Maria e Zacarias

Estevan Facure Giaretta
3 min readOct 25, 2021

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Lucas inicia seu evangelho com duas anunciações de Deus feitas pelo mensageiro Anjo Gabriel: uma feita ao Sacerdote Zacarias e outra feita à Maria.

Trata-se, como vocês já sabem, da anunciação do nascimento de João Batistas e de Jesus.

Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI), em sua coletânea Jesus de Nazaré, me ajudou a perceber a diferença abismal que existe entre as duas anunciações.

De um lado, temos um velho sacerdote em um templo específico, em um horário específico, em um rito específico, em uma hora específica, em uma ordem sacerdotal específica, em uma liturgia específica e etc., e o anjo aparece em meio a todos esses atos de obediência litúrgica.

Dá-se a entender, portanto, que a liturgia era necessária e estava de acordo com a vontade divina. Somente em estrita obediência aos ritos litúrgicos, portanto, Deus entraria em contato com o homem (em um templo, através de um sacerdote, em uma hora sagrada específica e etc.).

Porém…

De outro lado, o anjo aparece para Maria “onde ela estava” (Lc, 1:28), ou seja, na humildíssima cidade de Nazaré (provavelmente em sua casa).

Maria, uma mulher “comum”, jovem, pobre, sem honrarias ou títulos de nobreza…

Muito se fala no “véu rasgado” após a morte de Cristo Jesus (Mt 27:51), que marcou um novo período de relação entre Deus e o homem, mas poucos se atinam para a anunciação do anjo à Maria.

O fato de o anjo ter ido até Maria (“onde ela estava”), sem qualquer condição prévia de respeito litúrgico e fora de um templo, já era um prelúdio do véu que iria de se rasgar mais de três décadas depois (com a morte de Cristo).

Deus é grande demais para caber em um templo feito por mãos humanas.

Deus é grande demais para se importar com títulos ou honrarias humanas.

Zacarias representa, portanto, o Antigo Testamento, assim como João Batista (o último profeta do A.T.).

Em Maria, por sua vez, inicia-se a boa nova. “Alegra-te, Maria. Deus é contigo”. Cumpre-se a profecia do livro de Sofonias “Rejubila, ó filha de Sião […] O Senhor está no meio de ti” (de Jerusalém).

É a boa-nova. É um novo tempo de relação com o divino. Tudo se (re)inicia em Maria.

Deus está agora no meio de nós.

Após Cristo, tornou-se possível uma comunicação direta com o divino, em nossas próprias casas e não mais em um templo (Mt, 6:6, por exemplo).

Quando o anjo diz, ainda: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra” (Lc, 1:35), vê-se que Maria tornou-se uma nova Arca da Aliança.

Pense na arca da aliança do antigo testamento e em toda sua complexidade (deveria ser criada de uma certa forma, com um certo material, com certas imagens, com medidas específicas e etc.). E pense agora em Maria, uma pessoa… Uma jovem e pobre menina.

A última arca da aliança foi uma pessoa. Foi Maria.

Nenhum material construído por mãos humanas é mais complexo que um ser humano em si.

Cristo, consubstanciado com o Espírito Santo e com Deus-Pai, consubstanciou-se com Maria, em seu ventre.

A trindade, portanto, consubstanciou-se com um ser humano. Aliás, com umA humanA.

Enquanto o povo da terra clamava “Ave, César” (Salve, César), imperador do grande império Romano, Deus deixa claro quem é a verdadeira rainha, Maria.

Jesus sempre deixou claro que seu reino não era desse mundo. E, no mundo imaterial, a rainha celeste tem nome e nos foi revelado.

Ave, Maria! Gratia plena! Dominus tecum!

Maria não foi cheia de graça, ela foi plena de graça. Foi graça pura e sem mancha.

Quão grande é Maria?

Grandiosíssima.

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