A Activision já pertence a Microsoft?

Emanuel Bissiatti
5 min readAug 17, 2022

A aquisição do grupo Activision Blizzard pela Microsoft por 68,7 bilhões de dólares não é novidade, já que a compra foi anunciada em janeiro deste ano (2022). A negociação entre as empresas começou no final do ano passado após a queda das ações do grupo Activision depois dos escândalos que ocorriam dentro da companhia terem sido descobertos pelo Wall Street Journal (WSJ). A venda e subsequente compra da empresa seria bem vista pelos investidores, pois uma mudança de gestão poderia ajudar a coibir os problemas que atormentavam a Activision. Porém, esse processo ainda está longe de ser concluído: a compra de uma empresa tão grande quanto a Activision Blizzard precisa ser aprovada de acordo com a legislação antimonopólio de diversos países, entre eles o Brasil e os Estados Unidos.

Dentre os crimes cometidos pela Activision Blizzard, o jornal citava assédio e abuso de poder por parte de vários funcionários da empresa. Embora a situação fosse grave, segundo WSJ, pouco era feito: o CEO em atividade — Bobby Kotick — sabia desses casos. Inclusive, ele (e o departamento de RH) teria sido informado pessoalmente que uma funcionária tinha sido abusada sexualmente pelo seu supervisor no ano de 2016 e 2017. Infelizmente, segundo o advogado da funcionária, nada foi feito para punir o estuprador. Pelo contrário, o abusador ainda permanece trabalhando na empresa, enquanto os abusos sofridos pelas mulheres eram escondidos até mesmo dos acionistas. Como resposta às reportagens, as ações da empresa caíram em cerca de 30% e diversas figuras importantes que trabalhavam na companhia pediram demissão, incluindo diretores que estavam empregados desde 1995.

Bobby Kotick

No dia 18 de novembro de 2021, dois dias após à publicação do dossiê pelo Wall Street Journal, Phill Spancer, o CEO da Microsoft Gaming, emitiu um comunicado interno via e-mail sobre o ocorrido para a divisão de jogos do Xbox, afirmando que estava “avaliando todos os aspectos de nosso relacionamento com a Activision Blizzard e fazendo ajustes proativos contínuos”, ao que os funcionários da Microsoft estavam “extremamente perturbados pelos eventos e ações horríveis” que teriam acontecido na Activision Blizzard. E assim, no dia seguinte, de acordo com as informações divulgadas pela CNBC, Phill Spancer entrou em contato com Bobby Kotick para conversar sobre “oportunidades estratégicas” entre as duas empresas. Já no dia 20 de novembro, Kotick reuniu-se com o atual CEO da Microsoft, Satya Nadella, para explorar uma parceria estratégica entre as empresas.

Pouco tempo depois, no dia 26 de novembro, a Microsoft ofereceu uma oferta formal para a compra da companhia por 80 dólares por ação, mas o acordo só foi fechado no valor de 95 dólares por ação. Assim, em janeiro de 2022, a Microsoft anunciou ao público a compra da Activision Blizzard por 68 bilhões de dólares. Com a aquisição, a divisão de jogos da Microsoft se tornará automaticamente a terceira maior em receita, atrás apenas da Sony (PlayStation) e da Tencent (dona do League of Legends e a maior empresa de internet da China).

Ademais, como já foi mencionado, a aquisição está longe de ser concluída. Os governos de cerca de 20 países (incluindo Estados Unidos, China, Japão, Nova Zelândia e o Brasil) onde essas empresas atuam precisam aprovar a compra de acordo com as leis antimonopólio de cada país. Vale mencionar que a Activision Blizzard é a maior publicadora dos Estados Unidos em valor de mercado e a Microsoft, além de publicadora, é fabricante dos consoles Xbox. Assim, em maio de 2022 iniciou-se o julgamento no Brasil e, devido ao portal transparência do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), foram descobertas informações sobre os bastidores do mundo dos jogos.

CADE

Durante o julgamento, os órgãos brasileiros precisam decidir se a operação prejudica o mercado e os concorrentes da Microsoft. Desse modo, foi perguntado para outras publicadoras e empresas de tecnologia se a aquisição iria impactar no mercado de jogos. Em geral, essas empresas não apontaram muitos problemas com a aquisição. Bandai Namco, Ubisoft e Warner Bros afirmaram que os jogos de tiro desenvolvidos pela Activision possuem concorrentes diretos como Counterstrike e Battlefield. Já as empresas de tecnologia Amazon, Google e Apple não se interessaram muito no caso, pois pouco serão afetadas com essa aquisição.

Entretanto, a principal concorrente da Microsoft, a Sony, manifestou-se veementemente contra essa aquisição, ao que até mesmo no anúncio da compra houve queda nas ações da empresa japonesa. A grande preocupação dos seus investidores se deve principalmente ao fato de que os jogos da Activision, sobretudo a franquia anual Call of Duty, tem se situado entre os dez mais vendidos da plataforma PlayStation por pelo menos cinco anos. Considerando que a Sony fica com 30% da receita, se um dia a Microsoft resolver tornar as franquias da Activision exclusivas da plataforma Xbox e PC, a Sony deixaria de ganhar milhões de dólares anualmente. Desde o anúncio, a Microsoft disse que não tornará os novos lançamentos de Call of Duty exclusivos. E, de fato, tudo indica que a Microsoft manterá sua palavra, já que ela continuou dando suporte aos aparelhos da PlayStation e Nintendo após comprar a desenvolvedora de Minecraft em 2013.

Xbox e PlayStation estande na E3.

Ainda assim, a Sony tenta levantar objeções sobre a aquisição a fim de evitar prejuízos. A principal argumentação dos advogados é de que Call of Duty é uma franquia insubstituível. Isso é, de acordo com a empresa japonesa, não há nenhum jogo parecido com este em seu mercado. Dias depois, a Microsoft rebateu as críticas, rebaixando essa franquia como só mais um jogo de tiro do mercado. Na realidade, Call of Duty tem sim a sua relevância — sendo uma franquia bilionária –, mas pode ser substituída por outros jogos de tiro. No final, observa-se que ambas as empresas exageram em suas afirmações para justificar seus posicionamentos perante os tribunais.

Em suma, segundo as projeções da Microsoft, a conclusão da aquisição deve ocorrer até junho de 2023, logo após a vitória do processo judicial. É esperado que a Microsoft vença devido a grande quantidade de desenvolvedoras de jogos atuando no mercado. Com a internet, qualquer pessoa pode desenvolver e publicar um jogo na loja Steam. Além disso, mesmo com a aquisição, a Microsoft não será a empresa com a maior receita nos jogos. Após finalizar a compra, segundo o WSJ, Bobby Kotick finalmente deverá deixar a empresa e a cultura interna tóxica da Activision Blizzard deve terminar. Entretanto, como CEO e acionista de longa data da empresa, Kotick irá lucrar muito com a venda. Será que um dia ele será punido pelos seus crimes?

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Emanuel Bissiatti

Aluno de Matemática Aplicada da FGV. Amante de tecnologia, jogos de tabuleiro, jogos eletrônicos e cinema.