Emilio Garofalo Neto
9 min readNov 23, 2023

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Sobre Douglas Wilson e essa situação toda

Incluindo minha participação com ele em um evento

Edit 2 (17/jan): Com o cancelamento da vinda do preletor, anunciada hoje, este texto faz-se desnecessário. Porém, ao menos por enquanto, vou mantê-lo por aqui para evitar qualquer distorção do que eu disse ou não disse.

Edit: Alguns me perguntaram se eu havia externado essas preocupações à organização do evento. Sim, havia, muitos meses atrás, e fui mui amavelmente respondido e ouvido, ainda que não tenha havido convergência de opiniões. Um amigo me sugeriu incluir esta informação.

Venho me mantendo quieto sobre isso tudo no que tange a assumir posições públicas; o que não significa que não tenho buscado agir de formas que julgo corretas e justas diante de Deus. Com frequência falo com amigos e respondo dúvidas de ovelhas preocupadas com o assunto. Agora, entretanto, julgo ser um momento em que devo falar mais publicamente.
Não resolvi falar agora por causa de algum clamor popular nem nada do gênero; minha pequena voz não é tão importante assim e ser pautado pelas redes sociais é tarefa improdutiva e inglória.
Contudo, em conversas com gente sábia, inclusive alguns de meus pares anciãos, bem como em consulta à minha consciência, resolvi pontuar algumas questões a quem interessar possa.

Em tempo: não esperem um dossiê cheio de notas de rodapé. Quem se interessar pode pesquisar cada questão por conta própria com facilidade.

Em tempo (2); tampouco falo por querer causar celeuma ou gerar engajamento em redes sociais ou o que for. Tenho bem mais a perder do que a ganhar com esta publicação.

Em tempo (3): Sei que alguns se interessaram por Wilson por conta de seu material na área de educação e nem sabem de outras questões; outros o vêem como uma espécie de herói da época da pandemia ou o apoiam por alguma postura sua quanto a política e sociedade norte-americana (enquanto outros desgostam dele pelas mesmas razões). Essas questões políticas pesam muito para algumas pessoas vindo a superar qualquer outra consideração; para mim, entretanto, essa parte é terciária. Sou ministro da Palavra, e assim sendo meu foco é primariamente teológico e não político. Deus me livre de me tornar alguém que vê tudo pela ótica política! Digo isso tudo pois reconheço que para cada pessoa as questões trazem consigo pesos diferentes. Alguns parecem amar tanto seus posicionamentos políticos que relevam todo o resto. Outros odeiam tanto sua política que isso colore todo o resto.

Cada um sabe de si e meu plano é falar de mim; não sou capaz de sondar corações alheios, apenas o meu, e olhe lá. Vamos então a algumas considerações:

  • 1)Já me vali de material que ele escreveu. Há citações de obras dele em obras minhas. Oras, há citações até mesmo de descrentes em minhas obras. A verdade é verdade na boca (ou pena) de quem quer que seja. Citar alguém não significa, necessariamente, um endosso do que esse alguém diz ou faz em outros lugares. Nem tampouco da pessoa em si.
    Já li uns 6 ou 7 livros dele, alguns bons, outros ruins, outros rasinhos e decepcionantes. Tenho minhas teorias sobre porque ele ter ficado tão popular por aqui no Brasil, mas vou poupá-los, ao menos por enquanto.
  • 2)Tenho enormes discordâncias teológicas com DW. A começar pela Visão Federal, movimento do qual ele mais recentemente se distanciou, mas não por ter mudado de posição. Inclusive segue vendendo os livros com os velhos ensinamentos errados. A VF traz uma mistura e confusão perigosíssima sobre santificação e justificação, com pitadas fortes de um sacramentalismo mais romanista do que protestante, inclusive ensinando erros severos e avessos à minha Confissão de Fé como a pedocomunhão. Ele e outros autores fizeram muito barulho com isso no início dos anos 2000, e foram a meu ver satisfatoriamente refutados, mas não largaram suas crenças. Seguem em seu movimento teológico nas beiradas do mundo reformado, ou, no caso dele, distante do movimento mas não das ideias deles. Vejo a VF como um movimento perigoso que traz confusão acerca dos próprios pilares do protestantismo. Claro, proponentes dessa turma têm suas boas contribuições em outras áreas, mas esse erro severo é perigosíssimo.
    Em meus sete anos de seminário nos EUA, nunca utilizamos positivamente nenhum de seus livros. Estou falando de escolas extremamente conservadoras e abundantemente reformadas (GPTS.edu RTS.edu). Em verdade, seu nome e livros apareciam nas disciplinas apenas como alguém a ser refutado. Nas disciplinas de Teologia Contemporânea com John Carrick, Eclesiologia com Morton Smith e em Soteriologia com Joseph Pipa, Teologia de Missões do AT e NT com Mark Kreitzer, Wilson e seu pensamento sobre o assunto foram tratados como extremamente algo nocivo. Nesses cursos aprendemos (até mais do que eu queria!) sobre a turma da Visão Federal e seus erros, DW incluso. Nem de longe ele era tratado nos círculos reformados presbiterianos por onde andei de 2004-2011 com toda essa relevância positiva que tem por aqui. Aliás, aproveitando; há por aí uma ideia de que os críticos dele são todos progressistas/esquerdistas/outros istas... na verdade, ele é criticado por gente de todas as linhas, inclusive reformados conservadores direitistas. É um espantalho desmerecer todos seus críticos como "inimigos da fé", embora alguns o sejam. Não caia nessa fake news!
  • 3) Outro problema que vejo é na área de seus ensinos sobre família. Seus livros trazem um misto de legalismo com práticas da cultura mais antiga norte-americana que muitos no Brasil vêm engolindo como se fossem Escritura.
    Já me vali de algumas coisas dele sobre criação de meninos (mais especificamente sobre o uso da ficção pra fomentar a imaginação), ao mesmo tempo em que olho várias ideias e as jogo fora. Como ocorre em todo grupo cristão, somos influenciados pela cultura em nosso pensamento. Cristãos de todos os tempos e lugares o são, e parte do crescimento em sabedoria bíblica envolve aprender a rejeitar o que vem deste século e renovarmos nossas mentes pela escritura. Vejo leitores brasileiros absorvendo avidamente os ensinos dos Wilsons sobre criação de filhos e vida conjugal como se viessem direto das escrituras quando muitas vezes são 1)mera tradição cultural de lá ou 2)aplicações defeituosas ou mesmo plenamente falsas de princípios bíblicos. Fazemos o mesmo por aqui, claro, temos nossos próprios pontos cegos. Algumas visões deles sobre o assunto são puro legalismo, outras são tolice de nosso século, outras são tolices de outros séculos. É lamentável ver essa avidez com que crentes daqui tem bebido dessa fonte.
  • 4) Beligerância/linguajar/"sabetudismo": Juntei tudo num bolo só. Creio ser extremamente nociva a postura sabe-tudo, zombeteira e beligerante que Wilson usa. Essa sanha de estar sempre no turbilhão é contraprodutiva. Gera muito mais calor do que luz, e por vezes gera incêndios. Sim, já li vários posts em seu blogue, acompanhei muitas vezes suas posturas nas redes sociais, já vi vários de seus vídeos e gosto cada vez menos do que presencio: Linguajar e postura no falar que não condizem com alguém que é chamado a ser padrão dos fieis. Ah sim, não adianta me pedir provas e exemplos, não sou promotor público e isto aqui não é tribunal eclesiástico. Procure por si mesmo, caso deseje. Sei que muitos amam a postura de "falo a verdade, não tenho papas na língua e bato mesmo" na famigerada linha Malafaia/Ratinho/Kajuru/Olavo. Eu abomino esse estilo de discurso, e até entendo sua existência em políticos e apresentadores de TV, mas acho-o desprezível num ministro do evangelho. Discursar sobre todo tipo de assunto como se fosse a voz de uma geração, seja guerra Rússia x Ucrânia ou o que for o tem levado a dizer bastante bobagem. Parece querer ser o tempo todo controverso e provocativo, um verdadeiro amigo de contendas.
    Haveria ainda outros pontos como suas visões bizarras (e bem culturais) sobre o velho sul escravagista e racista dos EUA ou suas inclinações teonomistas. Mas já deu por hoje.

Em resumo: no que ele produz de bom, tem gente falando sobre a mesma coisa e melhor; no que ele produz de ruim é bem nocivo; e o que tem de sombra sobre ele é tão pesado que colocá-o de lado é, a meu ver, o ideal enquanto não chego à clareza. Aliás, falemos disso um pouco.

  • 5)Minhas discordâncias e cautela para com ele vêm de muito antes dessas questões que vieram à luz recentemente ligadas a acusações sobre abuso no universo Wilsoniano (igreja, escola, etc). Como falei, tem pelo menos 18 anos que tenho aprendido a ter cautela com ele. Li algumas coisas sobre as polêmicas de situações de abuso e vi alguns vídeos (inclusive alguns em defesa de DW); mas não fui exaustivo na questão, até porque trabalho em muitas frentes e minha vida não é ficar investigando isso. Há gente que se dedica sim a pesquisar o assunto e todos são livres pra ir fundo nisso. Material de pesquisa não falta e vai muito além de postagens aqui e ali em redes sociais
    Vale dizer que há gente em que confio e que respeito afirmando que ele fez muitas coisas ruins, ou que no mínimo fomenta uma cultura eclesiástica conduziva a situações assim. E há gente em quem confio e que respeito afirmando que não. Como ficar então? Ah, vale dizer ainda que não estou me referindo ao caso X ou Y. Mas a uma cultura que percebo sim nas falas e escritos da própria turma que traem uma visão torta de submissão, de criação de filhos, das mulheres, de autoridade e de casamento; isso tudo junto é, no mínimo, uma fórmula pra uma epidemia de abusos.
    Esse é um tema acerca do qual sou pessoalmente e pastoralmente muito sensível. Tenho ensinado minha igreja sobre isso a partir da escrituras quando a ocasião surge. Tenho a posição pessoal de que em casos de violência doméstica, abuso infantil, abuso sexual (inclusive marital), o certo a fazer é confiar em Deus e levar o caso à polícia, pois foi Ele que estabeleceu autoridades competentes e detentoras da espada para investigar e punir os malfeitores. Não é algo pra se manter no gabinete pastoral ou apenas no âmbito eclesiástico. Não detenho o poder da espada, nós líderes eclesiásticos temos outra esfera de atuação e a exercemos com rigor.
    Ou seja, toda essa sombra sobre o universo Wilsoniano me preocupa tremendamente, e não acredito na fácil saída de emergência dos que meramente gritam: "é armação dos progressistas". São situações demais em formas variadas demais e no mínimo, não acho sábio dar espaço para ele. E repito, não, não são somente progressistas criticando e apontando essa questão. Como falei antes, o que ele tem de bom não é tão bom assim e nem exclusivo dele; o que tem de comprovadamente ruim (sua teologia) é muito danoso, e ainda há toda essa sombra que está, no mínimo, muito mal explicada. Eu certamente não levaria um pregador constantemente envolto em controvérsias para pregar em minha igreja, mesmo que gostasse de algumas coisas que ele produz.

Tratemos de algumas questões que preciso tratar à luz disso tudo.

E sobre "dividir púlpito com ele"? Sim, irei participar de um evento em que serei preletor; e no qual estará o DW assim como dezenas de outros palestrantes.

Como funciona isso?

Ao aceitar participar de um evento teológico qualquer, não há, via de regra, aprovação mútua prévia de participação entre os preletores. Seria impraticável e constrangedor ficar consultando cada possível preletor acerca dos outros. Muitas vezes nem ficamos sabendo quem mais vai palestrar até sair alguma divulgação. Ainda mais num evento grande como a Consciência Cristã, onde já preguei com alegria e esmero cerca de 20 vezes ao longo de quatro edições (2019/21/22/23). O evento é longo e muito amplo, por vezes passo dias por lá e sequer vejo alguns dos outros preletores.
Já "dividi o púlpito" em eventos no Brasil e fora do Brasil com gente de quem discordo em questões importantes, e estou certo de que outros já se sentiram incomodados com minha presença no rol de preletores. Em nenhum congresso há expectativa e nem exigência de que haja endosso mútuo entre os que falam. Nenhum congressista deveria assumir que cada preletor endossa todos os outros. E não penso que um evento é “estragado” por ter um mau preletor, seja quem for. O evento é maior do que os palestrantes. E este evento em particular é organizado por queridos irmãos piedosos e bem-intencionados, que fazem um trabalho maravilhoso que não me canso de elogiar. Já falei muitas vezes que a CC é meu evento favorito do ano desde que o conheci.

Lamentei quando vi que ele foi chamado? Muito!! A meu ver os malefícios em muito ultrapassam eventuais benefícios de sua vinda.

Pensei em retirar meu nome?

Sim! Conversando longamente com meus pares presbíteros e pastores da igreja, decidi, entretanto, permanecer no convite que já tinha aceitado. Por amor aos organizadores (gente crente bem-intencionada a quem amo, admiro e respeito); por respeito ao público (na esmagadora maioria alheio a tudo isso); e reconhecimento para com a história do evento (uma trajetória belíssima) resolvi que não deveria me retirar, mas ir e cumprir bem a missão que já aceitara quando soube do convite.
Sim, estarei lá e pregarei quatro vezes (sendo uma plenária); fazendo o meu melhor pra servir ao público como nas minhas muitas pregações anteriores, se Deus permitir.

Vou ouvi-lo pregar? Não. Vou aproveitar meu tempo de um jeito melhor; seja passeando numa das melhores feiras de livros cristãos do país, ou fazendo meu costumeiro exercício no Açude Velho ou no Parque da Criança.

É isso. A quem teve paciência de ler com atenção, obrigado! Que Deus siga nos ajudando.

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