[Tradução — Texto] Ashanti Alston — Anarcopanterista

Escurecendo o Anarquismo
10 min readFeb 13, 2023
Publicação original do texto Anarcopanterista de Ashanti Alston no jornal Lova and Rage

Anarcopanterista[1]

No Partido dos Panteras Negras (Black Panther Party — BPP), quando alguém dizia “Poder para o Povo!”, a resposta seria “TODO Poder para o Povo!” Após muitos anos de encarceramento político, empregando o fácil de usar Empoderamento Educacional de Malcolm-Eldridge[2], essa chamada/resposta tomaria um significado mais anarquista. Isso é sobre a minha experiência no hoje enquanto um anarquista (novato) em uma formação, de forma geral hierárquica, dos Panteras.

Foi somente esse ano, em janeiro de 1995, que eu decidi publicamente me identificar um anarquista. De brincadeira, eu inventei um termo para me identificar de forma completa: @narcopanterista (pensando na palavra Sandinista, ha!). No entanto, só por diversão, decidi manter. Sou eu. Bobo, anarquista, de verdade.

Enquanto um adolescente politicamente ativo nos anos de 1960, vivendo naqueles tempos magníficos e turbulentos, eu estava pronto quando meu Companheiro (Jihad Abdul Mumit, hoje um prisioneiro de guerra[3] na Lewisburg Stalag[4], Pensilvânia) e eu fomos inicialmente atraídos pela aquela imagem do Huey e Bobby[5]. Boina preta, jaqueta preta, pretos até as botas. E armados! Panteras. É, vamos ver qual é a deles.

Nossa política nacionalista e rebelde começou a se desenvolver em algo mais revolucionário e focado. Aprendemos sobre ideologia, organização, preparação, camaradagem, ousar. Quando comecei a ter uma noção melhor, eu estava convencido: revolução Pantera, lumpemproletariado, guerrilha urbana, programa de sobrevivência Servir ao Povo, Condenados da Terra[6], “o Livrinho Vermelho”[7], irmãs Panteras em papéis de liderança, Vitória…

Resumindo, os Panteras me ajudaram no “processo de me tornar”, em relação a que um revolucionário dedicado à liberdade, liberdade e mais liberdade é sobre. Nunca se deve parar de aprender e crescer e trabalhar para o Povo.

Meus mais de 12 anos no Empoderamento de Malcolm-Eldridge me levou a, na prisão, aprofundar meus aprendizados e entendimento de muitas coisas: Wihelm Reich e a Escola de Frankfurt de psicologia, várias escolas de pensamentos e críticas de feministas radicais[8] e a metodologia de educação comunitária e empoderamento de Paulo Freire. E James Boggs[9] me manteve preso ao poder da classe mais baixa Preta na Babilônia. Em resumo, eu não estava apenas aprendendo algumas coisas fortes, mas eu estava sendo desafiado a deixar de lado alguns antigos métodos, crenças e mentalidades que eram retrógrados e antirrevolucionários.

A certa altura, enquanto no campo de concentração de Marion, um Pantera e um frio revolucionário siciliano me deram algumas literaturas anarquistas. Mas preciso falar a verdade, meus ensinamentos marxistas-leninistas-maoístas já haviam me enviesado contra essa merda. Então eu estava bastante relutante em ver qual era. Mas eu amava aqueles irmãos. A parada é que quando você está trancado e segregado há meses e já leu todas as outras merdas, você fica entediado. Depois de um tempo, você vai pegar papel higiênico para ler! O que aconteceu foi que eu li aquela merda e apesar do que as minhas autoridades marxistas-leninistas-maoístas haviam falado contra aquilo, esse anarquismo levantava uns pontos interessantes.

Conforme eu relaxava a minha mentalidade, eu aprendia mais. Combinado com os conhecimentos das psicologias mais progressistas e radicais e as críticas feministas, coisas que eu experienciei no passado e meu entendimento da história do movimento começaram a me parecer diferentes. Estrutura, sexismo, pressão dos colegas de forma autoritária contra a individualidade, espontaneidade, criatividade e amor. Vim a descobrir que esse cara chamado Bakunin tinha algumas críticas válidas ao deus Marx, e Kropotkin foi fundo nas merdas do Lenin e que a revolução marxista não era o único caminho a seguir.

Anos antes (antes da minha captura em 1974), outro Pantera, Frankie Ziths, havia me dado uma coisa mimeografada sobre o anarquista Makhno e suas forças e sobre o seu tratamento sórdido pelos bolcheviques. Eu não pude compreender na época, mas hoje, 15 anos depois, eu li de novo e de novo. Frankie era assim — um pensador muito, muito crítico. Não respeitava títulos. A prática conta. Meu Companheiro morreu antes que eu pudesse dizer obrigado.

O anarquismo acabou por significar o mesmo objetivo de longo prazo defendido pelo meu movimento nacionalista revolucionário e o movimento radical de forma geral em relação à evolução e criação de uma sociedade comunista. Os anarquistas diferem em termos do como fazê-lo. O anarquismo disse “Vamos promover a capacidade de autodireção e autogestão das pessoas agora.” Não precisamos de nenhum partido político autoritário agindo como parentes controladores. O povo tem cérebro. Lembre-se, é de lá que viemos. “Tenha Fé no Povo, Tenha Fé no Partido” dizem os marxistas-leninistas-maoístas. Não! “Tenha Fé no Povo” e deixo-o se levantar. Se qualquer indivíduo ou grupo possui algo a oferecer a partir de suas experiências, conhecimentos ou aprendizados “superiores”, então deixe que a relação com o Povo na luta seja de facilitação e não dessa liderança arrogante.

Mentalidade de velha guarda é uma porra. Há horas em que novos conhecimentos podem ser tão poderosos que quem está aprendendo experiencia uma sensação esmagadora. Como eu posso transmitir tudo isso para que possa ser de ajuda para outros individualmente e organizacionalmente. Minha preocupação? Eu preciso vencer. Mas somente a participação plena do Povo pode trazer a verdadeira vitória. E o Povo são seres humanos, indivíduos reais, como eu, com cérebros, desejos, medos, raivas, sonhos etc. Antes de sair da prisão em 1985, eu fiz uma promessa pessoal de nunca ignorar isso. Eu estava saindo levando comigo meus aprendizados em psicologia, feminismo e anarquismo. Eles eram agora parte de mim.

O Black Panther Collective[10] (BPC) foi formado cerca de um ano atrás como resultado de pessoas nos guetos lerem o jornal dos Panteras Negras. Muitas expressaram um interesse nas atividades do Black Panther Newspaper Committee[11] (BPNC), uma formação de ex-membros do BPP. Esses irmãos e irmãs, em sua maioria jovens, expressaram o desejo de trabalhar a Revolução nas suas perspectivas de pessoas do gueto e fazê-lo no espírito dos Panteras como eles a compreendiam. Então, o BPNC/NY decidiu ligar para eles e começar o processo. Eu tenho orgulho em dizer que a maioria daqueles que deram o primeiro passo ainda estão no processo. Eles são fooodas e são revolucionários que possuem os mesmos pensamentos que os nossos, como indicado pelo fato que lutamos a todo tempo (porque eles possuem mentes próprias!). Eles queriam duas coisas de nós: (1) se envolver em trabalho comunitário, incluindo trabalho com pessoas encarceradas por motivos políticos, e (2) formação política, incluindo a história dos Panteras Negras e estilo da prática. Nós ficamos mais que felizes em prover ambos. Mas isso não era, e ainda não é, um processo fácil porque eles demandaram Liderança! O anarquismo me ensinou a prestar atenção particular a esse conceito e seus perigos políticos à individualidade, espontaneidade, criatividade e à saúde e bem-estar geral da Revolução para uma sociedade realmente livre.

Revolução é aprender como unir uma grande variedade de personalidades em uma harmonia poderosa. Essa harmonia precisa estabelecer algumas direções gerais e trabalhar. Nunca é fácil. É uma luta. É preciso muita habilidade. O BP Collective viria a aprender isso. Nós iniciamos sem uma estrutura formal. Nós apenas conclamamos e nos reunimos. A Velha Guarda do BPNC também já tinha responsabilidades de publicar o jornal e trabalhar para elevar a consciência dos nossos companheiros que AINDA são prisioneiros políticos. Uma estrutura informal, mais ou menos sem líderes, desenvolvida em torno desse trabalho com o BPNC encorajando outros a ingressarem. E eles conseguiram!

O pessoal inicial era foooda! Venderam os Panteras Negras como se fossem donos e com animação. Não tinham medo de falar com as pessoas e as envolver. Ou de as desafiarem também. “Bem, por que você não quer comprar o jornal? É para você, Irmã. Não tenha medo, Irmão. Não espere até que eles chutem a sua porta…” Humm. Espírito Pantera.

Muito trabalho a ser feito. “Tem uma reunião sobre Prisioneiros Políticos no blábláblá, às 19 horas. Aqueles de vocês que estão interessados em atuar…” Só isso. E eles estavam lá. Você tinha que vê-los agora com o projeto LIBERTEM MUMIA[12]! Nós trabalhamos tanto que nunca chegamos a estruturar nossas atividades e processos de decisão e de definição de direção. Isso nos custaria algo e custou. Mas tinha que acontecer.

Revolução, após a derrota e anos se passarem, é tão psicológica quanto é política formal. Os Panteras, membros automáticos do BPNC, se juntaram depois de anos de ausência da luta intensa e disciplinada que nós um dia conhecemos. Nós passamos por mudanças. Ainda estávamos tentando solidificar nossas diferentes personalidades. Mas agora é hora de estruturar. O Coletivo está clamando por liderança. É hora de a luta essencial começar: clareza, uniformidade das vontades, organização formal do BPC com ideologia, uma linha de comando e regras. Ah, deus!

No Coletivo, todo mundo é encorajado a falar o que pensa. No BPP, nós praticávamos o Contra o Liberalismo[13] do Mao o máximo que podíamos. Ainda é uma coisa boa e não ruim. Enquanto anarquista hoje, com outras bases em psicologia e Feminismo, eu ofereço, quando apropriado, meus dois centavos em questões de estrutura, tomar a iniciativa de fazer as coisas por si só e contra o sexismo. Grande parte da dificuldade que tenho em passar esses pensamentos e que as pessoas criadas sob hierarquias e crenças autoritárias realmente acham que isso é natural. Sempre precisa haver uma liderança. Eu digo por quê? Quem disse? De que tipo? Por que assumir que existe apenas uma forma de estrutura organizacional? E o que quer dizer quando nossa estrutura lembra a do inimigo? Como um membro desse Coletivo, eu aceito a direção geral mesmo que eu seja a posição minoritária do meu ponto de vista. Porque é democrático o suficiente para permitir contribuições, eu ainda posso colocar minhas posições, assim como qualquer pessoa. Ah sim, eu fico frustrado e com raiva. Mas isso é normal em qualquer grupo. Eu acho que o BPC que são novos em experiência entendem nesse estágio que frustração e raiva são parte do processo. Como nós dizíamos no Partido “É algo bom e não ruim.” É a única forma que podemos criar um grupo diverso de pessoas juntos. Como um membro do BPNC disse se referindo ao Coletivo, “Eles são um bando de pessoas doidas”, o tipo de serem humanos bons que fazem a Revolução.

É difícil se sentir confortável se você realmente crê que veja perigos internos no seu grupo. Eu sou uma pessoa. Eu acho que acredito, como qualquer pessoa, que a minha crítica é acertada, que meus sinais de alerta deveriam ser levados em consideração. Mas esse é um conjunto de pessoas e apesar de não ser anarquista, é democrático o suficiente para eu sentir que meus dois centavos são valorizados.

Meu coletivo sabe que eu levanto a minha voz contra o sexismo. Eu falo sobre sexualidade revolucionária e espalho camisinhas na mesa de reunião. Eu estou sempre trazendo material de leitura porque eu acredito que precisamos ser encorajados a ler, ler, ler. Mas eu não quero apenas ficar preso nas coisas marxistas — tipo o Livrinho Vermelho etc. Não importa qual valiosos sejam. Eu compartilhei os escritos do Lorenzo Kom’boa Ervin (anarquista Preto, ex-Pantera Negra e hoje membro da Federation of Black Community Partisans) com eles. Exposição a ideias diversas e críticas é o que é preciso. Eu sou um desses “mais velhos” diversos, como nos chamam no BPNC. Como @narcopanterista, eu posso apenas ser eu e dar o meu melhor e torcer para que os outros vejam que a minha única preocupação é a Revolução, TODO o Poder ao Povo e vitória contra todos os nossos inimigos, das pessoas que se opõem à liberdade às mentalidades que continuam a se segurar em ideias antilibertárias e antirrevolucionárias.

O BPC é um grupo vivaz de revolucionários extraordinários. Já, por conta própria, cansados de esperar por nós (a liderança), eles estabeleceram um programa de alimentação na esquina da Rua 116 com a Adam Clayton Powell, no Harlem, a capital dessa “nação cativa” (eu sou um revolucionário intercomunalista, para adicionar fogo à fogueira). Eu digo é isso aí. É sobre iniciativa e eu gosto da deles. O Povo é seu próprio líder, seus próprios libertadores. Eu me vejo como um participante-facilitador. @narcopanterista, o estágio mais avançado do panterismo.

TODO PODER AO POVO!

Ashanti Omowalli

[1] Título original Anarcho-Pantherista. Texto publicado originalmente no periódico Love and Rage, edição de agosto/setembro de 1995.
[2] Referência a Malcolm X e Eldridge Cleaver, este último um dos principais nomes do Partido dos Panteras Negras.
[3] Do original POW, acrônimo para prisioner of war ou prisioneiro de guerra. Prisioneiros de guerra é como os militantes envolvidos na luta pela libertação Preta se referem aos militantes presos.
[4] Termo alemão utilizado para se referenciar a campos de concentração de prisioneiros de guerra. Ashanti faz referência à uma penitenciária localizada no distrito de Lewisburg, na Pensilvânia.
[5] Referência à foto icônica de Bobby Seale e Huey Newton, fundadores do Partido dos Panteras Negras.
[6] Livro de Frantz Fanon.
[7] Livro com citações do Mao Tsé-Tung.
[8] Não confundir com a perspectiva ‘feminista radical’. Ashanti aqui se refere à feministas consideradas da esquerda radical.
[9] Autor e militante Preto estadunidense (1919–1993), autor de The American Revolution: Pages from a Negro Worker’s Notebook.
[10] O Black Panther Collective, ou Coletivo Pantera Negra em português, foi um dos diversos grupos que surgiram nos anos 1980 e 1990 tentando dar continuidade ao legado do Partido dos Panteras Negras. Para saber mais, ver “There Is NoNewBlack Panther Party”: The Panther-LikeFormations and the Black Power Resurgence of the 1990s, por George Derek Musgrove, de 2019.
[11] Comitê do Jornal Pantera Negra.
[12] Campanha pela libertação de Mumia Abu-Jamal, militante e jornalista Preto, que se encontra preso desde 1982 acusado da morte de um policial em 1981 Inicialmente condenado ao corredor da morte, posteriormente sua pena de morte foi transformada à prisão perpétua. Até hoje há uma grande movimentação em torno da sua libertação, já que Mumia se encontra com a saúde bastante debilitada.
[13] Livro do Mao Tsé-Tung onde ele lista comportamentos considerados prejudiciais dentro do Partido Comunista Chinês.

Tradução por Escurecendo o Anarquismo

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