Música detox

Fabiana Vieira
4 min readDec 12, 2021

Provavelmente é uma das coisas que me dá mais prazer. A música tem esse poder intangível, creio mais que a literatura, as artes plásticas ou a escultura. Adoro todas as manifestações artísticas, mas talvez por ter talento musical nulo, fico assombrada com a capacidade quase mágica que seres com poderes especiais conseguem imprimir às palavras, dando musicalidade a elas.

A música e a dança, artes amantes, são diferentes das demais, porque podem se transmutar. Cazuza revisitou O Mundo é um Moinho, composto por Cartola, seu quase xará Angenor, gravada pela primeira vez em 1976. E transformou o clássico quase em outra coisa, tão espetacular quanto a primeira versão, mas com uma vibe jovem e descolada.

Nenhuma outra arte pode ser revista assim, sem que pareça uma cópia fajuta. Uma versão não é uma cópia, é algo novo, feito com a mesma base, mas com outros ingredientes. Uma versão traz frescor, jovialidade, modernidade. Vi Velha Roupa Colorida, música que adoro, composta por Belchior e imortalizada na voz de Elis, ser ressuscitada por Chico César, na série 3%. É um assombro de música, mas na voz dela, tinha a cara nos anos setenta. Com Chico César foi trazida ao século XXI, ainda mais com o visual apocalíptico futurista de 3%. A que eu mais gosto, a que mais acho moderna, é com Anna Ratto; ela realmente se livrou do tom hippie da música e a customizou para o aqui e o agora.

A versão de Paula Toller para um standard como Fly Me to the Moon, é uma das coisas mais delicadas que já ouvi. E olha que regravar uma canção já imortalizada por Sinatra não é para qualquer um.

Vendo um documentário em que os Beatles aparecem quase desnudos, do ponto de vista emocional, o excelente Get Back, fico assombrada com a capacidade de criação e a musicalidade dos Fab Four. Eles transformam cinco palavrinhas, em cinco minutos, em obra de arte, como se fizessem bruxaria. Ver John Lennon e Paul McCartney compondo e cantando “I’ve Got a Feeling”, me faz ter certeza que são realmente deuses, e merecem todo o Olimpo que receberam.

Quando estou um pouco triste, o melhor remédio é ouvir alguma coisa com ritmo, e bem rapidinho, o meu humor melhora nitidamente. Já há pesquisa que atesta que uma boa sessão musical libera dopamina em nosso cérebro, um dos hormônios do prazer, e não à toa, voltamos felizes de um bom show, um bom baile, uma boa balada musical.

Mas músicas também me fazem chorar e muito, mas nunca é de tristeza, mas de emoção, aquela que resgata seus sentimentos guardados, aquilo que mais lhe importa. Não é assim tão estranho, porque sou emocional e choro em fim de filme, série, com fotografia, com pinturas. Como não iria chorar com música, a arte que mais perto chega da alma?

Quando estou contente, cozinhando no domingo, por exemplo, e faço a minha seleção, meu humor fica ainda melhor.

Sem contar o poder que a música tem para transportar. Acabo de ouvir Louco Amor, tocando agora no BRio. E minha memória musical imediatamente acendeu; era uma música de abertura de novela, que eu adorava aos nove anos. Meu gosto musical, aliás, se manteve, e músicas que me marcaram na infância e adolescência estão nitidamente dentro de mim. Por menor que seja o meu talento musical, eu tenho uma memória excelente para letras e ritmos.

Dancin’ Days passava quando eu tinha só quatro ou cinco anos. Mas uma música de discoteca chamada Rivers of Babylon, nunca saiu de minha mente, e adorei quando eu pude resgatá-la na fase adulta. E só adulta descobri que é uma música gospel, com fundo religioso, porque ela tem uma pegada tão dançante que não resisto e começo a balançar o corpo sempre que ouço. Tanto que era um dos top ten das discos no fim dos seventies.

Eu adoro dançar e uma das coisas que a Covid me tirou foi a possibilidade de ir a shows. Por sorte, tenho em casa um super conhecedor de música e como somos da mesma geração e gostamos de muitas coisas parecidas, às vezes fazemos saraus caseiros, para desespero do outro morador, da geração Z.

Quando ouvimos juntos Ritchie, Blondie, Carly Simon, rock dos anos 80, e nos divertimos, penso sempre na sorte que é de ter ao lado alguém que tem sensações parecidas às suas no quesito musical. Não poderia ser casada com alguém que gosta de bolero ou música sertaneja. Acho que confluência musical é um requisito básico no casamento, ao menos é para mim. Claro, depende muito do nível de importância que a música tem em sua vida.

Para mim, músicas que amo têm poder curativo. Ela limpam minha alma, organizam pensamentos confusos, varrem para longe mal-estares com coisas pequenas. Quando me embriago de música, é como se a vida fosse algo simples, muito simples, e que estivéssemos aqui só para ouvir belezas e dançar. É o melhor detox mental.

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Fabiana Vieira

Psicóloga atuando em Luxemburgo com atendimento presencial e remoto