Propósito, Lucro e Comunicação: é preciso ir além do contar histórias.

Eric de Gaia
8 min readNov 23, 2019

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Essa semana rolou uma troca de aprendizados intensa — pelo menos foi pra mim — em um post no grupo do Facebook Planners BR (voltado para estrategistas de Comunicação). O post trazia um “Exercício Criativo” (sic.) sobre Propósito e a sua real relação com a estratégia de comunicação e o lucro das marcas/empresas/organizações.

A troca foi tão rica que me inspirou a transformar os aprendizados que tive — somados ao que tenho experienciado nos projetos que atuo como consultor e facilitador — em um texto que resume a minha opinião sobre o tema.

Como comentei no post, não tenho nenhuma intenção ou pretensão de “lacrar” ou findar o assunto, minha proposta aqui é levantar alguns pontos a fim de aprofundar a reflexão e disseminar ainda mais este tópico que, ao meu ver, urge por ser encarado de frente pelo mercado de comunicação.

Pra começar, esse foi o post que o Mário Rabello fez e que iniciou a troca de ideias no grupo Planners BR.

No mesmo dia eu havia publicado o texto “Propósito e Organizações (in) Coerentes” aqui no LinkedIn e o compartilhei no comentário do post, trazendo a minha reflexão sincrônica sobre o assunto.

Ainda sincrônicamente, estava trocando ideias por inbox com a Carla Purcino sobre o texto que escrevi, que havia compartilhado anteriormente com ela a fim de ouvir seus insights e críticas. Ela acabou também comentando no post (fig.), trazendo seus pontos de vista, outras pessoas comentaram e daí começou a troca mais intensamente, despertando o poder da Inteligência Coletiva que, tanto pelos comentários quanto pelas trocas por inbox, culminou no texto a seguir.

Ao meu ver, existe aqui uma questão semântica entre propósito e causa.

Poderíamos iniciar a troca clareando algumas definições: de maneira bem simplista, podemos entender propósito como a razão de existir do negócio enquanto a causa poderia ser entendida como uma externalidade, oriunda da sociedade/planeta que uma marca/organização/empresa pode abraçar e potencializar e que vai, por consequência, levá-la à lucrar mais.

Então, o propósito nasce com o negócio — ou seria o negócio nasce a partir do propósito? — e a causa é externa à ele. Faz sentido?

Porém, discordo que o Propósito (razão de existir) das organizações deva ser — somente — gerar LUCRO. Não estou dizendo que, no paradigma vigente, não seja este o objetivo da maioria dos negócios. O meu ponto aqui é que acredito que exista tanta coisa por “baixo” do mito do “Crescimento Econômico”, sustentado e potencializado pela concorrência, e que esta seja a única razão de existir dos negócios. Podemos começar pelo Paradigma da Escassez — olha ele aí de novo em outro artigo — (fig.); seguindo pelo sentimento coletivo de Medo (de que vai faltar, que vou perder, que não serei o melhor, que não serei aceito); daí vem o Ego… e por aí vai. Ganhe alguns minutinhos ouvindo o que o Charles Eisenstein fala sobre isso:

Também tem uma citação no livro “Reinventando as Organizações” do Frederic Laloux (vale muito a leitura) que resume com brilhantismo este ponto:

No Paradigma Vigente …. “se o propósito coletivo não é o que determina a tomada de decisões, o que é afinal? O sentido de AUTOPRESERVAÇÃO da organização. A natureza baseada no medo dos egos impulsivo; conformista; e realizador predispõe líderes e funcionários a verem o mundo como um lugar perigoso, com competidores em todos os lugares tentando roubar seu almoço. A única maneira de garantir a sobrevivência é aproveitar todas as oportunidades para obter mais LUCRO e ganhar participação de mercado, em detrimento dos concorrentes. No calor da batalha quem tem tempo pra pensar sobre propósito?” (página 192)

Não estou aqui afirmando que as organizações/marcas/empresas não devam ter lucro. Muito pelo contrário! Tem uma metáfora que eu gosto muito que diz: “lucro é como o ar que respiramos. Nós precisamos de ar para viver, mas não vivemos para respirar.” Ou seja, as organizações não precisam viver somente para gerar lucro (centralizar e acumular riqueza) mas precisam lucrar para viver. Muitas ainda seguem esse paradigma, concordo, porém é aqui que vejo a oportunidade para a transição para um novo paradigma. Uma nova forma mais consciente de pensarmos, fazermos e comunicarmos negócios.

Vários estudos já mostram que as organizações orientadas por propósito têm maior potencial de geração de lucro. (Edelman GoodPurpose, 2012; The Business Case for Purpose HBR; Three Predictions for the Workplace Culture of the Future; pra citarmos alguns).

Um não inviabiliza o outro, muito pelo contrário, potencializa!

Isso me fez lembrar de uma frase do David Droga, que diz:

Essa é a vibe do propósito pra mim: CORAGEM (agir com o coração) acima do instinto de autopreservação.

Indo além, atualmente não vejo mais o propósito como o fim. Hoje acredito no propósito como o meio, o FLUXO. Acredito que o propósito transformador emerge do COMO manifestamos diariamente a cultura organizacional; os processos; as relações humanas; a inovação de produtos; a relação com fornecedores; etc. — como bem disse o Iuren Ramiro no comentário dele no post — tudo isso orientado pelo senso comum e coletivo de RESILIÊNCIA (das próprias organizações e do planeta) e de REGENERAÇÃO da VIDA.

“Ih, lá vem o publicitário haribô, abraçador de árvores”, alguns dirão.

Sim, acredito que há de vivermos e trabalharmos para algo maior do que simplesmente convencermos as pessoas a comprarem coisas que elas, na maioria das vezes, não precisam e, com isso, gerar mais lucro (riqueza centralizada) para os acionistas!

Parafraseando Yvon Chouinard, fundador e proprietário da Patagônia (uma das principais referências de organizações com propósito) um negócio pode promover vários benefícios para a sociedade e o planeta e ainda gerar lucro sem perder a sua ALMA”.

Ou também como diz a consultora e escritora Margareth Wheatley:

  • “No coração de toda organização está uma individualidade buscando novas possibilidades”.

Ainda vou fazer uma camisa com os seguintes dizeres:

Todo mundo quer dizer que tem/faz, mas ainda com o mesmo objetivo fim de lucrar mais.

Paradoxalmente, tanto um (propósito) como o outro (sustentabilidade), se AUTÊNTICOS e manifestados em todas as ações da organização, realmente geram mais lucro. Louco, né?

Se até o Michael Porter, pai da concorrência, reconheceu isso e hoje roda o mundo falando sobre a Criação de Valor Compartilhado (vale a leitura), por quê nós planners/publicitários/consultores/etc. não podemos levar um pouco de Consciência e Propósito para os projetos com os quais nos envolvemos?

Aqui abre-se um outro ponto importante: não acho que seja o papel do planner, enquanto responsável pela estratégia de comunicação, buscar qual o propósito da organização, a fim de solucionar um desafio de comunicação ou construção de uma campanha publicitária. Até ouso provocar uma outra reflexão mais contundente: será que seria este o papel das agências? Descobrir, criar, encontrar um propósito, somente com o intuito de transformá-lo em uma campanha publicitária?

O Mário Rabello compartilhou o ótimo texto provocativo “Why Purpose Marketing And Planners Need To Be Stopped” nos comentários do post original, que aprofunda um pouco mais essa reflexão.

Recentemente vimos algumas marcas fazendo isso e suas campanhas não foram tão bem recebidas. Justamente por que eram discursos vazios, sem ações efetivas na entrega da Proposta de Valor e no negócio das organizações. (Aqui outro artigo compartilhado nos comentários do post, que aborda essa questão e aqui mais um que também fala sobre isso).

  • Estamos esvaziando o real sentido do Propósito e o transformando em simples conceitos de campanha. (da mesma forma que fizemos com a sustentabilidade há alguns anos atrás)
  • É urgente irmos além do contar histórias… É chegado o momento de FAZERMOS HISTÓRIA(s) e, assim, ‘agitarmos’ o COMPARTILHAR HISTÓRIAS.

Acredito que a descoberta do propósito de uma organização — no sentido de que o propósito já exista e de que é preciso “limpar” o quê o está encobrindo — seja um processo de responsabilidade da área de negócios e gestão da empresa e não da área de Comunicação ou da agência de publicidade. Processo esse que deve anteceder, e muito, a estratégia de comunicação. A descoberta do propósito é somente o primeiro passo para colocá-lo em prática — interna e externamente — em ações de negócio e em processos que vão impactar profundamente na Cadeia de Valor da Organização e a vida das pessoas.

Como gosto de dizer, usando a natureza como inspiração, o propósito é somente a semente — intenção — da organização, que precisa ser regado, cuidado (relações humanas), adubado, e exposto ao sol (processos, cultura organizacional, etc.) diariamente, para que ele possa germinar (P&D), crescer (vendas, inovação na Cadeia de Valor) e, assim, dar frutos (lucro + impacto na vida das pessoas e do planeta) e, só então, se preciso for — ser polinizado (Comunicação). Mas, pra não me alongar muito, acho que essa metáfora pode ser o ponto de partida pra um outro artigo. ;-)

Enfim, adoro esse tema e ele vem sendo meu objeto de estudo e práticas em consultorias — algumas delas, inclusive, para agências de publicidade — palestras e workshops nos últimos 6 anos. Quem quiser seguir a troca é só chamar.

Obrigado, mais uma vez pela provocação inicial Mário Rabello, pelas trocas sinceras Paula Purcino e pelos insights Iuren Ramiro e toda a galera do Planners BR que comentou no post.

Vâmo que AMO! ❤

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Eric de Gaia

Pai da Rosamarina e da Romã; Facilitador de Projetos Colaborativos e Catalisador de Comunidades Regenerativas na Quimera/Lab. de Inovação Regenerativa.