͏ ͏͏ ͏͏ ͏͏ ͏͏ ͏͏ ͏͏ ͏͏ ͏͏ Ofélia, o abismo.

dâlia.
2 min readSep 9, 2024

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"Ophélie" by jean-baptiste bertrand, 1867.
Coloque para tocar, inner solitude, Ophelia wilde.

Quando o coração se parte, a alma se esgarça em fios invisíveis, frágeis, que se desmancham sem aviso. E quando a mente já não reconhece a si mesma, como poderia decifrar o mundo à sua volta? Como poderia enxergar os rostos que, um dia, lhe foram tão familiares? Ofélia existia, e essa existência era tanto demais quanto de menos. Ela era jovem, mas em cada amanhecer sentia o desgaste da vida. Definhava, silenciosamente, como os cabelos brancos da mãe morta que se desfez, lenta e inevitável, na passagem do tempo.

Ofélia, ao olhar-se no espelho, não se via mais. As cores que a cercavam haviam sumido, desbotadas por um vazio tão vasto que a consumiu. Foi naquele momento, naquele exato instante em que o peito se encheu de nada, que Ofélia cessou de ser. Mas, no entanto, o mundo continuava. A cidade ao seu redor, quieta e imperturbável, escondia um abismo que poucos enxergavam. Era lá que os perdidos se refugiavam, fugindo de suas próprias dores, esperando um fim que jamais chegava. As flores ainda brotavam por entre as pedras, indiferentes às lendas sussurradas. Diziam que aqueles que se jogassem não encontrariam a morte imediata, mas um vagar sem rumo, uma espera infinita pelo último golpe. Quantos já haviam se atirado? Quantas almas, tantas vezes ignoradas, se perderam ali?

Ofélia passava por aquele lugar e pensava, num suspiro mudo, que a sua alma estava destinada ao mesmo fim. A solidão a alcançou como uma fera invisível, sorrateira e sem piedade. Tomou-lhe o coração, como tantas vezes já havia feito com outros. As marcas da vida, gravadas em sua pele e em seus gestos, eram profundas. E quando chegou a decisão, não foi de súbito, mas lenta, como tudo o que Ofélia carregava: as lágrimas que já não caíam, os sorrisos que há muito haviam secado.

Ela estava lá, de pés descalços, segurando um buquê de rosas vermelhas – tão vermelhas quanto o sangue que ela imaginava sentir escorrer. Seus cabelos ruivos, cacheados, os lábios tingidos de vermelho, pareciam ser ecos de uma beleza já apagada pela escuridão que se refletia em seus olhos fundos. Ofélia buscava algo, talvez a paz para um coração tão pesado que mal podia suportar. E, com a leveza de quem já não tem o que perder, ela se lançou.

O som final de notas ao piano – dissonantes, estridentes – marcava o fim. E então, Ofélia vagou pelo abismo. Salvação ou condenação? Não se sabe. O que é certo é que Ofélia levou consigo tudo o que era. E, no final, nada mais restou.

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Written by dâlia.

Ando exausta, à beira da loucura. Sou uma poeta dilacerada pelo tempo, como um verso esquecido nas ruínas de um sonho desfeito. Twitter: estroferis.͏

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