Pelo direito de continuar usando a máscara no queixo.
Você pode não ter reparado, mas as recentes liberações para o não-uso da máscara em ambientes públicos e fechados lançaram luz sobre um grupo que até então estava, estrategicamente, obscuro no cenário polarizado dos dias de hoje. Nós, os neutros.
Somos muitos. E, até hoje, você estava nos ignorando.
Nosso barulho é percebido apenas pelos ouvidos mais sensíveis. E nossa presença, pelos olhos mais atentos.
Somos aqueles que sabem equilibrar-se perfeitamente sobre os muros mais finos, inclusive nas questões conceituais mais complexas. Pegue o exemplo das máscaras. Por alguns, é vista como focinheira ideológica, usada para calar o grito raivoso dos homens de bem. Por outros, como arauto na luta pela lógica, pela ciência, e por que não, pela cura de toda injustiça social.
É impossível ser neutro em relação à máscara.
Tem certeza?
Vamos examinar a questão.
Queimem as máscaras. Dizem alguns de hoje, do mesmo jeito que as feministas noutra hora queimaram sutiãs para defender suas causas. Mas, assim como sutiãs, usar ainda é um direito individual. E agora? Como você se posiciona? Usar ou não usar. Uma vez tomada a decisão, você pulou o muro. E, como explicado acima, tomará um lado neste importante embate.
Usar?
Não usar?
Nós, os neutros, estamos aqui para defender o seu direito de não decidir.
Vamos fazer o que sempre fizemos: usaremos a máscara com o nariz para fora.
E já estamos por aí.
Nas padarias ensacando seus pães. Nas filas de supermercado. Estamos, diante dos seus olhos gritando pela morosidade.
Percebe nossa astúcia? Protestamos e apoiamos ao mesmo tempo.
E temos esse direito.
É nosso direito não tomar posição em questão alguma.
Nenhum decreto, nem contra, nem a favor, irá nos enquadrar nem em cumprimento, nem em desacato. Estamos na fina linha que separa os dois lados da interpretação jurídica.
É nosso direito não pender para direita. Nem à esquerda.
Não vamos olhar para cima.
Nem para baixo.
É nosso direito equilibrar o queixo. É seu direito também, aliás.
Você tem o direito de ser chapa branca.
É seu direito acompanhar a maioria, ainda que não saiba para onde ela está indo.
Você pode, melhor que isso, você merece anular seu voto. Seja inútil.
É seu direito não servir para nada.
Viva a aglomeração que segue protocolos. Ao álcool em gel com dosador seco. Ao garçom que tira a máscara para explicar o cardápio.
Viva ao morno.
Viva o médio.
Viva o agridoce.
Viva o cinza.
Viva ao mais do mesmo.
Viva à eterna máscara sobre o queixo.
