Conheça a história dos seis rubro-negros citados no samba da Estácio

Eric Torres
9 min readSep 27, 2019

--

“Cobra coral/Papagaio vintém/Vesti rubro-negro/Não tem pra ninguém”. O verso da música “Uma Vez Flamengo”, da escola de samba Estácio de Sá, afirma que o manto vermelho preto não é usado por qualquer um. A canção foi uma homenagem para o Centenário do Clube de Regatas do Flamengo, em 1995. O enredo conta a história da instituição desde a fundação, com o remo, até a maior glória Rubro-Negra, o Mundial de 1981. Além de Zico, maior ídolo da Gávea, outros seis nomes são mencionados na letra. Mas quem são eles? Porque foram citados? E antes que você pergunte, não são os seis remadores que fundaram o grupo de regatas — apesar de eles também merecerem um texto contando sobre suas origens, mas isto fica para outra hora. Levando em conta que esta música retrata 100 anos do clube e que o fato de eles serem citados os tornam relevantes, vamos esmiuçar suas carreiras e contar porque são importantes para o Flamengo.

Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”

O Diamante Negro

Pioneiro. Este é o adjetivo mais apropriado para Leônidas da Silva. O “Diamante Negro” foi um gênio dentro de campo e, fora das quatro linhas, soube promover seu nome como nunca, tendo popularidade comparada com a do presidente da República, Getúlio Vargas. O craque encantou o mundo principalmente por suas atuações pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1938, pelo Flamengo (clube pelo qual jogou de 1936 a 1941) e pelo São Paulo.

Leônidas talvez seja o mais famoso dessa lista. No campo, era conhecido também como “Homem-Borracha” por impulsionar uma jogada que poucos conheciam: a bicicleta. O craque admitia que não foi ele quem inventou o lance acrobático, mas que só havia popularizado o movimento que já era praticado nas ruas. A jogada era tão plástica que em 1938, na França, o craque tornou-se o primeiro jogador a fazer um gol de bicicleta em uma Copa do Mundo. Entretanto, infelizmente o lance foi anulado, pois o juiz desconhecia o movimento e o considerou ilegal. Apesar disso, o nome do craque segue até hoje ligado à bicicleta.

Pelo Flamengo, Leônidas foi o responsável por popularizar o Rubro-Negro, que hoje tem a maior torcida do país. Por conta da fundação do clube ligada às elites da então capital federal, o craque foi encarregado por romper, simbolicamente, o muro que separava o clube de futebol da população mais pobre. Na Copa de 1938, Leônidas era o representante do Rubro-Negro na França e, por ser um jogador muito popular no país, impulsionou a fama do Flamengo em todo território nacional. O resultado da seleção brasileira no Mundial foi importante também, já que o time alcançou a terceira colocação e, além do mais, foi transmitido pela primeira vez pelo rádio, dando uma exposição gigantesca à Leônidas.

Agora, longe dos gramados, Leônidas foi o primeiro atleta da história do futebol brasileiro a usar o marketing e a imprensa para se popularizar. E uma história pouco conhecida exemplifica isso. No fim da década de 1930 a Lacta criou um chocolate crocante muito badalado na época e que até hoje tem enorme sucesso. Visando alavancar suas vendas, a empresa convidou Leônidas para ser garoto-propaganda do produto, que passou a se chamar “Diamante Negro”, o mesmo nome que o craque já tinha. Sua fama ajudou a popularizar ainda mais o chocolate, que até então é o mais vendido no Brasil. O gênio também fez propaganda para relógios e cigarros, e foi o primeiro ex-jogador a tornar-se comentarista esportivo de rádio no país.

João Batista de Sales, ou simplesmente, Fio Maravilha

Fio-Maravilha

Seguindo a ordem da música encontramos um jogador que era conhecido por ser um tanto quanto “desengonçado”. Cria da base do Flamengo, João Batista de Sales começou a carreira na Gávea aos 15 anos. Apesar de não ser nenhum craque, ele era muito querido pela torcida rubro-negra, principalmente depois de um gol que marcou sua vida em 1972.

Em um amistoso contra o Benfica no Maracanã, João Batista saiu do banco no segundo tempo e marcou o único tento da partida, garantindo a vitória do Flamengo e levando a torcida à loucura nas arquibancadas. Ao balançar as redes, João eternizou-se como “Fio Maravilha”. E com o gol veio o apelido, que depois tornou-se uma das canções de maior sucesso no país, composta por Jorge Benjor.

Pelo Flamengo, “Fio Maravilha” marcou 44 gols em 167 jogos e conquistou dois Campeonatos Cariocas: 1965 e 1972.

Domingos da Guia, o “Divino Mestre”.

O Divino Mestre

O terceiro personagem da canção é Domingos da Guia. Ele foi revelado pelo Bangu e sua ligação com o Alvirrubro é tão grande que seu nome é citado no hino do clube. Além de vestir camisas tradicionais do futebol brasileiro e sul-americano, Domingos foi referência para os zagueiros, sendo inclusive considerado por muitos como o melhor da história na posição. Quando foi contratado pelo Nacional de Montevidéu, os torcedores se revoltaram alegando que não precisavam de um zagueiro, pois já tinha Nasazzi, campeão sul-americano, olímpico e mundial com o Uruguai. Mas quando Domingos saiu e retornou ao Brasil, os uruguaios disseram que só aprenderam o verdadeiro significado da palavra “zagueiro” após a passagem do craque pelo país. Foi no Uruguai que ele ganhou o apelido de “Divino Mestre”.

Domingos era conhecido por sair driblando os atacantes adversários dentro de sua área. Apesar do risco, sempre executou com perfeição e a jogada ficou marcada como “Domingada”. No quesito marcação, ele era impecável.

Pelo Flamengo, Domingos disputou 223 partidas e foi tricampeão carioca. No bicampeonato estadual em 1942 e 1943, a defesa rubro-negra foi menos vazada nas duas edições do torneio. O zagueiro é considerado por muitos como um dos quatro maiores ídolos do clube da Gávea.

Vestindo a camisa da seleção brasileira, Domingos da Guia conquistou o título da Copa Roca de 1945 e disputou apenas a Copa do Mundo de 1938 (sendo inclusive eleito o melhor da posição no torneio), devido à II Guerra Mundial, que impossibilitou o Mundial na década de 40. Ele detém um recorde que perdura até hoje: Domingos foi titular da seleção de 1932 a 1945. Jamais nenhum outro zagueiro conseguiu superar a marca.

Domingos da Guia encerrou sua carreira jogando pelo clube que o revelou e contra o Flamengo. O Bangu venceu por 2 a 1 e conquistou a Taça Euvaldo Lodi, em 1950. A partida marcou o último ato do “Divino Mestre”.

Zizinho, o maior antes de Zico

Inspiração de Pelé e o maior antes de Zico

Tomás Soares da Silva tentou ingressar no futebol pelo America do Rio, mas logo de cara foi reprovado por ser franzino. O Mecão era o clube do coração dele. Mas quem diria que pouco depois, outras cores fariam o jovem meio-campista tornar-se um dos maiores da história do futebol brasileiro.

E a história de Zizinho começa com uma “troca de bastão”. Em um treino na Gávea, Leônidas da Silva sofreu uma contusão e teve que deixar o coletivo. Foi então que o técnico Flávio Costa decidiu chamar um garoto para substituir o “Diamante Negro”. A atuação chamou a atenção de todos e no final, Zizinho ouviu a frase “corte o cabelo e volte amanhã”. Ele voltou, e foi integrado ao time principal, onde assumiu uma vaga na equipe. Começava ali uma trajetória de glórias e conquistas que duraria 11 anos.

No time que ainda tinha Domingos da Guia, Biguá, Valido, Perácio e Pirilo, Zizinho conduziu o Flamengo ao título do Carioca de 1942. O esquadrão rubro-negro venceu 20 dos 27 jogos que fez naquele estadual. Terminou com o melhor ataque (87 gols) e a melhor defesa (29 gols). Zizinho marcou onze vezes e foi um dos destaques da equipe. No ano seguinte, ele foi convertido no primeiro meio-campista clássico do futebol brasileiro. O clube da Gávea levou o título carioca mais uma vez, com direito a goleadas expressivas, sobre o Vasco (6 a 2), Botafogo (4 a 0) e Bangu (5 a 0).

Em 1944, Zizinho entrou para a história do Flamengo por fazer parte do time que conquistou o primeiro tricampeonato carioca. No clube da Gávea, ele era ídolo e celebridade, sendo um dos mais admirados da época não só pelos companheiros, mas também pelos adversários. Pena que sua saída do Rubro-Negro tenha sido de forma tão desagradável. Zizinho foi vendido ao Bangu sem o seu conhecimento. A negociação foi tramada entre os presidentes dos dois clubes, sem a consciência do craque. Dario de Melo Pinto teria dito em um jantar com Guilherme da Silveira Filho que “não existia jogador inegociável”. O magnata do Bangu fez a proposta e a transação foi concluída por 800 mil cruzeiros, uma fortuna na época.

Além da famosa passagem pelo Flamengo, Zizinho também ficou marcado por vestir a camisa da seleção brasileira. Ele conquistou o título Sul-Americano de 1949 e comandou o Brasil à final da Copa do Mundo de 1950. A derrota para o Uruguai na decisão, diante de 200 mil pessoas no Maracanã, marcou sua carreira. Ele ainda foi escolhido o melhor jogador daquele Mundial, mas jamais esquecera o revés histórico. Ainda assim, Zizinho foi inspiração para o Rei do Futebol: Pelé.

Ao todo, o mestre Ziza marcou 145 gols em 318 jogos pelo Rubro-Negro.

Marcos Cortez, o Pavão

Pavão

Eternizado em música e zagueiro do segundo tricampeonato carioca e do esquadrão que desfilou pela Europa na década de 50, Marcos Cortez estreou pelo Flamengo na vitória por 4 a 2 sobre o São Paulo, pelo Torneio Rio-São Paulo de 1951. Seu primeiro gol saiu dois meses depois do primeiro jogo, no amistoso contra o Sundvall, da Suécia. Pavão se tornaria um dos pilares do time que ainda teria jogadores como o goleiro García, Joel, Rubens, Índio, Biguá e Dequinha.

O Flamengo dominou o futebol carioca em 1953, 1954 e 1955. O segundo tricampeonato estadual consagrou Pavão, que também foi importante na conquista do bicampeonato do Torneio Internacional do Rio de Janeiro, derrotando Deportivo La Coruña, da Espanha, e o Fluminense no título de 1954 e os argentinos Racing e Independiente em 1955.

No Fla, Marcos Cortez fez 348 jogos, entre 1951 e 1958, obtendo 222 vitórias, 67 empates e sofrendo 59 derrotas. Marcou cinco gols. Além de ser citado no samba da Estácio, Pavão também foi homenageado no Samba Rubro-Negro, de Wilson Batista e Jorge de Castro. A música, sucesso entre os torcedores, dizia: “O mais querido/Tem Rubens, Dequinha e Pavão/ Eu já rezei pra São Jorge/ Pro Mengo ser campeão”. Nos anos 80, o cantor e compositor João Nogueira atualizou os versos para “O mais querido/Tem Zico, Adílio e Adão”.

Érica Lopes, a Gazela Negra

Gazela Negra

O maior nome do atletismo rubro-negro. É assim que o próprio site do Flamengo descreve Érica Lopes. Ela foi uma velocista que conquistou tudo nas provas de 100 e 200 metros nos anos 1960. O apelido “Gazela Negra” surgiu nos Jogos da Primavera, promovido pelo Jornal dos Sports, de Mário Filho. E o domínio na modalidade no Rio de Janeiro foi absoluto.

Érica chegou ao Flamengo em 1960, aos 22 anos de idade, após destacar-se por clubes no Rio Grande do Sul. Logo tornou-se um verdadeiro fenômeno no Rubro-Negro. A Gazela Negra foi responsável por conquistar para a Gávea vários Campeonatos Estaduais e títulos do Troféu Brasil de atletismo. “Fui campeã carioca desde que cheguei. A primeira coisa que eu quis saber quando cheguei aqui eram os recordes femininos que tinham, porque eu queria bater todos. E bati”, disse ela em entrevista à TVFLA em 2013.

Na mesma entrevista à TVFLA, Érica revelou que chegou a defender o Flamengo nas pistas, no dia do enterro de sua irmã. Ela disse que mesmo com a morte de sua irmã, sonhava em ganhar o título do Troféu Brasil. Ela contou que estava triste, chorando, mas venceu todas as provas e conquistou o campeonato.

Ídolos fazem história, marcam época, são admirados e exaltados. Os seis engrandeceram o clube, foram homenageados e trazem à tona memórias gloriosas.

“Diamante Negro, Fio Maravilha, Domingos da Guia, Zizinho e Pavão. Gazela Negra, corre o tempo no olhar”.

O Flamengo agradece.

--

--