Isa
3 min readMay 15, 2019

Amar um homem preto pode doer.

Há 9 meses, mantinha uma espécie de relacionamento com um rapaz. Mesma idade, mesmos gostos. Negro, porque me recuso a relacionar-me com pessoas brancas (sim, o desgosto da palmitagem eu não dou aos meus pais). Mesma classe social, mesmo círculo social.

Apesar do tempo, nunca tivemos um rótulo. Não porque eu não quisesse. Mas porque ele sentia a necessidade de ser livre. Queria estar comigo, mas também queria estar com outras — olha aí a cilada! Mas eu prossegui. Entendo que as demandas e dinâmicas que envolver ser uma mulher ou homem negro é grande. E tentava compreendê-lo. Ajudá-lo, na medida do possível.

E, inevitavelmente, o amor vai se construindo. Planos vão sendo feitos… É natural.

Bom, essa história poderia ter um final mais bonito.

Nossa história teve fim, porque ele escolheu assumir um relacionamento sério com uma mulher branca. “Ah, mas é questão de gosto! O amor não tem cor.”, alguns dirão.

Será?

Na última conversa que tívemos, após eu descobrir o relacionamento, ele disse, com essas exatas palavras: “Eu gosto de brancas. E se for pra trair, vou trair com outra branca. Nunca assumi uma mulher preta. Pra subir na vida, eu tenho que ter uma pessoa clara do meu lado, não uma preta como eu.”

Pesado, né?

Eu poderia, aqui, culpar todos os homens negros pela solidão da mulher negra. Pelo abandono afetivo de minhas irmãs. Mas não consigo ver outra coisa, senão mais uma faceta do racismo.

Vivemos em um país marcado pelo mito da democracia racial. Aqui é o paraíso das raças. Todos se amam. Todos se respeitam. Uma festa de miscigenação. Essa foi a imagem vendida mundialmente pelos colonizadores.

Em contrapartida, temos quadro como “A redenção de Cam”, que revela que o amor pela cor não é tão grande assim como se diz…

Somos estimulados desde a mais tenra idade a ‘clarear’ a raça. E quanto mais retinto, maior a pressão. Frases como ‘você não vai querer ter um filho da sua cor’, ou ‘tomara que encontre um branco, ao menos seu filho vai ter cabelo bom’ são corriqueiras, desde a primeira infância.

O branco é associado ao belo, ao bom, ao agradável. O preto é associado a pobreza, marginalidade, ruim, feio, desagradável. E isso repercute em nós. Na formação do nosso intelecto. Em como vemos nossos irmãos de cor. Na forma com que nos relacionamos (ou não).

O amor tem cor. E ele é branco.

O meu relato é o de inúmeras mulheres negras ao redor desse país. Tendemos a procurar em nós a culpa pelo homem que amamos, negro, nos deixar por uma mulher branca.

A resposta, irmãs, é que não temos defeito. Mas infelizmente vivemos dentro de um sistema que nos incita ao auto ódio. Nos faz pensar que só teremos espaço se nos associarmos ao branco. Nos faz temer pelos nossos filhos, caso nasçam da nossa cor. Com tudo isso, enfraquecemos enquanto povo.

Não podemos deixar de notar e ressaltar, ainda, que essa também é uma estratégia de extermínio. Através da miscigenação, nascem-se negros cada vez mais claros, até que não nasça mais nenhum. Parece paranoico, mas era exatamente essa a proposta e aposta dos cientistas brasileiros a poucos anos atrás — denunciada no livro “O genocídio do Negro Brasileiro”, de Abdias Nascimento.

É inevitável a sensação de fracasso. De falhar enquanto mulher, e enquanto negra, em amar e ser suficiente ao seu homem, negro. Mas está acima de nós. O sistema foi criado para aliená-los assim. E não usemos isso como desculpa para ‘palmitar’ (mulher negra palmita, sim!).

Precisamos nos fortalecer enquanto povo. Precisamos aprender a nos amar. Precisamos entender até aquele que abertamente diz só gostar de brancas e compreender que a lavagem cerebral começa cedo, não é totalmente culpa dele essa condição.

Nosso povo esqueceu que o amor é invencível nas batalhas. Comecemos por nós a resgatar esse valor.

Isa

Mulher preta. 23 anos. Ativista. Graduanda em Direito. Amante de boteco. Favelada e sonhadora.