Um paradoxo no Palácio das Cerejeiras

Fabio Toledo
5 min readNov 30, 2020

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O ano de 2020 tem sido marcado por notícias ruins. Em 29 de novembro, isso não mudou. Por todo o Brasil, o segundo turno das eleições municipais foi marcado por vitórias dos partidos conservadores, que em muitos casos se elegeu com discurso de mudança, mas que, na prática, reafirma seu compromisso eleitoral em manter tudo como está.

Suéllen Rosim e seu vice, Dr. Orlando, chapa vencedora em Bauru (Foto: Reprodução/94FM)

Bauru foi uma cidade que não andou nos últimos quatro anos. Não foi à toa que seu prefeito, Clodoaldo Gazzetta (PSDB), nem sequer chegou ao segundo turno. Em um cenário eleitoral de opções tão ou mais fracas que o candidato à reeleição, não ter feito o mínimo ao longo dos 4 anos, obtendo a proeza de ver forte oposição em uma câmara tão conservadora quanto sua base de governo, levou Gazzetta a um fracasso retumbante.

Na disputa final, estava o representante número 1 da classe média e, principalmente, dos mais ricos da cidade, Dr. Raul (DEM), contra a representante número 2 da mesma classe, embora com maior entrada na camada popular, Suéllen Rosim (Patriota). Um embate entre conservadores, despolarizado, sem sal, de pouco engajamento, que levou à eleição de Suéllen, ex-jornalista, mulher e negra, representante de um partido a formar a base do governo federal, o mesmo que persegue o bom jornalismo e deslegitima os movimentos em prol da valorização da mulher e do negro na sociedade.

De fato, a nova prefeita de Bauru é um paradoxo. Talvez por isso, pouco desenvolveu causas vinculadas à questão racial ao longo da campanha e só valorizou as mulheres quando lhe conveio. Afinal, o “núcleo duro” de sua campanha era conservador, masculino e branco. Até com gente de fora da cidade, no caso, de Birigui, cidade base da sua família, mas onde os Rosim não são tão populares assim. Por lá, pastor Dozimar Rosim, pai de Suéllen, recebeu 410 votos e não se elegeu vereador (foi o terceiro mais votado dentro do partido).

É provável que Suéllen tenha entrado no pleito sem esperar o rumo que ele tomou. Ao menos, pelo discurso raso e demonstração de pouco conhecimento da cidade e seus problemas, o plano seria fazer um nome, visando as eleições de 2022, a fim de ir melhor do que em 2018, quando foi incapaz de se eleger deputada estadual. Porém, ocorreu a onda de proporções locais contra o atual prefeito, respingando até mesmo no principal candidato de “oposição”.

Em uma eleição com 13 candidatos, era difícil até saber o nome de todos que estavam disputando voto. Somente a esquerda, bastante restrita e de pouca capilaridade com a população bauruense, colocou ao menos três candidaturas no pleito. Nem mesmo o apoio do deputado federal Rodrigo Agostinho levou Rosana Polatto (PSB) a decolar. Ela acabou atrás de Jorge Moura, do PT, partido ainda de alta reprovação na cidade, mas com um novo sopro a partir da juventude.

Com tantas opções, o eleitorado médio foi atrás dos nomes mais conhecidos. Havia a alternativa de votar no prefeito; na oposição, mas nem tanto, dele, que havia disputado o segundo turno em 2016; e em um nome novo e conhecido por sua passagem pela TV local. O segundo turno se definiu assim, já com vantagem para Suéllen Rosim.

Em tese, 111.143 votos estavam definidos para a disputa final. A decisão ficaria por conta da distribuição dos cerca de 77 mil eleitores que optaram por outros candidatos. Um número considerável, mas com pré-disposições. Afinal, os 14 mil votos de Gazzetta dificilmente iriam para seu principal adversário, Dr. Raul, nem as escolhas mais idealistas dos 9.600 de Jorge Moura. A rejeição ao candidato do DEM, marcado por subir em palanque bolsonarista quando apostava na onda de 2018, era mais alta do que a da candidata do Patriota, embora fossem o mesmo produto, em embalagens diferentes.

Isso ficou claro quando o assunto abordado foi “sociedade diversa”, como o próprio Raul apresentou o tema no debate da TV Unesp. As falas de ambos foi tão patéticas quanto o não uso da palavra “diversidade”. Se a candidata falou que iria respeitar a todos, mas não ressaltou com mais detalhes, o candidato mostrou a demagogia clássica de quem só busca o voto, dizendo que todos seriam vistos com carinho por ele. Propostas de políticas públicas em prol da diversidade passou longe.

Por uma estratégia errada, ou por também ter teto de vidro, a campanha do segundo turno de Raul falhou na busca por arrecadar os votos para virar. Mesmo com muitos debates ao longo de 15 dias, não expôs os problemas mais notáveis da candidata: um discurso básico, de fácil assimilação, mas sem levantar propostas sólidas para a cidade. Dava para perceber a limitação de Suéllen com relação ao conhecimento e o que pensava sobre a cidade desde o primeiro debate, na Band, quando ela teve 4 minutos de considerações finais e utilizou apenas 30 segundos para expor suas ideias. Nos outros 3:30, apenas repetiu três vezes as mesmas coisas.

Raul ficou pouco mais de 4 mil votos atrás de Suéllen no primeiro turno. Tinha grande possibilidade de recuperar essa diferença e ultrapassar, mas faltou-lhe carisma e, principalmente, buscar uma polarização necessária em segundos turnos. O problema era tentar polarizar com uma candidata de mesmo espectro político, incoerente, mas de maior alcance popular — incluindo uma base neopentecostal. É isso que garante a vitória em um cenário onde não há ideias de cidade.

Em suma, havia nesta eleição para prefeito de Bauru um apoio de muitas forças municipais contra o prefeito, escolhendo Dr. Raul como seu candidato. Por sua vez, o eleitorado assimilou essa ideia de maneira parcial. A terceira via dentro dos nomes conservadores foi escolhida, diante de uma votação que contou com ⅓ da população se abstendo na decisão. Entre abstenções, votos brancos e nulos, mais de 110 mil pessoas notaram que não havia uma opção certa, ou menos pior. De qualquer maneira, Bauru estaria sem rumo por mais 4 anos.

Suéllen venceu Raul, mas não é maioria, pois mais de 100 mil pessoas não escolheram nem um, nem outro. Dessa forma, não se trata do fim. Embora não se espere muito do próximo governo, é mais do que necessário acompanhá-lo de perto e cobrá-lo. Mesmo sem propostas sólidas, a população precisa ficar de olho nos próximos 4 anos, uma vez que política é uma função diária do cidadão e, pode-se dizer que mais do que nunca, há um grande risco de fracasso na administração pública. Digo isso não pelo que machistas e racistas têm levantado, mas pelo despreparo notório da nova prefeita e por quem a cerca.

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Fabio Toledo

25 anos, jornalista, escritor e humano em formação contínua