Reflexões sobre Inteligência Artificial: Entrevista com jornalista José Horta do Diário de Caratinga

Eliéser de Freitas Ribeiro
12 min readJul 31, 2023

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Por Eliéser Ribeiro — Sociólogo de Dados

No dia 15 de julho, tive o prazer de participar de uma entrevista com o jornalista José Horta do Diário de Caratinga, onde abordamos a fascinante temática da Inteligência Artificial. Discutimos suas vantagens, desafios e seu papel na sociedade, além de sua aplicação em diversos setores e sua relevância global. Destaquei a importância da regulamentação e educação para uma utilização responsável e efetiva da IA. O debate foi tão enriquecedor e saiu no jornal impresso mas decidi compartilhar o conteúdo completo em meu blog, pois acredito que as perguntas feitas pelo jornalista refletem muitas das questões que você também pode ter sobre a IA. A leitura vale muito a pena!

Professor, muito se fala, mas o que é inteligência artificial?

Bem, inteligência artificial é a palavra da moda, mas ela não é novidade, pois vem sendo desenvolvida há décadas. Mas para simplificar inteligência artificial é um campo da tecnologia que cria sistemas capazes de aprender e tomar decisões, imitando habilidades humanas como reconhecer padrões, compreender linguagem e solucionar problemas, com o objetivo de automatizar tarefas e tornar as nossas vidas mais eficientes. Ela já está em um tanto de coisas da nossa vida. A IA como assistentes virtuais para tarefas diárias, sistemas de segurança para reconhecimento facial, e no marketing digital, analisando hábitos de consumo para entregar publicidade e recomendações personalizadas.

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Quais as vantagens da inteligência artificial?

A gente pode elencar inúmeras vantagens. Primeiramente, ela automatiza tarefas repetitivas, liberando tempo para atividades mais complexas. Também melhora a precisão e velocidade de processos, reduzindo erros humanos. A IA possibilita a personalização em grande escala, adaptando serviços para atender as necessidades individuais. E pra mim, o mais importante é que ela pode analisar grandes volumes de dados para detectar padrões e tendências, auxiliando na tomada de decisões. Por exemplo, uma IA pode ler milhões de exames de câncer, enquanto um médico mais sênior não conseguirá ver 40 mil ao longo da vida. Vamos poder identificar de forma cada vez mais precisa e segura um exame. Por último, a IA tem a capacidade de operar 24h por dia, oferecendo disponibilidade constante em vários setores, como atendimento ao cliente.

Mas também tem suas desvantagens, quais são?

Claro, a inteligência artificial também tem muitas desvantagens. Ela pode eliminar empregos ao automatizar tarefas, criando um impacto social significativo. Acredito que essa onda agora de IA será o primeiro grande golpe nas profissões mais qualificadas como médicos, jornalistas e advogados. Também levanta questões éticas, como a privacidade dos dados e o potencial de uso indevido. Além disso, a IA depende de grandes volumes de dados para aprender, o que pode perpetuar preconceitos se os dados estiverem enviesados. Já temos casos de sistemas de RH que privilegiam currículos de pessoas brancas entre outras coisas. Outra desvantagem é o alto custo de implementação e manutenção desses sistemas. Por fim, sistemas de IA podem ser opacos, podem funcionar como caixas-pretas, ou seja, nem sempre é claro como eles chegaram a uma determinada conclusão ou decisão, levando a possíveis erros e mal-entendidos.

Inteligência Artificial é pesquisada há décadas, mas por que somente agora tomou essa proporção?

O salto recente na IA é resultado de vários elementos. Em primeiro lugar, o atual poder de computação e a capacidade de armazenamento ampliada permitem a manipulação de grandes quantidades de dados com velocidade impressionante. Além disso, a crescente disponibilidade de dados, graças à digitalização em muitos setores da nossa vida, tem sido fundamental. Outro ponto é o avanço nos algoritmos de aprendizado de máquina. Além disso, a busca por automação e personalização em diversas indústrias acelerou a implementação da IA. Todos esses fatores culminaram no “boom” atual da IA. Mas para mim, o fator mais decisivo foi o advento da arquitetura Transformer, introduzida em 2017 por engenheiros do Google. Esta arquitetura possibilitou a fusão de inteligências que antes eram especializadas em tarefas únicas, resultando numa estrutura capaz de realizar diversas funções como geração de texto, leitura de arquivos e tomada de decisões, fazendo tudo isso de forma junta e misturada ao mesmo tempo (rsrsrs).

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Podemos afirmar então que a Inteligência Artificial é a Inteligência de Máquina?

Sim, podemos dizer isso. A Inteligência Artificial é uma forma de Inteligência de Máquina. Mas eu diria que é um pouco mais do que isso. Ela se refere à capacidade de sistemas de computador de simular aspectos da inteligência humana, como a capacidade de aprender, raciocinar e resolver problemas. No entanto, é importante destacar que, embora avançada, a IA ainda não possui todos os aspectos da inteligência humana, como a criatividade, sentimentos, empatia e tomada de decisão. Você pode experimentar perguntar para uma IA o que é uma mulher bonita e verá que provavelmente você não concordará com a ferramenta.

Pelos debates sobre a área e até mesmo pelos filmes que povoam o nosso imaginário, parece que a sociedade tem muito receito da IA e dos robôs. Esse medo tem fundamento?

O medo humano do desconhecido é natural. Pense nos navegadores do século XIV e no receio que tinham do oceano. Esse temor tem fundamento, embora seja frequentemente baseado em aspectos imprecisos ou mal compreendidos. Podem ser preocupações éticas, impactos no trabalho ou simplesmente desconhecimento. A noção de robôs superinteligentes assumindo o poder, popularizada em filmes, é altamente especulativa e não corresponde à realidade atual da IA. É fundamental implementar regulamentações robustas e conscientes para guiar o desenvolvimento e uso da IA de forma segura e produtiva. Eu costumo comparar isso com o setor de aviação, imagine cada empresa fazendo as rotas e os horários da forma que elas quisessem. Pense no caos e nos inúmeros acidentes. Apesar de alguns profissionais de programação resistirem à regulamentação, considero essa perspectiva um liberalismo restrito e pouco responsável. Temos que ter em mente que as IA’s devem servir à humanidade, não o oposto.

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Sabemos que países como Estados Unidos e China têm se destacado na área de Inteligência Artificial. Como o Brasil se posiciona nesse cenário global?

Vários outros países como Canadá, Reino Unido, Islândia e Austrália estão se destacando na área de IA. O Brasil apresenta um cenário tanto promissor quanto desafiador em relação à Inteligência Artificial, com um número crescente de startups e empresas estabelecidas focadas em IA, e universidades reconhecidas por sua pesquisa avançada. Entretanto, o país lida com dificuldades como escassez de investimentos substanciais em pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura tecnológica insuficiente em certas áreas e a necessidade de mais profissionais especializados. Para competir globalmente, o Brasil deve continuar investindo em educação em ciência da computação e incentivando o avanço da IA.

Em termos legislativos, o Brasil já implementou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), um passo importante, porém ainda limitado. Recentemente, o senado propôs o projeto de lei 2338/2023 para estabelecer um marco regulatório para IA no país. Eu já até escrevi sobre essas duas iniciativas no meu blog.

Se eu fosse o presidente do Brasil (risos), desenvolveria uma política pública fundamental nesta área: a criação de um vasto portal de conhecimento online, oferecendo capacitação e certificação para nossos jovens. Incluiria conceitos de programação e IA nos currículos como parte da reforma do ensino médio, e estabeleceria laboratórios de informática em todo o país para capacitação gratuita dos jovens. Não vou me espantar se no futuro termos o Ministério da Inteligência Artificial (mais risos).

IA está ao alcance somente de grandes empresas e startups inovadoras, ou pequenos e médios negócios também podem se beneficiar da tecnologia?

A IA não é restrita a grandes empresas e startups inovadoras; pequenos e médios negócios também podem aproveitar esta tecnologia. Ao contrário de indústrias como petróleo e siderurgia, que exigem altos investimentos iniciais em infraestrutura e equipamentos, a IA pode ser acessada e utilizada com custos relativamente mais baixos. Soluções de IA podem ser escalonadas de acordo com as necessidades e capacidades da empresa, proporcionando uma vantagem competitiva. Elas podem otimizar processos, melhorar a eficiência, personalizar a experiência do cliente e gerar insights valiosos a partir dos dados, mesmo com recursos limitados. Assim, a IA democratiza a inovação e amplia as oportunidades para empresas de todos os tamanhos.

Vamos lá para a brincadeira de seu eu fosse o presidente de novo: implementaria linhas de financiamento robustas via BNDES para atrair talentos e projetos de IA. Estabeleceria também editais de pesquisa para universidades, incentivando o estudo e a inovação nesta área. Além disso, promoveria parcerias público-privadas para acelerar o desenvolvimento e a adoção de tecnologias de IA, melhorando assim a competitividade do Brasil no cenário global.

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Agora temos o ChatGPT da OpenAI, apoiada pela Microsoft, que é visto como líder na adoção ampla da inteligência artificial. O ChatGPT ganhou milhões de adeptos rapidamente. O que isso significa?

O ChatGPT se destacou de forma impressionante. Para termos uma ideia, o Instagram alcançou seu primeiro milhão de usuários em 2,5 meses, o Facebook em 10 meses, o Twitter em 2 anos e a Netflix em 3,5 anos. O ChatGPT atingiu esse marco em apenas 5 dias. Ele democratizou o acesso à IA, tornando-a mais acessível para o público geral. Antes, era necessário conhecimento em programação para utilizar a IA. Com o ChatGPT, é possível integrar tarefas do Excel, Word, PowerPoint, todos no mesmo ambiente e muitas outras coisas. Entretanto, ChatGPT não está sozinho na indústria, com Google, Meta e outras gigantes desenvolvendo seus próprios projetos. Existem inúmeras outras ferramentas de IA disponíveis. Por exemplo, eu estou montando uma biblioteca com mais de 400 IA para trabalhar.

Temos a impressão que as pessoas estão se aproveitando do ChatGPT para fazer suas tarefas, principalmente na criação de textos. Quais são os riscos dessa atitude?

Na minha visão, o ChatGPT não deve ser usado para substituir o pensamento e reflexão críticas do ser humano. Uma criança que está aprendendo a redigir uma redação, por exemplo, não deveria usar a ferramenta. Contudo, para um jornalista que precisa produzir uma matéria rapidamente, seu uso é apropriado. Importante destacar que a supervisão humana é necessária ao utilizar o ChatGPT, uma vez que ele pode gerar “alucinações” (respostas inventadas) quando não tem uma resposta definitiva, aprendendo com o feedback subsequente. Além disso, o ChatGPT pode reproduzir informações imprecisas ou enviesadas, e a dependência excessiva pode impactar a originalidade. Eu quero deixar claro para o leitor que eu utilizei o ChatGPT para construir a meu texto, mas eu orientei e revisei os resultados gerados pela ferramenta para dar a minha resposta pessoal e não a resposta automática. Você pode perceber ao longo do texto que tem vários traços pessoais na minha escrita que não é o ChatGPT.

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E a tal linguagem generativa? Do que se trata?

A linguagem generativa é um ramo da Inteligência Artificial focado em criar conteúdo novo, como texto ou imagem. Difere da IA tradicional, que normalmente classifica ou analisa dados existentes. Modelos de linguagem generativa, como o GPT-3, “aprendem” padrões e estruturas em enormes volumes de texto e então geram novo conteúdo que se assemelha ao que foi aprendido. Isso permite que eles “escrevam” textos, respondam perguntas e até mesmo traduzam idiomas de maneira muito mais natural e coerente. É como um grande oráculo que cria as coisas.

ChatGPT é até agora a maior ameaça contra os humanos? Ou seja, esse chat mostra que poderemos ser substituídos pelas máquinas?

É importante notar que ferramentas como o ChatGPT não são uma “ameaça” aos humanos, mas sim uma ferramenta para auxiliar nas tarefas do dia a dia. O ChatGPT não possui consciência, vontade ou a capacidade de ter metas próprias. Elas são projetadas para auxiliar, tornando tarefas complexas mais fáceis e acessíveis. No entanto, é verdade que a IA tem o potencial de automatizar certas funções de trabalho, o que, na minha avaliação, poderá levar a mudanças na economia e no mercado de trabalho. Assim, é crucial que as sociedades planejem uma transição e invistam em educação e treinamento para garantir que as pessoas estejam preparadas para as profissões do futuro. Além disso, se fará cada vez mais necessário criar uma legislação especial para isso que produza desde um regime fiscal mais justo para a sociedade, empresas que usam mais IA’s paguem mais impostos e também criem políticas de renda mínima para a população para amparar contra o desemprego e o desalento.

O Center for AI Safety (Centro para a Segurança da IA), organização sem fins lucrativos com sede em San Francisco, emitiu a seguinte nota: “Mitigar o risco de extinção pela IA deve ser uma prioridade global, ao lado de outros riscos em escala social ampla, como pandemias e guerra nuclear”. Como o senhor analisa essa declaração?

Considero esse aviso extremamente relevante e oportuno. Vivemos em uma era de desinformação, impulsionada, em parte, pela primeira geração de IA nas redes sociais, que alimenta o negacionismo — seja em relação às vacinas, às mudanças climáticas, ou até mesmo aos possíveis perigos da IA. Não devemos ignorar esses problemas. A IA deve estar a serviço da humanidade, e nunca o contrário. Devemos manter o controle constantemente, pois ele nos guiará rumo ao futuro. É preocupante que, para cada 30 projetos de IA desenvolvidos, apenas um é dedicado à segurança e estabilidade. A lógica capitalista “racional” favorece investimentos que geram lucros, mas é crucial ponderar coletivamente quais são os passos mais benéficos que devemos dar em direção a um futuro sustentável.

Em março deste ano, Elon Musk e mais de mil outros pesquisadores e executivos de tecnologia pediram uma pausa de seis meses no desenvolvimento de sistemas avançados de IA, para sustar o que descreveram como uma “corrida armamentista”. Onde essa ‘corrida armamentista’ pode nos levar?

Considero as intenções da carta bastante legítimas, embora seja difícil deter uma avalanche quando ela já ganhou velocidade. É válido ponderar sobre a possibilidade de uma pausa, pois a IA, embora seja uma poderosa ferramenta, também apresenta riscos significativos. Se não for administrada adequadamente, pode acarretar danos sociais, econômicos e éticos. Refletir sobre esses impactos permite um desenvolvimento mais responsável e equilibrado da tecnologia, garantindo que seus benefícios superem seus possíveis danos e que seja utilizada para o bem da humanidade.

Os sistemas de IA são como “caixas-pretas”, uma vez que não se tem clareza sobre como chegam a determinados resultados. É possível explicar os processos de construção, mas não se pode explicar os resultados que produzem. Além disso, há a possibilidade de desenvolvimento exponencial, pois cada novo conhecimento adquirido é compartilhado em todo o sistema, o que retroalimenta o processo em uma velocidade absurda. Isso faz com que a velocidade dos acontecimentos seja muito maior do que a capacidade de gerar respostas para eles.

Por fim, é importante destacar as intenções das várias pessoas que assinaram a carta, como Elon Musk, por exemplo. Ele desejava uma pausa para ter tempo de desenvolver sua própria IA. É curioso notar que, mesmo após dois meses de assinar a carta solicitando a paralisação da produção, ele lançou sua própria ferramenta, a xAI. Isso parece contraditório. Contudo, as intenções de vários outros signatários tinham outros objetivos mais legítimos.

Photo by Md Mahdi on Unsplash

Após todas suas análises, em que medida devemos usar a Inteligência Artificial?

Até que ponto deixamos de utilizar a internet? O Google? Ou o smartphone? Ou o Wikipédia? Não sou contra a inovação, pelo contrário, sou um entusiasta. No entanto, não devemos construir uma vila sob uma avalanche de neve, nem estabelecer uma linha de produção em uma rota de fuga de uma barragem prestes a se romper. É crucial ter responsabilidade acima de tudo e saber utilizar as ferramentas disponíveis. Acredito que o conhecimento seja libertador e possa proporcionar um melhor controle da situação. Por exemplo, os professores devem utilizar e explorar novas maneiras de incorporar a tecnologia ao processo de ensino-aprendizagem.

Agora partindo para os filmes de ficção científica, seremos dominados por robôs?

(Risos)Os filmes de ficção científica desempenham um papel importante ao nos fazer refletir sobre futuros imaginados possíveis. No entanto, acredito que ainda estamos longe de vivenciar essa realidade de dominação de robôs. É sempre bom ter cautela em relação a notícias e artigos alarmistas. Como minha mãe costuma dizer, o bom senso é sempre válido e cabe em qualquer situação.

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Eliéser de Freitas Ribeiro

Sou sociólogo de dados, mestre em Sociologia, especialista em IA, especialista em pesquisa e análise de dados. Trabalho com Python, R, SQL, Power BI, Tableau.