Música & Internet

Fabiana Marsiglia
4 min readJun 14, 2016

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Entrevista na íntegra com Hélio Sassen Paz, mestre em Ciências da Comunicação.

PERGUNTA: Como a internet influencia a indústria fonográfica? Você acha que existem mais benefícios ou malefícios?

RESPOSTA: A digitalização, o compartilhamento, a facilidade de buscas e a disponibilidade da audição de arquivos de áudio em qualquer plataforma definitivamente alteraram para sempre a indústria fonográfica. Antes da internet e dos arquivos em formatos como, por exemplo, o MP3, a produção, a distribuição e o consumo de música dependiam exclusivamente de uma cadeia produtiva analógica, que demandava muita matéria-prima, uma extensa rede de varejo e a logística de transporte das fábricas para as distribuidoras e, sucessivamente, para as lojas. Era preciso ouvir uma faixa de cada vez no mesmo álbum (disco de vinil em tamanhos variados, sendo o LP com no máximo 1h de duração (em até 30 min. de músicas em cada um de seus dois lados). Nas fitas K7, a necessidade de rebobiná-la e a dificuldade de encontrar um ponto específico de cada canção tornavam a sua audição bastante dispendiosa. As rádios, por sua vez, não possuíam programação transmitida nem gravada via web ou aplicativos. De lá para cá, tornou-se possível a cada ouvinte realizar buscas com um único toque, além de poder salvar tantos arquivos quantos seu dispositivo de armazenagem permitir. A abundância de publicações profissionais e amadoras sobre os mais variados gêneros e culturas de fã; o incrível barateamento e a crescente facilidade de uso de aplicativos de edição e mixagem de som; os aplicativos de codificação e download peer to peer (de pessoa a pessoa, sem o intermédio de uma máquina que cumprisse o papel de um servidor de rede); os serviços de downloads pagos e os serviços de streaming via assinatura são fatores que mudaram toda a indústria fonográfica para sempre. A partir desses fatores, para o público e para os artistas, as vantagens do atual “ecossistema” de produção, divulgação e compartilhamento demonstram-se imensas.

PERGUNTA: Você acha que as vantagens da internet são diferentes para bandas independentes e para artistas que possuem contratos com gravadoras?

RESPOSTA: Sim, há diferenças. As bandas independentes utilizam todas as formas de divulgação e de compartilhamento muitas vezes sem o auxílio de uma assessoria de imprensa, sem campanha publicitária profissional e sem um investimento em marketing. Eles contam com o poder de compartilhamento e de engajamento de seus fãs, que se encarregam de ajudar a divulgar o trabalho da banda, de publicar fotos e vídeos de seus shows, etc. Essas atividades também são realizadas pelos fãs das bandas do mainstream. A diferença é que a gravadora investe em design gráfico e digital, assessoria de imprensa, relações públicas e publicidade (agendamento de entrevistas coletivas, participações em programas de rádio e TV, sinalização, programação visual, merchandising, etc.). Embora as celebridades consagradas pelos fãs das grandes bandas agora produziam performances a partir de situações ou cotidianas, ou inusitadas (isto é, tentem demonstrar que são “gente como a gente” pra gerar empatia), apesar da resposta do público online ser a de contribuir para contar a sua experiência de fruição da(o) respectiva(o) artista publicando um volume incrível de dados, a proximidade e a autenticidade da troca entre a(o) artista alternativa(o) e seus respectivos fãs tendem a expandir ainda mais o potencial de uma banda em nível global. Todos crescem. Porém, as big bands geram mais engajamento dentro de um público praticamente cativo. As bandas alternativas, por sua vez, tornam-se muito mais conhecidas do que poderiam ser com um alcance meramente local.

PERGUNTA: Com tantas formas de ouvir música online gratuitamente, você acha que é mais difícil para um artista sobreviver? É preciso fazer mais shows?

RESPOSTA: As grandes bandas dividem-se: enquanto certos artistas preferem defender o modelo de copyright das gravadoras para as quais trabalham com exclusividade como uma forma de faturar via downloads pagos e streaming, outros preferem permitir o downloads gratuito como uma forma de expandir o seu alcance, ganhar fãs pelo compartilhamento e pelo buzz sobre o seu trabalho. Se o artista alternativo for realmente profissional (isto é, se for solicito com os fãs e com a imprensa; se obedecer horários agendados e se procurar aperfeiçoar-se cada vez mais tanto no estilo como na técnica), ele viverá muito mais de seus shows do que da venda de arquivos. Com o devido preparo, a qualidade da gravação, da codificação e da divulgação via compartilhamento e engajamento produzidas por eles junto a seus fãs não devem nada ao trabalho realizado pelas grandes gravadoras.

Destaco ainda o fato de que, apesar dos arquivos com DRM (Digital Rights Management ou gestão de direitos digitais) trazerem alguma garantia de segurança para as gravadoras, o acervo musical de um serviço de aluguel de canções via streaming e de um aplicativo de compra de álbuns e de musicas avulsas são fundamentais para gerar credibilidade e volume de compras e de interações. Apesar disso (e do cerco judicial e policial), ainda é possível piratear arquivos. Portanto, até mesmo os grandes nomes da música vivem muito menos do copyright de venda e de veiculação do seu trabalho do que das turnês: afinal de contas, o público em rede deseja compartilhar a vivência junto à banda.

PERGUNTA: E o comportamento dos fãs, mudou?

RESPOSTA: Mudou bastante. Antes, recortes de jornais, coleção de vinis e gravações não-oficiais de shows eram os troféus materiais predominantes, além de recortes de jornais, revistas, camisetas, bonés, faixas de testa e bonecos.

Agora, em rede, os próprios fãs criaram um “ecossistema” comercial, onde vendem artesanato, impressões em 3D e uma infinidade de produtos em sites de leilão ou de lojas virtuais individuais… Além de os troféus simbólicos (fotos e vídeos) em shows, tietando os artistas no hotel, etc. terem-se tornado cada vez mais abundantes.

O uso criativo da expressão da paixão musical em rede proporciona a construção de narrativas (menes, vídeos com dramatizações de letras de musicas, imitações, etc.). Essas histórias podem ser individuais ou coletivas, espontâneas ou premeditadas. Isso valoriza a imagem de marca e desperta a curiosidade até mesmo de quem não é fã.

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