O INÍCIO DO FIM
Lembro o dia em que te olhei e pensei: “eu passaria a vida inteira ao seu lado.” Você vestia uma camisa rosa com listras brancas e estava com o cabelo arrumado do jeito que eu gostava. Eu não sei sobre o que falávamos mas eu ria muito e o ar estava cheirando a grama recém cortada. Meu corpo inteiro ainda lembra daquela sensação, como se eu tivesse comido quilos de chocolate. A barriga e as bochechas doíam de tanto rir. É… Você sempre soube me fazer rir.
Durante os nove anos essa sensação ia e vinha. A vida, a rotina, a intimidade extrema e todos os clichês nos afastavam. Terminávamos. Mas só por algumas horas porque pensar em não tê-lo mais na minha vida era insuportável. Eu não conseguia conceber a ideia de não dormir mais ao seu lado ou ter que ir em algum aniversário sozinha. Você era uma parte de mim. Eu cheguei a não saber mais onde você terminava e eu começava. Viramos uma coisa só. Uma dupla, como gostávamos de ser chamados. E era essa co-dependência que nos mantinha unidos.
Você era meu porto seguro. Meu lugar confortável. O conforto virou anestesia e passamos a sobreviver um ao lado do outro. Trabalho, dinheiro escasso, louça na pia, toalha na cama e a maldita lâmpada que você não trocava nunca. Tudo irritava! E tenho certeza que você também tinha milhões de motivos para se irritar comigo. Para ficarmos juntos mergulhávamos em maratonas de séries. Depois do quarto ou quinto episódio percebíamos que estávamos cada um num canto do sofá. Eu justificava dizendo que estava calor demais ou que me sentia sufocada. E de fato estava calor demais e eu me sentia mais e mais sufocada. Sufocada por mim mesma.
Você percebeu que eu estava diferente. E eu sempre inventando desculpas e colocando a culpa em você. E eis o único arrependimento: não ter falado como eu me sentia para o meu melhor amigo. Mas a verdade é que eu também não sabia o que estava acontecendo.
Lembro o dia em que olhei no espelho e pensei: “quem é essa pessoa?” Como éramos um só, foi o início do fim.
