Vendendo meu peixe (digo, minha arte)

Estevão Ribeiro
6 min readDec 6, 2016

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Estive pelo terceiro ano seguido na Comic Con Experience, simplesmente o maior evento de quadrinhos da América Latina. Ponto.

As pessoas acham que estar num evento como a CCXP, viver a experiência, fazer parte do universo geek e nerd, encontrar ídolos e amigos “não tem preço”.

Tem sim, e é caro. Entre mesa, hotel, translado e produção de produtos e as eventuais compras (porque ninguém é de ferro), a gente gasta uma grana difícil de recuperar, ainda mais quando você é pessoa jurídica e não tem outra ocupação, quando fazer quadrinhos é seu “perde-pão”, como ouvi dizer há mais de uma década o grande amigo quadrinhista André Diniz.

Foto tirada por Tony Martins

Por isso, neste momento, existem dois lados meus entram em ação e em conflito: O lado vendedor, o cara que está ali para vender algo que seja compatível com o que o leitor em potencial, e o meu lado artista.

O lado vendedor organiza mesa por tipos de publicações, por preços.

O lado artista tenta organizar em formatos, cores, estilos… tudo para deixar a mesa atrativa.

Aí o lado artista dá um tempo. Ele espera o momento certo para agir, porque dentre mais de 400 artistas, o lado vendedor precisa mostrar o seu trabalho.

– Oi, gosta de quadrinhos, tirinhas ou literatura fantástica? — Pergunto para a pessoa que quer passar direto, a uma distância de dois metros.

Quem tem vergonha ou não quer ser abordada, dá um sorrisinho, continua andando, ou simplesmente ignora, seja por vergonha, por não ter ouvido por causa do som alto (do show de rock, do karaokê da Netflix ou dos anúncios) ou por não concordar com a abordagem.

Mas existe aquela parcela que não ouviu direito. A pessoa se aproxima.

– O quê?!

Repito a pergunta.

Aí uma parcela diz:

– Não, tava só olhando!

Nesta hora é preciso ter sensibilidade de saber se a pessoa está apenas tímida, ou se não se interessa por nada mesmo.

Quando sinto que dá para quebrar o gelo, eu insisto, sempre com um sorriso.

– Mas é para olhar mesmo! — Respondo. — Mas se você me disser do que gosta eu posso te mostrar algo bacana. E aí, o que você gosta? Quadrinhos? Tirinhas? Literatura Fantástica?

Boa parte das pessoas optam em dizer apenas “obrigado” e sai, outras vêem tudo, sorriem, dizem obrigado e saem.

Outras respondem sem pestanejar:

– Quadrinhos!

– Tirinhas!

– Literatura Fantástica!

– Tudo!

– Tanto faz!

E aí começa o tour pelos produtos.

Mostro meus quadrinhos, as antologias de tiras, os livros… tudo pela ordem de prioridade da pessoa. Peço para ela ver a contracapa do livro Grande, Gordo e Feliz, a mais recente antologia dOs Passarinhos. Em 95% das vezes a pessoa ri, mostra para a pessoa do lado. A pessoa ri, eu mostro mais outras tiras, dependendo do estilo da pessoa.

Mostro Da Terra à Lua para os mais sérios, fãs de Star Trek.

Pergunto a toda pessoa com blusa da DC se eles gostam mesmo do personagem (geralmente Batman, Superman, Flash e Lanterna Verde) ou se é apenas modinha. Muitos riem orgulhosos defendendo os personagens.

Eu mostro Pequenos Heróis e explico rapidamente que se trata de uma homenagem aos heróis da DC. Mostro a HQ correspondente ao personagem da camisa do leitor.

Um dos momentos mais legais foi quando eu mostrei a uma menina, com a camisa da Mulher Maravilha, a história “Pequenas Maravilhas”, e duas páginas antes de chegar no final, ela tirou o dinheiro do bolso e disse:

– Calma aí que eu vou saber o final em casa.

É também com Pequenos Heróis é que tenho as melhores respostas dos pais. Andando pela feira, encontro um ou outro perdido com seus filhos, mesmo longe eu falo:

– Aqui tem uma revista feita para ele. — Aponto para o menino ou menina. Mostro a hq para os pais, depois mostro para os filhos. Os pais andam pela feira e no final, o pai ou a mãe vem em minha direção querendo comprar o álbum para a criança.

Leitor apresentado ao álbum Pequenos Heróis.

– Ele quer saber se tem o Capitão América na revista. — Perguntou a mãe, em um momento.

Em momentos assim a porção artista entra em ação e desenha o próprio menino como Capitão América na folha de rosto.

– Não tinha, mas agora tem.

Mostro Anacrônicas — Contos Mágicos & Trágicos e O outro lado da Cidade para os amantes de Literatura Fantástica, pessoas que estão lá por causa dos filmes adaptados de livros cujo os autores, em sua maioria, não estão no evento. Ofereço a oportunidade de conhecerem outros autores, dentro do gênero literário que os levaram para o evento.

Eu ofereço, vendo, chamo, pois além de artista, sou editor e vendedor de publicações de qualidade, mas desconhecidas dessas pessoas.

É certo que o lado artista se frustra. Quando vejo as filas para os grandes nomes, para os sucessos da internet, para os autores de projetos ligados a grandes nomes ou editoras — Marvel, DC, Panini, Abril fazendo colunas de gente cobrindo a nossa visão, o lado vendedor aproveita que aquela pessoa não vai a lugar nenhum e mostra títulos, a distância, a fim de matar seu tédio.

Provoco os gordinhos com o nome do livro dOs Passarinhos, livros de fantasia para os com camisa de Harry Potter, Da Terra à Lua para o pessoal de FC, Pequenos Heróis para os de camisa de heróis.

Numa dessas ocasiões, um colega do lado me disse que eu vendia muito livro “no choro”. Logo depois na internet descobri que há um nome para o que eu faço: artista “Polishop”, aquele vendedor chato. Prefiro ser um vendedor/artista simpático.

Vendi um “Vida de Escritor” para uma jornalista colombiana perdida a serviço da Netflix só porque a chamei para conversar com um inglês macarrônico.

Eu assumo esta postura porque tenho contas para pagar e conheço o que vendo. Ao recomendar algo para um potencial leitor, eu tenho a certeza de que aquele material está compatível com a preferência do leitor. Livro infantil? Tenho. Presente para a tia? Tenho. Livro para a irmã mais velha? Tenho. Quadrinhos para a irmã? Tenho. Mangá? Não tenho (neste caso, geralmente eu perco a venda)…

Mas eu preciso ser assim. Moro de aluguel, tenho gêmeas recém-nascidas, vivo do que escrevo e vendo e preciso levar dinheiro para casa para complementar a renda familiar que, de fixo, só temos o salário da minha esposa. Não posso investir cerca de R$ 2.000,00 só pela experiência de estar no maior evento da América Latina.

Acho complicado quando alguns artistas querem ditar como regra de como cada um vende e divulga o que faz num espaço voltado para a compra e venda de… PRODUTOS relacionados quadrinhos. Sim, PRODUTOS.

Aliás, o evento inteiro se resume em venda de PRODUTOS E SERVIÇOS. Apesar de todos ali amarem o que faz, todo mundo está ali investindo uma grana pesada, esperando receber uma grana pesada de volta.

E cá na ponta, estamos nós, os artistas, e não podemos achar que estamos num evento como este de férias. Tem gente que pode, sei lá. Tudo pela arte. Mas eu estou a trabalho e amo o que faço.

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