Como foi contar que sofri um abuso

Emma Xanax
5 min readMay 13, 2017

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No início de março deste ano, eu havia tido a pior recaída desde setembro de 2016. Minha ansiedade me levou a pensar coisas e relembrar acontecimentos passados com muita dor. Foram quatro noites seguidas muito pesadas, chorando bastante e completamente afundada em más lembranças.

Eu estava um pouco esquiva com o Esforçado. Minha autoestima estava baixa, ele estava no mundinho dele. Enquanto isso, um acontecimento do passado não parava de vir à minha cabeça: o abuso de um ex-namorado, que aconteceu no final de 2013.

Quando tenho recaída, fico apática. Quero me isolar, fico remoendo lembranças, chorando, me sentindo um lixo pelo que aconteceu. Eu ficava relembrando aquele ex me forçando a fazer sexo num dia que eu não estava bem.

Recaídas…

Foi numa manhã de domingo. Na madrugada anterior, tinha acontecido um evento de filmes no Espaço Itaú (tipo o Noitão do Caixa Belas Artes), com três filmes a partir da meia noite, com a última sessão terminando umas 6h30 da manhã.

Para aguentar, eu tomei DUAS latas de energético. Uma lata já me faz mal, imagine DUAS! Depois dos filmes, fui para a casa do dito cujo. Eu estava exausta, mas meu coração estava muito acelerado por causa do energético e eu estava enjoada. Só queria fechar os olhos e dormir.

Ele não: queria transar. Daí ficou insistindo, e eu dizendo “não estou bem, estou cansada, quero dormir…”. Mas era como se eu não estivesse dizendo nada. De repente ele começou a forçar e eu entrei em pânico. Comecei a chorar compulsivamente. Ele só parou porque me viu desesperada.

Tentou me acalmar, ficou dizendo que eu era linda. Foi super carinhoso — coisa que ele não era no dia a dia. Me tratou como se eu fosse uma “princesa”. Eu fui acalmando. Ele aproveitou que eu já estava mais calma e tentou de novo. Eu estava cansada, nem resisti. Mas não estava a fim, não queria.

Nisso que ele conseguiu o que queria, virou para o lado e falou “agora consigo dormir”. Quando acordei, mais tarde, só disse que não queria que aquilo se repetisse nunca mais. E não aconteceu de novo. Mas já estava feito: o abuso ficou na minha cabeça e, de vez em quando, tenho recaída quando relembro.

Contar isso agora não me causou nada. É um relato. Mas, para evitar um gatilho emocional, preferi não reler as mensagens que mandei ao Esforçado sobre isso.

No terceiro dia de recaída, eu estava fechada no meu quarto. Peguei uma garrafa de vinho de 375 ml e bebi, ouvindo música. Depois, peguei uma long neck de cerveja que tinha colocado para gelar. Uma hora, desabou a lembrança na minha cabeça e eu chorei compulsivamente. (Lembrando que não estava tomando medicamento porque minha consulta só seria na semana seguinte.)

Se estiver mal, não beba

Era madrugada de sexta para sábado, tipo uma da manhã, quando mandei uma mensagem para o Esforçado dizendo que estava com uma recaída muito forte e contei essa lembrança do abuso. Não demorou muito para ele responder algo como “não consigo imaginar como se sente”. Foi um apoio à distância.

Daí ele sugeriu desmarcar um compromisso no sábado à tarde para me ver. E foi isso. Depois eu dormi, acordei mal e fiquei o sábado inteiro esperando ele me escrever algo tipo “está melhor?”. Nada. Até parece que ele faria o mínimo esforço para me encontrar naquele dia.

Só pensei “outro que não dá a mínima para o que eu sinto”. A gente já tinha marcado um encontro no domingo de manhã, um evento que eu nem estava a fim de ir. Mandei uma mensagem no sábado à noite, dizendo que eu não iria mais. Aproveitei para desabafar que esperava mais dele, que me perguntasse como eu estava, e não me ignorasse o sábado inteiro depois do que eu tinha contado a ele.

A minha versão animada pela Pixar

Sabe o que é contar sobre um abuso desses a um cara com quem está saindo? É confiar. Eu confiei nele, eu me abri num momento de extrema dor emocional. E ele estava ocupado porque tinha que sair de casa para um aniversário.

Ele falou algo sobre encontrá-lo no domingo à tarde, se eu quisesse. Eu falei que iria pegar meu pote com ele (eu tinha deixado na casa dele um pote que nem era meu e precisava buscar), mas não falei nada sobre ir lá para vê-lo, só me interessava o pote mesmo.

Daí foi a vez de ele se fazer de vítima e ser um grosso comigo por mensagem. Falou que eu não precisava ir lá só para pegar meu pote, que esperava que eu quisesse vê-lo. Ele, que passou o sábado inteiro cuidando da própria vida, sem sequer procurar saber como eu me sentia, estava bravo porque eu estava mais preocupada com o pote do que com ele.

O que aconteceu? Eu me senti culpada, é claro. Pedi desculpas pela forma como me expressei, e ele deu um corte dizendo que não queria discutir, que eu estava descontando as coisas nele e que tinha que sair de casa para um aniversário. O lixão aqui ficou se sentindo mal por tudo, ainda por cima.

Estar deprimida e se sentir um lixo por causa do individualismo alheio

No dia seguinte, minha cabeça girava. Eu só pensava “tenho que ir lá preparada, ele vai me tratar que nem fez nas mensagens e falar algo como ‘melhor a gente parar de sair, você tem seus problemas, não vamos mais para Ouro Preto juntos’”.

E eu fui preparada para levar um fora. E ele disse que estava preparado para levar um fora de mim. Me encontrou no metrô, com a sacola e o pote dentro, e falou que não sabia se eu queria conversar ou só pegar aquilo mesmo. Eu disse que depois de tudo, seria bom conversar. E fomos à casa dele.

Ele era outra pessoa. Não era o cara que tinha sido grosso por mensagens no dia anterior. Era alguém amável e compreensivo. Eu confesso que me surpreendi e até senti um choque. Conversamos. Eu disse que só desabafei naquela mensagem porque precisava muito e não pretendia fazer de novo, já que pagava terapia para isso.

Ele perguntou se eu ainda queria viajar com ele, o que respondi “depois desses últimos dias, achei que você é que não fosse querer mais que eu fosse”. Afinal, eu tinha me convidado para ir.

Como terminou o encontro? Transamos. E nunca mais falamos no que tinha acontecido, como se fosse algo sem importância.

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Emma Xanax

Paulistana. Ansiosa. Metida a cult. Utilizo pseudônimo para preservar minha identidade porque tem muito louco por essas internets.