Utilizando ainda o exemplo do carro anterior, simplesmente seria você olhar pro seu carro velho e dizer:

“Sabe Carango, já passamos por tantas coisas juntos, você nunca me deixou na mão, está meio velhinho? Tá, mas ainda assim não me sinto a vontade de trocar você por nem um outro carro, porque você cumpre o que promete e temos uma relação boa!”, desta forma nutrindo o amor pelo que você já tem, ainda rola uma economia para viajar por exemplo, mas papo de finanças não é o assunto agora.

Ainda assim, caso essa teoria de amor não o alegre, podemos passar para a Ágape, pregado por Jesus Cristo que se resume em: o amor pelo próximo, o amor centrado no ser amado, o amor que faz bem a ambos. Esse acredito que não seja necessário exemplificar, somos criados (ao menos os que vem de uma família com ligação ao cristianismo) ouvindo isso, explicar o amor pregado por Jesus Cristo é o mesmo que pregar o cristianismo para um cristão, se bem que hoje da mesma forma que nossos partidos políticos perderam a sua ideologia, acredito que muitas religiões perderam o seu cristianismo em busca de um abraço fraterno com o materialismo exorbitante, enfim.

Data máxima vênia, não desmerecendo todos os pensadores supracitados, acredito que a definição de amor que mais me acalenta o coração e que também acredito ser a mais certeira de todas, foi dita por Montaigne, direcionada ao seu amigo Etiénne, em suas palavras o motivo de amar seu amigo era somente “porque era ele, porque era eu”, e só.

Thomas Merton certa vez disse que “O amor é o nosso verdadeiro destino. Nós não encontramos o sentido da vida sozinhos, por nós mesmos — nós o encontramos no outro”, está aí acredito que chegamos a um consenso, ao menos para mim, podemos seguir a timeline iniciando tudo com Platão e seu Eros (ver aquela pessoa de relance e sentir algo por ela), passar para a Phila de Aristóteles (descobrir o amor, na pessoa amada todos os dias, no presente caso o gostar ou manutenção do desejo), chegar à Ágape (e ficar feliz com a felicidade do outro) e após tudo isso, descobrir que amar na verdade é descobrir que se tem a liberdade de ser você e que a outra pessoa é feliz por ser ela mesmo estando em comunhão e desta maneira, descobrir o sentido da vida através do amor.

Como diria Camões: “Ah o amor… que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei por quê”.

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Elder Malaquias

Escrevedor. Autor do Romance “Sob o Signo de Helena” disponível na Amazon| Instagram: @eldermalaquias