Decidi ser um homem de mentira

Desde que nascemos somos ensinados a ser, basicamente, babacas:

Eloy Vieira
3 min readJan 25, 2016

Menino, não chore, seja homem!

Passar creme no cabelo é coisa de boiola, seja homem!

Não brinque de boneca com sua irmã, vá jogar futebol na rua, seja homem!

Saia da cozinha, aqui é lugar de mulher, seja homem!

Enquanto crescemos, aprendemos que homem de verdade é aquele não demonstra emoção. Que não se importa com o visual. Que não pode fazer coisa de menina. Que não pode fazer coisa de mulher.

Mais tarde, continuamos aprendendo que, homem que é homem, precisa deixar isso claro o tempo. Tem que se reafirmar. Tem que mostrar que gosta de mulher, que sabe chamar de “gostosa” em voz alta. Que coça o saco no meio da rua. Que senta de perna aberta do ônibus/trem/metrô, porque, afinal, é homem, é natural.

Pouco depois ainda precisa saber beber cerveja, de preferência, sem cair, porque se cair, não é homem de verdade. Homem que é homem tem que saber beber e continuar disposto a pegar todas. E se for virgem, tem obrigação de transar depois da festa, mesmo que não tenha tido interesse, porque homem de verdade deve estar disposto a transar a qualquer hora.

Homem que é homem também tem que tirar a carteira de motorista no dia que completa 18 anos. É rito de passagem. Se não souber dirigir quando atinge a maioridade, avemaria, o pinto deve cair. E quando aprender a dirigir, ainda tem que gritar no meio da rua que no carro ao lado “só podia ser mulher mesmo” . Afinal, o dom da direção com certeza está apenas no cromossomo Y.

Em casa, quando não sabe consertar o cano que estourou ou pegar o rato morto no chão da cozinha, é frescurento que nem mulherzinha. E se ainda por cima souber cozinhar e dividir as tarefas domésticas, pronto, é mulherzinha mesmo.

Ser homem, portanto, é basicamente uma sucessão de atos sexistas, machistas , misóginos e, por vezes, homofóbicos. Aliás, quarteto que dificilmente é encontrado separado, né? Por isso mesmo, é bem comum que, por vezes, reproduzamos tantas dessas falsas certezas naturalizadas simplesmente devido ao gênero que viemos ao mundo.

Nossa identidade de gênero parece sempre depender de uma reafirmação constante. De uma necessidade de procurar o que realmente somos num mundo em que a mulher pode trabalhar, ser bem sucedida e ter filho sem nem precisar conhecer um homem.

Essa necessidade de reafirmação, nada mais é, do que uma demonstração de que estamos perdidos. E estarmos perdidos, nesse caso, é ótimo. Ótimo porque significa que toda a construção social do homem enquanto apenas mais um destinado a ser um ~pai de família~ está em cheque.

Então, o que decidi daqui pra frente é continuar colocando isso em cheque. Mesmo que seja dentro da minha cabeça e desconstruindo sozinho, porque, Se pra ser um homem de verdade for preciso ser um babaca reproduzindo tudo que fui ensinado, prefiro então ser outro tipo de homem: um homem de mentira.

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Eloy Vieira

Mais um jornalista frustrado que insistiu em estragar o mundo da publicidade e acabou aqui escrevendo coisas aleatórias