Maconha medicinal versus CBD purificado no tratamento da epilepsia. Tem novidade na praça

Fabricio Pamplona
Tudo Sobre Cannabis
6 min readSep 17, 2018

Essa semana saiu um paper fresquinho sobre um dos temas mais polêmicos nos tratamentos com canabinoides: é melhor usar o extrato da planta ou canabinoides purificados?

Embora não haja uma resposta taxativa para esse questionamento, esse paper promete reacender o debate com dados clínicos organizados em um estudo de meta-análise, que pode ser encontrado na íntegra aqui.

Vocês vão notar que estou fazendo propraganda própria, afinal o paper é de minha autoria junto com o amigo Lorenzo Rolim da Bedrocan Brasil e a Profa Ana Carolina Coan, da UNICAMP. Quando forem ler qualquer notícia sobre o tema, sempre se atentem à fonte. E aí vai minha própria declaração de conflito de interesse: realizei esse estudo enquanto estava atuando como diretor científico da Entourage Phytolab, empresa que desenvolve medicamentos à base de Cannabis e que usa esse conceito de "extrato integral" nos seus produtos.

Disponível em https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fneur.2018.00759/full

Os que tiverem bastante interesse, podem ir atrás e ler o estudo completo, que é bem interessante. Versões preliminares dele foram apresentadas em eventos internacionais como a ExpoCannabis no Uruguai, o SILAE na Colômbia e o CannMed nos Estados Unidos.

A versão finalmente publicada é uma atualização daquelas versões iniciais, agora contendo dados de 11 estudos internacionais sobre epilepsia refratária.

Pra facilitar, as duas figuras abaixo resumem as principais desobertas.

  1. Quando perguntados se "Houve melhora com o tratamento?" mais de 70% dos pacientes ou seus familiares relataram que "sim, houve melhora" no tratamento com "óleo de Cannabis", enquanto apenas 30% relataram melhor com CBD purificado. Essa diferença é bastante relevante, literalmente o dobro.

2. Quando se avaliar a dose média de CBD utilizada pelos pacientes, vem mais uma surpresa. Quando usaram o "óleo de Cannabis", a dose relatada é 4x inferior ao CBD purificado. Tem-se usado esse tipo de análise como evidência da existência de um efeito sinérgico entre o CBD e demais compostos presentes nos extratos. É possível, até mesmo provável, mesmo que seja ainda difícil definir contundentemente quais compostos são necessários para esse efeito ocorrer, visto que estamos falando de um fitocomplexo.

Na prática, isso também significa que o mesmo frasco de tratamento vai durar 4x mais, ou seja, 1 mês ao invés de uma semana. Também acho esse aspecto bastante relevante.

Outros efeitos interessantes demonstrados no estudo foi que o extrato de Cannabis apresentou menos efeitos colaterais comparado ao CBD puro, o que é bastante contra-intuitivo, e a meu ver tem uma relação direta com o uso de uma dose menor pelos pacientes tratados com extrato.

Além disso, as melhoras foram observadas não somente na redução de crises epiléticas, mas também em aspectos como humor, cognição, sono, alerta, desenvolvimento motor e melhora no comportamento.

Pelo que me relatam os familiares de pacientes é comum se observar melhora nestes aspectos "secundários", mesmo quando não há uma redução muito marcante na redução de crises. No dia a dia, há uma contribuição bastante grande na melhora de qualidade de vida…

Pra quem gosta de "dado de verdade", abaixo a imagem que resume os dados do artigo de meta-análise. Cada círculo desses é um estudo, e quanto maior o tamanho, mais pacientes participaram do estudo. Em verdade temos os estudos de extratos de Cannabis e em cinza os estudos de CBD purificado. A linha pontilhada apresenta a média do número de pacientes que relataram melhoras. Então veja que os estudos à direita possuem mais pacientes "positivos" em relação à média. Na esquerda estão os estudos que desempenharam abaixo da média. Importante: estamos falando somente de estudos observacionais, e há diferença no desenho e rigor da análise de cada estudo. Para entender de verdade, por favor leia a meta-análise e depois remeta ao estudo original.

Figura do artigo de meta-análise. Cada círculo desses é um estudo, e quanto maior o tamanho, mais pacientes participaram do estudo. Em verdade temos os estudos de extratos de Cannabis e em cinza os estudos de CBD purificado. A linha pontilhada apresenta a média do número de pacientes que relataram melhoras. Então veja que os estudos à direita possuem mais pacientes “positivos” em relação à média. Na esquerda estão os estudos que desempenharam abaixo da média.

Abaixo uma lista completa de todos os estudos que foram considerados na meta-análise. Pra facilitar a identificação, deixei a lista de referências com a mesma numeração da tabela. Assim quem quiser pode mergulhar no paper original e entender um pouco mais a fundo o que foi feito.

Notem que são todos estudos internacionais realizados em instituições renomadas, revisados por pares e publicados em revistas científicas. Aqui estamos falando de evidências de verdade…

Tabela retirada do estudo de meta-análise

Referências:

6. Devinsky O, Marsh E, Friedman D, Thiele E, Laux L, Sullivan J, et al. Cannabidiol in patients with treatment-resistant epilepsy: an open-label interventional trial. Lancet Neurol. (2016) 15:270–8. doi: 10.1016/S1474–4422(15)00379–8

7. Gofshteyn JS, Wilfong A, Devinsky O, Bluvstein J, Charuta J, Ciliberto MA, et al. Cannabidiol as a potential treatment for febrile infection-related epilepsy syndrome (FIRES) in the acute and chronic phases. J Child Neurol. (2017) 32:35–40. doi: 10.1177/0883073816669450

8. Geffrey AL, Pollack SF, Bruno PL, Thiele EA. Drug-drug interaction between clobazam and cannabidiol in children with refractory epilepsy. Epilepsia (2015) 56:1246–51. doi: 10.1111/epi.13060

9. Hess EJ, Moody KA, Geffrey AL, Pollack SF, Skirvin LA, Bruno PL, et al. Cannabidiol as a new treatment for drug-resistant epilepsy in tuberous sclerosis complex. Epilepsia (2016) 57:1617–24. doi: 10.1111/epi.13499

10. Rosenberg EC, Louik J, Conway E, Devinsky O, Friedman D. Quality of life in childhood epilepsy in pediatric patients enrolled in a prospective, open-label clinical study with cannabidiol. Epilepsia (2017) 58:e96–100. doi: 10.1111/epi.13815

11. Porter BE, Jacobson C. Report of a parent survey of cannabidiol-enriched cannabis use in pediatric treatment-resistant epilepsy. Epilepsy Behav. (2013) 29:574–7. doi: 10.1016/j.yebeh.2013.08.037

12. Hussain SA, Zhou R, Jacobson C, Weng J, Cheng E, Lay J, et al. Perceived efficacy of cannabidiol-enriched cannabis extracts for treatment of pediatric epilepsy: a potential role for infantile spasms and Lennox-Gastaut syndrome. Epilepsy Behav. (2015) 47:138–41. doi: 10.1016/j.yebeh.2015.04.009

13. Tzadok M, Uliel-Siboni S, Linder I, Kramer U, Epstein O, Menascu S, et al. CBD-enriched medical cannabis for intractable pediatric epilepsy: the current Israeli experience. Seizure (2016) 35:41–4. doi: 10.1016/j.seizure.2016.01.004

14. Aguirre-Velázquez CG. Report from a survey of parents regarding the use of cannabidiol (Medicinal cannabis) in mexican children with refractory epilepsy. Neurol Res Int. (2017) 2017:2985729. doi: 10.1155/2017/2985729

15. Treat L, Chapman KE, Colborn KL, Knupp KG. Duration of use of oral cannabis extract in a cohort of pediatric epilepsy patients. Epilepsia (2017) 58:123–7. doi: 10.1111/epi.13617

O principal objetivo deste Medium é trazer informação de alto nível a respeito de ciência e tecnologia no âmbito da Cannabis medicinal, um campo da medicina que está florescendo nos últimos anos. Às vezes, a gente se arrisca a falar de uma outra curiosidade menos explorada sobre este planta. Interessou? Siga acompanhando!

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Fabricio Pamplona
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Neurocientista. Empreendedor. Muita história pra contar.