Eu não sabia na época, mas acho que posso dizer que eu fui uma pessoa com uma intuição afiada. Vou dar um exemplo: um dia, fui deixar um recadinho fofo numa folha aleatória do caderno de um namoradinho. Abri e encontrei uma página inteira escrita com coisas que eu não lembro mais. Coisa de estudo mesmo. Só que uma palavra me chamou muito a atenção. Não havia nada demais nela, não estava fora de contexto na página, não tinha cor diferente.
Seis meses depois, eu fui usar o computador do namoradinho pra ver meu e-mail. Naquela época, a gente fazia isso de chegar na casa dos outros e usar o computador alheio pra ver as mensagens que recebeu. Quando eu comecei a digitar, auto completou com um email que eu não conhecia. Perguntei de quem era e o namoradinho disse que era do irmão dele. Fazia sentido, já que a família toda usava o mesmo computador. Só que eu não consegui dormir, inquieta, rolando de um lado pra outro na minha cama. Levantei, fui pro computador da minha casa, digitei o email que eu tinha visto mais cedo e a palavra do caderno que eu tinha visto 6 meses antes. Entrou. Era a caceta de uma senha.
Eu gostaria de dizer que o conteúdo não vem ao caso, porque, na verdade, vem. A minha intuição tava me dando todos os sinais de que o arrombadinho tava me traindo. Sinais esses que eu estava ignorando há um bom tempo porque não tinha como comprovar. Ele dizia que eu tava inventando coisas na minha cabeça.
Depois de adulta, eu passei a ouvir a minha intuição atentamente. Se meu santo não batesse com o de alguém, era só questão de tempo até essa pessoa se mostrar falsa, mentirosa, invejosa, que roubava dinheiro do dízimo, que tinha caso com uma aluna, coisas assim.
O problema dessa intuição que não falha é que, combinada com o meu transtorno de ansiedade generalizado, eu não conseguia discernir o que era intuição e o que era um surto, o que era taquicardia provocada pela minha cabeça ou que era o presságio de algo ruim que estava pra acontecer. Teve uma vez que eu comprei passagens pra uma viagem e, na véspera, eu comecei a chorar desesperadamente porque eu tive certeza que eu ia morrer num acidente, que o avião ia cair, que eu ia deixar minha filha órfã. Não era premonição, era crise de pânico.
Se ansiedade fosse um superpoder, eu seria a Dra. Estranho. Isso porque eu consigo enxergar todas as formas como uma situação pode dar errado. Assim chega a ser covardia dizer que foi intuição, já que na minha cabeça eu pensei em tudo que poderia ser feito e dito sobre algo.
Um dia, a intuição se tornou um fardo. Eu acordei de um pesadelo, que eu tinha certeza que era um aviso, mas sem conseguir entender o significado. Então, eu respirei fundo, fechei os olhos e disse algo como: quem me deu essa intuição, eu agradeço, mas preciso que pegue de volta por um tempo. Eu não tô dando conta, eu tô enlouquecendo, obrigada. Dormi tranquilamente e, por um ano, eu tive zero intuição. Inclusive, me fodi com pessoas que eu tenho certeza que ela teria apitado que nem uma sirene se eu não tivesse sido mal educada e devolvido o presente.
Recentemente, uma irmã da minha avó faleceu. Foi de repente, ninguém tava esperando. Quando minha avó recebeu a notícia, ela chorava desesperadamente dizendo “eu falei pra vocês que eu queria ver ela”. Minha mãe contou que meu pai passou a semana toda cabisbaixo, aperto no peito. Quando ela perguntou o que ele tinha, ele respondeu: “só espero que não seja um dos nossos”. Minha tia chegou a confessar que sonhou com algo e que tava até com medo de dormir pra não receber mais recado. Eu só franzi a testa e do alto da minha arrogância, como se não soubesse que sentimento era aquele, respondi: “terapia, né?”.
Uns tempos atrás, comecei a ficar incomodada com a presença de uma pessoa do meu convívio. Tipo muito incomodada, me controlando pra não ser grossa com ela. Achei que tava com ciúme da proximidade com outras pessoas que eu conheço e fui administrando. Pois essa semana eu descobri que a pessoa que tava me incomodando aprontou horrores com outra pessoa. Depois da raiva, eu fiquei aliviada por perceber que não era ciúme o que eu tava sentindo, porque acho esse um sentimento horrível de se ter. E aí, assim que percebi que não era ciúme, eu respirei fundo, olhei pro alto e falei:
- Não era pra ter devolvido!