Quantas vezes somos permitidas fraquejar ? — Marcha das Mulheres Negras 2018-

Elizabeth Arruda
4 min readJul 30, 2018

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Hoje, 28 de julho, fui em minha primeira Marcha das Mulheres Negras que acontece no Rio de Janeiro em Copacabana. Estava ansiosa, nervosa e feliz afinal é um espaço onde acontece uma luta da qual me identifico e respeito. Eu ja tinha uma ideia do que iria encontrar. Manifestações politicas, sociais e claro desentendimentos. Afinal estávamos ocupando um lugar elitista e de classe alta. Parafraseando uma das meninas que falaram no carro principal “Apenas 5% da população do complexo do alemão já vierem a essa praia.”

O primeiro sentimento foi o de pertencimento. Naquele momento eu senti liberdade. Liberdade para ser eu mesma com a consciência de que havia um espaço e tempo limitado. Enquanto olhava ao redor tentava perceber cada sentimento que escapava pelo olhar deslumbrado de cada menina ali presente. Os olhares das mães para seus filhos me remetiam um cuidado, não com o presente mas com o futuro, parecia que aquela marcha, seja para meninos ou meninas negras, era uma ferramenta de proteção. Um jeito de levar auto estima e consciência aquelas crianças que mal entendiam o que está por vir no futuro e quando chegarem lá irão lembrar desse dia.

As câmeras predominam, todos querem uma foto. Aquela que traduza toda a importância do movimento em apenas um click. Estamos sendo protagonistas percebo. Consigo sentir um certo desconforto por parte dos brancos ali presente, não se encaixam e nem se identificam com nada ali proposto. Alguns olhares maldosos, sussurros de deboches, respostas desaforadas e claro o desespero pela foto afinal para muitos ali aquela realidade é “exótica”, talvez isso explique a tamanha quantidade de maquinas fotográficas que surgem de repente para pegar até o momento em que simplesmente não estamos fazemos nada.

Em meio a danças e caminhar começa a Marcha. Me sinto bem por enquanto, confesso estava ansiosa pelo começo. Já não me incomodo e nem me estresso mais com todos aqueles flashs. Ao caminhar por aquela orla que nunca andei. Ao ver o sofrimento de mulheres que nunca vi. Ao ouvir discursos carregados de ódio e cansaço. Desabei. Desabei por dentro é claro, por fora continuava andando e mantendo a minha melhor face de indiferença, da qual aprendi ao longo dessa minha curta vida e já me acostumei, afinal sempre estamos falando e ouvindo sobre resistência não é ? Pronto dali pra frente já não era a mesma que tinha chegado lá. Resistência pra mim já tinha recebi uma outra complexidade. Estava com medo.

A cada nome e a cada grito de PRESENTE. Penso em quantas se foram, quantos irão e estão por vir. Reflito o quanto eu não quero ser presente, quero estar presente. Penso mais um pouco mas agora com uma dose de ansiedade para concluir que o caminho te leva a ser presente. Mais uma vez sinto medo. Tento relembrar quando adquiri esse medo tão grande em resistir. Não demora até um discurso doloroso começar a engasgar na garganta de uma das militantes enquanto fala sobre Marielle Franco. Aurella! Uma execução politica. Uma interrupção de uma vida. De uma luta. De uma maternidade. De uma gestão politica. Entendo rapidamente até onde posso ir e continuar presente. Posso estar na ruas e nos movimentos sonhando em uma vida sem opressão mas não posso ir até o local em que de fato mexo nas estruturas dessa opressão. É fato que o movimento negro feminista e LGBT se vire todo pra politica pois após essa execução fica claro onde mais incomodamos e mudamos. Isso aumenta nossa lista de presença ? Espero que não.

Volto a pensar sobre resistência quando outra menina pega o micro fone e faz um discurso pra lá de sincero e triste. Sempre liguei a resistência a pessoa física. O meu corpo esta lá hoje era uma forma de resistência porém meu emocional estava em uma montanha russa e assim não consegui resistir. Todas as vezes em que ela falava sobre o racismo e seus efeitos psicológicos na população negra, só agora entendo o quanto minha resistência sempre foi fraca. A frase ecoa em minha cabeça até agora “Todos os dias que eu acordo eu quero morrer.” Repito: “Todos os dias que eu acordo eu quero morrer” ela segue em tom melancólico de quem já não acredita com mesma veemência em melhorias disparando uma frase que carrega uma dor e problemáticas tão fortes que são evitados a serem discutidos: “Os boys negros que escolhem mulheres brancas mas chamam elas de pretinhas.”

A marcha está chegando ao fim. Já me sinto mentalmente e fisicamente cansada, a incerteza toma conta de mim, já não sei como vou seguir dentro de qualquer movimento. Reconheço que a minha vida é uma militância estando dentro ou fora de qualquer movimento, consciente ou não de qualquer pauta racial, classista e de gênero. Relembro o conto da Clarisse Lispector “Das vantagens de ser Bobo”.

Fico um pouco decepcionada comigo, como pode ter acontecido. Sempre fui muito contundente no que pensava, li textos, artigos e livros para me aprofundar e ter certeza. Me afastei daqueles que reproduziam o racismo e o machismo a outros ofereci conhecimento e aceitaram. Revisei em minha cabeça as coisas que ainda acreditava e que tinha acabado de desistir e tudo continuava o mesmo e foi assim que percebi o que tinha acontecido, fraquejei.

Até que começa uma voz dócil e infantil vindo do carro de som: uma criança. Volto ao que comentei a cima, a importância em inserir seus filhos em movimentos a fim de protege-lós de futuras opressões. Com um discurso carregado de auto estima e orgulho negro ela é ovacionada. Restaurou não só em mim, isso digo pelos olhares e sorrisos, resistência. Mas dessa vez emocional. Começo a acreditar que mesmo se eu apenas for mais uma naquela imensa lista de presença e talvez nem nela lembrada isso tem uma recompensa e não há recompensa maior do que aquilo que tentam tirar de mim todos os dias: auto estima.

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