Sophie Scholl e a Rosa Branca

Fabíola Queiroz
5 min readSep 26, 2015

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Hans Scholl, Sophie Scholl e Christoph Probst, 1942.

O ano era 1943, em seu 18º dia do mês de fevereiro, dois estudantes, chegam mais cedo à Universidade de Munique e trazem consigo uma mala. Ambos começam a percorrer os corredores e salas da instituição deixando pelos cantos os panfletos de uma organização de resistência já bem conhecida. Não sabem que sua movimentação é percebida por um dos inspetores… Um homem chamado Jakob Schmid. O horário do intervalo das aulas se aproxima e os jovens se preparam para irem embora. A moça nota que ainda existem panfletos na mala. Ambos voltam então ao átrio e sobem para o piso superior de onde deixam cair os panfletos restantes sobre a massa de estudantes que deixavam as salas de aula.

Eram Sophie e Hans Scholl pertencentes a organização de resistência anti-nazista chamada Rosa Branca. No mesmo dia da chuva de panfletos eles e Christoph Probst, um dos autores dos panfletos e também parte da organização, foram presos pela Gestapo acusados de traição. Aquele foi o último panfleto redigido pelo grupo e clamava o trecho a seguir:

Nós crescemos em um estado no qual toda a livre expressão de opinião é inescrupulosamente suprimida. A Juventude Hitlerista, a SA, a SS tentaram nos drogar para nos revolucionar, para nos arregimentar durante os mais jovens e promissores anos das nossas vidas. “Formação Filosófica” é o nome dado ao método desprezível pelo qual nosso desenvolvimento intelectual em nascimento é abafado por uma névoa de frases vazias. Um sistema de seleção de líderes ao mesmo tempo inimaginavelmente diabólico e tacanho treina seus futuros figurões do partido na “Castles of the Knightly Order” para se tornarem homens sem Deus, insolentes, exploradores sem escrúpulos e executores — cegos, puxa-sacos estúpidos do Führer. Nós, “Trabalhadores Intelectuais”, são os que devem colocar obstáculos no caminho desta casta de senhores.

Tradução feita com base no sexto panfleto já traduzido para o inglês por Fabíola Queiroz

Começo esse artigo pelo que poderia ser seu final, na tentativa de atrair o público leitor com um dos momentos mais marcantes e poéticos da organização e, provavelmente, da vida desses jovens que tiveram a coragem necessária para se erguerem contra um regime considerado invencível à época.

Sophie Scholl nasceu em 09 de maio de 1921, filha de Robert Scholl que à época era prefeito de Forchtenberg. Era a quarta de seis filhos. Ela e seu irmão Hans, bem como toda a família, foram criados na fé luterana e receberam a melhor educação que seu pai dono de um pensamento liberal e contrário ao Partido Nacional-Socialista podia lhes fornecer. A jovem, como a maioria, juntou-se a Liga das Garotas Alemãs, logo qualquer entusiasmo que podia ter pelo movimento deu lugar a críticas; ela estava ciente da opinião política de seu pai, amigos da família e de alguns professores. Logo opor-se ao regime tornaria-se o critério pelo qual escolheria suas amizades.

Grande parte da sua mudança de pensamento deu-se ao ver seu irmão, Hans, ser preso junto com alguns amigos em 1937 para serem forçados a participarem do Movimento da Juventude Alemã. A vez de Sophie não tardou e ao se formar no secundário foi necessário ingressar no Reichsarbeitsdienst (Serviço Nacional de Trabalho) para poder ser admitida na universidade, trabalhou então por seis meses no serviço de guerra auxiliar como professora de enfermagem.

Ao ingressar na faculdade, seu irmão Hans a apresentou aos seus amigos que juntos formavam um grupo que destinava a apreciação e discussão das artes, da filosofia, da teologia, da música e da literatura além de participarem de atividades esportivas. Durante a primavera e o verão de 1942, o que era um simples grupo de amigos se transformaria na organização que ficaria conhecida por sua atividade política. Naqueles dias o que Sophie mais se perguntava era como um indivíduo deveria agir sob uma ditadura.

Nos meses subsequentes Sophie teve serviço de guerra em uma usina metalúrgica em Ulm enquanto seu pai cumpria pena na prisão por ter feito crítica a um funcionário sobre Hitler. Ao mesmo tempo seu namorado Fritz Hartnagel foi mandado ao fronte oriental onde testemunhou em primeira mão os horrores cometidos pelos nazistas e relatou-os em cartas à namorada e aos amigos. Tais missivas mais as compilações dos sermãos do Cardeal John Henry Newman incentivaram Hans Scholl, juntamente com Willi Graf e Christoph Probst, a fundarem a Rosa Branca.

Sophie foi inicialmente mantida as escuras pelo irmão quanto a organização, porém, tão logo soube e uniu-se à eles tornando-se fundamental devido ao fato de que uma mulher levantaria menos suspeitas em relação aos SS.

A Rosa Branca redigiu e distribui ao todo seis panfletos anti-nazistas. Os quatro primeiros tinham grande fundo teológico e filosófico citando trechos do Apocalipse e incitando a consciência dos cidadãos alemães enquanto os dois últimos eram mais pragmáticos e diretos, buscavam incitar a população a ação. A organização distribuía seus panfletos pelo correio para diversas regiões da Alemanha e da Áustria, sendo encontradas cópias em cidades como Stuttgart, Colônia, Viena, Freiburg, Chemnitz, Hamburgo e Berlim — além de os distribuírem também pela própria Universidade de Munique.

Sophie, Hans e Christoph foram presos naquele dia, 18 de fevereiro, acusados de alta traição. Em 22 de fevereiro, foram julgados sumariamente, condenados a morte pela guilhotina e executados às 17 horas do mesmo dia. Posteriormente, os carcereiros relataram a coragem daqueles jovens, principalmente da moça, que caminhou sozinha até a guilhotina apoiada apenas em muletas devido a perna quebrada durante os interrogatórios e que, quando lá chegou, declarou: “Die Sonne scheint noch” — “O sol ainda brilha.“.

Após sua morte, uma cópia do sexto panfleto foi contrabandeada para o Reino Unido através da Escandinávia pelo jurista alemão Helmuth James Graf von Moltke. Os Aliados a utilizaram como propaganda semeando milhares de exemplares pelo céu da Alemanha em meados daquele ano com o novo nome de “O Manifesto dos Estudantes de Munique”.

Hoje, aqueles que forem à Alemanha poderão observar no pátio da Universidade Ludwig Maximilian, em Munique, um singelo monumento à Rosa Branca e aos jovens que dela participaram. Há no chão cópias dos panfletos distribuídos como se tivessem acabados de serem jogados por Sophie.

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Originally published at www.escribacafe.com on October 14, 2014.

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