Pode uma rosquinha ser a solução para os problemas do planeta?

ETC | UFMA
6 min readMay 23, 2022

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Kate Raworth, em seu livro Economia Donut, nos fala sobre uma visão que podemos adotar para minimizar boa parte das desigualdades ainda neste século.

Gabriela Trindade

Não é fácil mensurar o tamanho da economia de uma nação. Para isso, após a segunda guerra mundial e a grande depressão, economistas do século XX criaram o PIB (produto interno bruto) utilizado para medir o conjunto de bens e serviços produzidos em um país. As crises deste século fizeram as políticas serem voltadas para a recuperação da economia, buscando resultados "positivos" a serem demonstrados nas equações do PIB. Entretanto, para continuar crescendo e demonstrando tais resultados, governos passaram a desprezar leis ambientais, trabalhistas, normas de saúde… Não é atoa que o século XXI teve seu início marcado pela crise financeira de 2008, colapso climático, aquecimento global e a pandemia da Covid-19.

A grande questão — presente no livro de Kate — é se estamos perseguindo o crescimento de verdade. Crescimento com qual finalidade? E para quem? A que custo e para quais pessoas? E para o planeta?

O crescimento a qualquer custo, amparado pelo neoliberalismo, afunda o planeta numa permanente crise financeira, desigualdade extrema e em uma destruição sem precedentes ao meio ambiente. Nesse contexto, Raworth propõe uma alternativa ao modelo econômico vigente: a Economia Donut. Um sistema no qual as necessidades de todos serão satisfeitas sem esgotar os recursos do planeta.

Para isso, a economista desenhou um diagrama circular no formato de uma rosquinha. O centro representa a privação humana crítica, onde há elementos essenciais para a vida humana no qual ninguém deveria sofrer escassez. O recheio da rosquinha é o espaço seguro e justo, lugar em que todos os seres humanos deveriam estar, sem ultrapassar os limites planetários. Por fim há o teto ecológico, camada que não deve ser superada pois degrada o ambiente e põe em risco a vida humana. Além disso, os aspectos sociais da Economia Donut foram inspirados nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Imagem 1 — O Donut — reprodução do Doughnut Economics Action Lab.

Nas palavras de Kate, a Economia Donut “é uma bússola radicalmente nova para guiar a humanidade neste século. E aponta na direção de um futuro capaz de prover as necessidades de cada pessoa e ao mesmo tempo salvaguardar o mundo vivo do qual dependemos.”

Kate Raworth apresenta 7 questões que ela considera o cerne da Economia Donut, por meio das quais busca criar uma mentalidade econômica diferente da vigente nas sociedades neoliberais. A seguir explicamos cada uma delas tendo sua obra como referência.

1. Mudar o objetivo

Esquecer o PIB como métrica de crescimento e focar na prosperidade da sociedade, respeitando os limites ecológicos do planeta terra. Esquecer a metáfora “o bom é para frente e para cima” e substituir para “o bom é o equilíbrio”, entendendo que o progresso precisa ir em uma direção diferente.

2. Analisar o quadro geral

Deixar de lado o diagrama do Fluxo Circular utilizado pela corrente econômica dominante que reforça a narrativa neoliberal de um mercado autônomo e autossuficiente e dar lugar a uma Economia Integrada.

Imagem 2 — Diagrama de Fluxo Circular — reprodução do livro

“No diagrama de Fluxo Circular o cerne é a relação de mercado entre agregados familiares e empresas. Os primeiros oferecem mão de obra e capital em troca de salários e lucros, e então gastam essa renda comprando bens e serviços de empresas. É essa interdependência de produção e consumo que cria o fluxo circular de renda. E esse fluxo seria ininterrupto não fossem as três alças externas — envolvendo bancos comerciais, governo e comércio internacional — que desviam parte da renda para outros usos.”

Imagem 3 — Economia Integrada, proposta de Kate — reprodução do livro

O desenho que a autora propõe é a economia aninhada dentro da natureza e da sociedade, tendo como principal fonte de energia o sol. No gráfico (imagem 3) o ponto de partida é a terra, que dá a vida e deve ter seus limites respeitados. Neste sentido, a economia possui quatro domínios de abastecimento, que funcionam melhor quando juntos: o agregado familiar, o mercado, os bens comuns e o Estado. Esses domínios são meios de produção e distribuição que agregam valor a partir de suas interações.

3. Estimular a natureza humana

A autora parte da premissa de que “o retrato que pintamos de nós mesmos molda claramente a pessoa em quem nos transformamos” por isso é urgente a criação de um outro retrato para a humanidade, que nos leve a prosperar dentro do espaço seguro e justo do Donut.

É preciso, com urgência, esquecer o homo economicus e dar lugar à imagem do ser humano em comunidade (o que remete a um ser social e interdependente), ao ‘semeador-ceifeiro’ (inserindo os indivíduos em uma teia na qual a evolução depende do mundo vivo) e por último a imagem dos acrobatas (que ilustram a confiança, a capacidade de retribuir e cooperar mutuamente). Segundo Kate, esse autorretrato ainda está longe de ser uma síntese completa, mas é um pontapé para pensar em outras maneiras de criá-lo.

4. Compreender o funcionamento dos sistemas

Alguns economistas do século XIX propuseram transformar a economia em uma renomada ciência assim como a Física, para isto, inspirados nas leis da física criada por Isaac Newton, buscaram criar leis econômicas para o mercado.

A lei de oferta e demanda é um exemplo disso e tem como premissa principal a ideia de que o preço de mercado é determinado pelo encontro dos custos de fornecimento da mercadoria e a utilidade do consumidor. Mas, segundo Raworth, essa ideia possui falhas profundas visto que há uma intrínseca relação de interdependência dos mercados na economia.

Para resolver esse problema, Kate sugere um pensamento sistêmico, ancorado em três conceitos que interagem entre si: estoques e fluxos, ciclos de feedback e defasagem.

5. Projetar para distribuir

Para Kate Raworth a desigualdade é ‘uma falha de projeto’ e os economistas do séc. XXI precisarão criar economias mais distributivas, focando na distribuição de riquezas (do controle de terras, da criação de moedas, do empreendimento, da tecnologia e do conhecimento) além de aproveitar a força dos bens comuns.

6. Criar para regenerar

A autora propõe que devemos esquecer o sistema degenerativo das indústrias que em uma ponta extrai da terra e na outra ponta descarta e focar na economia circular que funciona com energia renovável e os dejetos são reaproveitados como base para o processo seguinte.

7. Ser agnóstico em relação ao crescimento

A última questão central da Economia Donut retoma o crescimento. Kate pontua que nada na natureza cresce para sempre e que a economia, para respeitar os limites planetários, precisa ter um limite. Segundo a autora:

essa mudança radical de perspectiva nos convida a nos tornarmos agnósticos em relação ao crescimento e a explorar como economias que hoje em dia estão financeira, política e socialmente dependentes do crescimento poderiam aprender a viver com ou sem ele.

Nosso desafio agora é criar economias nos âmbitos local e global que consigam trazer as sociedades para o espaço seguro e justo do Donut. Com este propósito, Kate Raworth fundou, em 2019, a empresa Donut Economics Action Lab e em 2020 lançou a plataforma da comunidade para expandir em todo o mundo ações que criem mudanças sistêmicas nas mais diversas comunidades.

Ainda em 2020, em plena pandemia, Kate e o planeta terra tiveram a honra de ter a primeira cidade que afirmou que implantaria o modelo Donut: Amsterdã, na Holanda. Esse pode ter sido só o início de uma revolução saindo do papel. Não demorou muito para outros governos e organizações solicitarem mentorias da autora para implementação deste modelo em suas comunidades.

Kate Raworth é um exemplo de que é possível mudar o mundo com um livro!

Acompanhem os estudos do ETC através dos encontros abertos que acontecem quinzenalmente às terças e das reflexões publicadas aqui.

A nossa próxima reunião aberta será dia 31 de maio de 2022 a partir das 19h30. Advinha o tema? Economia Donut! Para participar basta preencher o formulário de inscrição. Para mais informações acesse nossos perfis nas quatro plataformas que usamos: Twitter, Instagram, Facebook e, é claro, o Medium.

Estamos pensando formas alternativas de nos movimentarmos nesse mundo, vem com a gente?

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Grupo de Pesquisa em Comunicação, Tecnologia e Economia da Universidade Federal do Maranhão (ETC/UFMA).