Construção dos nossos

Eloíne Gomes
3 min readAug 7, 2018

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#1DosNossos. Foto: Eloíne Gomes

“Cadê o boné, Elô?”, a queixa, sempre em tom de brincadeira, pela falta do aba reta na cabeça é constante. O grave batendo no som do carro com um rap mais pesado que o Big. As voltas pra casa, tarde da noite, cheias de cansaço, mas também de ânimo. Tudo isso funciona como um gás. Pra quem vê de fora, a gente é louco. Em um dia rodamos essa cidade e a cada missão concluída é uma nova história, uma lição, um rolê diferente. A gente vê o outro lado da coisa. Mano Brown tava certo, o mundo é diferente da ponte pra cá mesmo. Ao longo dessa caminhada descobri todo um novo universo. Nossa sempre agitada rotina me fez aprender mais sobre a realidade que vivo, mas também, muito mais de mim. Um “eu” que até então era desconhecido me vem sendo apresentado a cada novo amanhecer e, principalmente, anoitecer, quando o cansaço já bateu mas seguimos sorrindo, animados, com tudo que estamos realizando.

Aprendi, construindo diariamente, que política vai muito além de problematizar. Apontar a ferida é muito fácil, até porque muitas vezes nós somos ela própria. Até pouco tempo atrás, eu acreditava que difícil era apontar a solução. Aí me dei conta que isso só é realidade se for trabalhado no singular. No coletivo a ideia é outra. A gente que mobiliza o mundo que a gente quer construir. Sem se deixa abater com padrões que já cansaram, batendo de frente com o que esperam de nós, o silêncio. É como se a quebrada não pudesse ter voz, porque sabem que ela faz muito mais que barulho: ela movimenta, constrói, encanta. Isso assusta qualquer playboy que nunca viveu metade de tudo isso, nem sentiu o peso que é sequer ter algo pra perder. A gente sente diariamente. Por isso que todo dia é nóis movimentando e fazendo barulho; se não for nós por nós, quem será?

Dos ensinamentos que essa caminhada me trouxe, talvez o mais valioso deles foi o amor pela minha quebrada. Viajei alguns km, vivi uma das experiências mais enriquecedoras que já tive e senti o tesão de querer voltar pro meu lugar e construir; trazer pros meus o que aprendi lá longe. E olha, desde sempre tive essa convicção: eu fui feita pra ser do mundo. Hoje a vontade de ir pro mundo não diminuiu, mas agora caminha de mãos dadas com outra certeza, a de que eu sempre vou voltar. Tô em busca de honrar o que o Marechal cantou, tentando ser o melhor pra minha comunidade.

Tem esse som do Emicida que eu não canso de ouvir, é como um mantra pra sempre que o desânimo bate, “cerra os punhos e sorria, e jamais volte pra sua quebrada de mãos e mente vazias”. Aqui, isso não acontece. A gente volta transbordando ao final de cada dia. E tudo isso é muito louco. Em cinco minutos de conversa você se dá por vencido nessas ideias que nem pros mais desacreditados são utópicas.

Hoje, mais do que nunca, sei que o que a gente tá fazendo não vai ser em vão. Seguimos, é hora de reafirmarmos a luta, as convicções e a confiança de que a periferia é, sim, o centro. Eu, pessoalmente, sigo afinando meu olhar sobre a vida e agradecendo por estar exatamente onde estou.

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