A Rejeição do Dogma da Imaculada Conceição por São Bernardo de Claraval e alguns Papas

Tradição Reformada
6 min readMar 16, 2020

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O dogma da Imaculada Conceição é o ensino de que a Virgem Maria foi purificada e liberta da mancha do pecado original antes de Seu nascimento, para que dela pudesse nascer o Puro Cristo.

A festa da Imaculada Conceição, comemorada em 8 de dezembro, de fato foi instituída no Calendário Litúrgico da Igreja Romana (pelo Papa Sisto IV) por volta de 28 de fevereiro de 1477. Contudo, antes e depois disso houve diversas disputas teológicas e filosóficas na Igreja Romana acerca da veracidade do ensinamento mariológico que fundamenta essa festividade. Como dogma oficial a Imaculada Conceição só foi solenemente definida em 8 de dezembro de 1854 (pelo Papa Pio IX).

Antes da proclamação como dogma, porém, a Imaculada Conceição já era rejeitada por reformados, luteranos, outros protestantes e até mesmo pela Igreja Ortodoxa.

São João Maximovitch, santo da Igreja Ortodoxa, defendendo que a Ortodoxia sempre rejeitou a Imaculada Conceição, escreveu em seu tratado A Veneração Ortodoxa à Mãe de Deus:

Nenhum dos antigos Santos Padres diz que Deus, de maneira miraculosa, purificou a Virgem Maria enquanto ainda estava no ventre; e muitos indicam diretamente que a Virgem Maria, assim como todos os homens, suportara uma batalha contra o pecado, mas foi vitoriosa sobre as tentações e foi salva por Seu Divino Filho.

Essa visão exposta acima também é sustentada pelos reformados confessionais. Sabemos que a Igreja Reformada Confessional, embora não tenha uma declaração formal contra a Imaculada Conceição em toda sua história, ainda assim sempre rejeitou de maneira geral não só esse dogma como toda forma de ensinamento que negue a verdade bíblica de que Jesus Cristo foi o único a nascer sem herdar a mancha do pecado original (o leitor pode conferir sobre a posição reformada confessional quanto a isso nas seções da Segunda Confissão Helvética, das Três Formas de Unidade, dos Trinta e Nove Artigos de Religião e dos Símbolos de Westminster que tratam sobre a Queda e o Pecado Original).

Para a grata supresa de protestantes e ortodoxos também existiram católicos romanos (e dos mais respeitáveis) que rejeitaram o ensino da Imaculada Conceição. É o que será mostrado a seguir.

REJEIÇÃO EM SÃO BERNARDO DE CLARAVAL

São Bernardo, já na época em que as celebrações da Imaculada Conceição haviam de ser instituídas, negou essas festividades. Nas palavras do historiador eclesiástico Philip Schaff, São Bernardo as negou “como uma falsa honra à Virgem real, que ela não precisava, e como uma inovação não-autorizada, que era a mãe da temeridade, a irmã da superstição, e a mãe da leviandade. Ele urgiu contra isso que não foi sancionado pela Igreja Romana. Ele rejeitou a opinião da Imaculada Conceição de Maria como contraria à tradição e derrogatória à dignidade de Cristo, o único ser sem pecado.”[1]

São Bernardo justifica sua oposição:

Agora estou temeroso, vendo que alguns de vocês desejaram mudar a condição de importantes matérias, introduzindo um festival novo e desconhecido na Igreja, não aprovado pela razão, injustificado pela antiga tradição. Somos nós realmente mais instruídos e pios que nossos padres? Vocês dirão, 'Deve-se glorificar a Mãe de Deus tanto quanto possível.' Isso é verdade; mas a glorificação oferecida à Rainha do Céu exige discernimento. Esta Virgem Real não precisa de falsas glorificações, possuindo como Ela possui verdadeiras coroas de glória e sinais de dignidade. Glorifiquem a pureza de Seu corpo e a santidade de Sua vida. Maravilhem-se com a abundância de dons desta Virgem, venerem Seu Divino Filho; exaltem Ela Que concebeu sem conhecer concupiscência e deu à luz sem conhecer a dor. Mas o que ainda é necessário adicionar a estas dignidades? O povo diz que deve-se reverenciar a concepção que precedeu ao nascimento glorioso; porque se a concepção não houvesse precedido-o, o nascimento também não seria glorioso. Mas o que aconteceria se alguém dissesse que, pelo mesmo motivo, deveria haver o mesmo tipo de veneração ao pai e à mãe da Santa Maria? Alguém poderia igualmente desejar o mesmo para Seus avós e bisavós, ao infinito. Além disso, como não haveria pecado num lugar em que houve concupiscência? Que alguém não diga que a Santa Virgem foi concebida pelo Espírito Santo e não por um homem. Eu digo decisivamente que o Espírito Santo desceu sobre Ela, mas não que Ele veio com Ela. [2]

O apologista católico romano Ludwig Ott[3] confirma que São Bernardo de Claraval, na ocasião da instituição da Festival das Luzes (em torno de 1140), alertou que essa era uma inovação sem fundamento, e ensinou que Maria não foi santificada antes da concepção, posição que influenciou não só teólogos católicos romanos como São Boaventura e São Tomás de Aquino como também os reformadores Ulrich Zwingli e Heinrich Bullinger.

A REJEIÇÃO EM SETE PAPAS

Até mesmo alguns Papas rejeitaram a Imaculada Conceição, a saber (7): Leão I, Gregório I, Inocêncio III, Galásio I, Inocêncio V, João XXII e Clemente VI.

Declaração de Leão I:

Portanto, entre os filhos dos homens, apenas o Senhor Jesus foi nascido inocente, porque apenas ele foi concebido sem a polução da concupiscência carnal. [4]

Declaração de Inocêncio III:

Ela (Eva) foi produzida sem pecado, mas ela produziu o pecado, ela (Maria) foi produzida no pecado, mas produziu sem pecado. [5]

Declaração de Gelásio I:

Pertence apenas ao cordeiro imaculado a ausência de pecado. [6]

Sobre as citações dos outros papas e para um aprofundamento melhor quanto às declarações dos três citados acima é recomendável à leitura da magnífica obra Creeds of Christendom (em inglês) do historiador Philip Schaff, onde ele trata da questão da Imaculada Conceição de maneira mais exaustiva e também aborda sobre as posições igualmente negacionistas de outros santos da Igreja Romana como São Boaventura, São Tomás de Aquino e Santo Anselmo de Cantuária.

CONCLUSÃO

Vimos que a Imaculada Conceição é rejeitado não só por opositores da Igreja Romana como também por notáveis ícones históricos que fizeram parte dela (dentre os quais até mesmo o doutor angélico São Tomás de Aquino).

Para encerrar, o teólogo S. Lewis Johnson explica de forma resumida a posição quanto à Imaculada Conceição dentro do Catolicismo Romano:

Anselmo acreditava que Maria havia nascido com o pecado original. Bernardo de Claraval contendia que ela foi concebida com o pecado original, mas purificada antes do nascimento. Tomás de Aquino e os Dominicanos criam nessa visão, mas Duns Scotus popularizou a visão de que Maria foi concebida sem o pecado original, e sua visão eventualmente prevaleceu, apesar do Papa Sisto VI em 1485 e o Concilio de Trento em 1546 terem deixado esse assunto como não-resolvido. [7]

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[1] SCHAFF, Philip. Creeds of Christendom, 1:121-122.

[2] S. Bernardo, Ep. 174.

[3] OTT, Ludwig. Fundamentals of Catholic Dogma, p. 201.

[4] Citado por Walter Burghardt em Juniper B Carol, Mariology, 1:146.

[5] De festo Assump., sermão 2.

[6] Gellasii papae dicta, vol. 4, col 1241, Paris, 1671.

[7] JOHNSON, Lewis. Mary, the Saints, and Sacerdotalism, em John Armstrong, Roman Catholicism: Evangelical Protestants Analyze What Divides and Unites Us, p. 121.

Por Ermeson Steiner

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