O funcionamento da política monetária no Brasil

Fabrício
27 min readSep 23, 2019

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A política monetária brasileira possui um mecanismo de funcionamento simples, porém a explicação é um tanto longa. Não obstante, o objetivo deste artigo não é apresentar críticas ao nosso atual sistema.

No mais, é possível que esse artigo sofra atualizações.

Os títulos do Tesouro

Toda a encrenca se origina de um fato muito simples: o governo é incapaz de manter um orçamento equilibrado, isto é, o governo é incapaz de gastar apenas aquilo que ele arrecada.

Como sua receita tributária é sempre menor que suas despesas — afinal, vivemos em uma democracia, e quanto mais o partido governante gastar com seus apaniguados e com toda a sua base de apoio, maiores as chances de ele se eternizar no poder — , o governo está sempre precisando arrumar outros meios de financiamento.

E o responsável por conseguir esse financiamento é o Tesouro Nacional. O Tesouro pode se financiar apenas com a emissão de títulos (ele não tem o poder de imprimir moeda, como tem o Banco Central — que ainda não entrou na história). Quando a arrecadação de impostos é insuficiente para cobrir os gastos do governo, o Tesouro tem de emitir títulos para conseguir mais dinheiro.

O Tesouro precisa emitir títulos, ou seja, precisa se endividar para conseguir financiamento. Quem compra esses títulos? Em sua maioria, bancos (também chamados de ‘intermediários financeiros’, no jargão politicamente correto). Entretanto, pessoas físicas como você também podem comprar esses títulos diretamente do Tesouro.

As pessoas físicas comprando títulos ainda representam uma exceção — o grosso dos títulos é de fato comprado pelos bancos. Mas não é qualquer banco que pode comprar esses títulos diretamente do Tesouro. Apenas 10 têm esse privilégio (Bradesco, Citibank, Banco Do Brasil, Itaú, Banco Safra, Santander, UBS Pactual, Votorantim e Caixa Econômica Federal). Esses bancos são chamados de Dealers Primários.

Assim, quando o Tesouro decide emitir títulos, ele vai ao “mercado primário” e vende esses títulos a esses 10 bancos.

Quais são esses títulos? Existem seis tipos de títulos, que diferem entre si de acordo com seu tipo de rentabilidade: fixa ou variável (ou pré-fixado e pós-fixado, respectivamente). Eis a seguir uma especificação mais detalhada de cada um deles:

LTN — Letras do Tesouro Nacional: títulos com rentabilidade definida (taxa fixa) no momento da compra. Você sabe de antemão quantos reais vai ganhar. Forma de pagamento: no vencimento;

LFT — Letras Financeiras do Tesouro: títulos com rentabilidade diária vinculada à taxa de juros básica da economia (a taxa SELIC). Forma de pagamento: no vencimento;

NTN-C — Notas do Tesouro Nacional — série C: títulos com rentabilidade vinculada à variação do IGP-M, acrescida de juros definidos no momento da compra. Forma de pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento (principal);

NTN-B — Nota do Tesouro Nacional — série B: título com rentabilidade vinculada à variação do IPCA, acrescida de juros definidos no momento da compra. Forma de pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento (principal);

NTN-B Principal — Nota do Tesouro Nacional — série B: título com rentabilidade vinculada à variação do IPCA, acrescida de juros definidos no momento da compra. Não há pagamento de juros semestrais. Forma de pagamento: no vencimento (principal);

NTN-F — Nota do Tesouro Nacional — série F: título com rentabilidade prefixada, definida no momento da compra. Forma de pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento (principal).

Observe que, com exceção da LFT, todos os outros títulos têm seus juros definidos no momento da compra (a única variável é o índice de inflação, utilizado para a correção monetária).

A LTN, por sua vez, é um título cujo valor de resgate é o seu valor de face (R$1.000 ou um múltiplo de 1.000). Ou seja, você o compra por um determinado valor (sempre menor que seu valor de face) e, na data de seu vencimento, o Tesouro vai lhe pagar exatamente o valor de face do título (R$1.000 ou seu múltiplo). Os mais aficionados podem se informar melhor aqui.

Até agora, tudo bem?

Resumindo tudo: o Tesouro emite vários tipos de títulos que são comprados pelos bancos. Uma vez em posse dos bancos, esses títulos podem ser livremente comercializados entre si (algo que veremos mais à frente), porém eles somente serão resgatados pelo Tesouro (isto é, serão retirados do mercado, após o pagamento do principal e juros) na sua data de vencimento. Quando esses títulos são leiloados pelo Tesouro, já se sabe de antemão (exceto para as LFTs) quais serão os juros que o Tesouro terá de pagar aos compradores dos títulos. Vale repetir, a única variável será o índice de inflação utilizado em cada título como forma de correção monetária.

O Banco Central não participa dessas vendas no mercado primário (até maio de 2002 ele podia emitir títulos próprios; hoje, não pode mais. Todos os seus títulos já foram resgatados). Ele vai atuar apenas no mercado secundário, do qual falaremos adiante. Além disso, sua atuação não vai alterar o fluxo dos juros pagos pelo Tesouro aos portadores dos títulos (exceto, novamente, no caso das LFTs, cujo rendimento é sim alterado pelas ações do Banco Central). O fluxo de juros de cada título (exceto para as LFTs) é determinado no leilão primário. Atuações posteriores do Banco Central não vão gerar alterações no montante de juros pagos aos portadores desses títulos.

Observe que, até agora, o Banco Central não entrou na história. Apenas o Tesouro e os bancos participaram do esquema.

O compulsório

A única entidade que goza do monopólio da emissão de moeda é o Banco Central. Embora seja o Banco Central a única entidade que cria a moeda física (as cédulas e moedinhas metálicas que utilizamos no dia a dia), o sistema bancário é capaz de, literalmente, criar de dinheiro do nada, algo que os economistas chamam de moeda escritural. Trata-se de dinheiro ‘fictício’, pois não existe fisicamente. São apenas números eletrônicos.

Funciona assim: João deposita R$ 10.000 em sua conta-corrente no Banco A. João pode até achar que esses R$ 10.000 ficarão ali parados, como um carro em um estacionamento pago, mas não ficarão. Como o sistema bancário é de reservas fracionárias, os bancos mantêm como reservas apenas parte do dinheiro que neles foi depositado. Assim, o Banco A vai guardar uma parte desse dinheiro (digamos, R$ 3.000) e emprestar o restante (R$ 7.000) para José. José vai gastar esse dinheiro de alguma forma, e ele (o dinheiro) inevitavelmente acabará sendo depositado em outro banco, o Banco B. O Banco B vai guardar uma parte desse dinheiro (digamos, R$ 2.100) e emprestar o restante (R$ 4.900) para Antônio, que adotará o mesmo procedimento de José, dando assim continuidade ao ciclo. Ao mesmo tempo em que o dinheiro de João foi sendo “passado adiante”, o próprio João continua tendo acesso integral a esse mesmo dinheiro (que é seu), seja emitindo cheques ou utilizando cartão de débito. Dessa forma, os R$ 10.000 iniciais se multiplicaram.

A porcentagem que cada banco teve de guardar (no exemplo acima, 30% do valor do depósito) é determinada pelo Banco Central. Essa porcentagem é chamada de depósito compulsório. Os bancos são obrigados a depositar essa quantia junto ao Banco Central. Trata-se de um mecanismo de controle da expansão monetária. Quanto menor for essa porcentagem, maior será a quantidade de dinheiro que os bancos podem criar via empréstimos. Os bancos criam dinheiro (eletronicamente) em uma quantia que é inversamente proporcional à taxa do compulsório. No Brasil, o compulsório está atualmente em 28%, o que significa que os bancos podem criar dinheiro no valor de até 3,6 vezes o total de reservas compulsórias (1/0,28). Logo, os R$ 10.000 de João acabam virando R$ 36.000.

Em resumo, o essencial desse tópico é entender que os bancos são obrigados a manter no Banco Central, diariamente, uma determinada porcentagem de seus depósitos à vista.

O mercado interbancário

Milhões de operações bancárias são realizadas diariamente em todo o país. Depósitos, saques e transferências bancárias são as principais.

Assim, é normal que um determinado banco chegue ao final do dia tendo em suas reservas uma porcentagem menor do que aquela que o Banco Central determina que ele deve ter em relação aos seus depósitos à vista. Da mesma forma, é normal que um determinado banco chegue ao final do dia tendo em suas reservas uma porcentagem maior do que aquela que o Banco Central determina que ele deve ter em relação aos seus depósitos à vista.

Por exemplo, peguemos o compulsório vigente no Brasil: 28%. Se o Banco A, ao final do dia, tiver um total de R$ 100.000 em depósitos à vista, mas suas reservas junto ao Banco Central totalizarem apenas R$ 25.000, então ele terá de conseguir mais R$ 3.000 para “fechar seu balanço”. (Os motivos para ele estar abaixo do limite podem ser vários, principalmente um número de saques maior que o número de depósitos. Isso, acredite, é extremamente comum). O Banco A terá duas opções para conseguir esses R$ 3.000: ele pode recorrer ao próprio Banco Central e pedir um empréstimo (esse empréstimo é chamado de redesconto) ou ele pode pedir emprestado para um outro banco que esteja com excesso de reservas (porque teve um número de depósitos maior do que o de saques).

O mecanismo do redesconto raramente é utilizado, pois os juros são punitivos (justamente para coibir a prática). Assim, o procedimento mais comum é recorrer ao banco que está com excesso de reservas.

Esse mercado onde um banco empresta para o outro é chamado de mercado interbancário. Por lei, o banco que pede emprestado é obrigado a pagar esse empréstimo no dia seguinte. Assim, se o Banco A tiver de pedir R$ 3.000 emprestados ao Banco B no final de uma segunda-feira, o Banco A é obrigado por lei a pagar principal e juros ao Banco B já na terça-feira.

E o que é mais importante: como foi explicado lá no início, os bancos possuem títulos que compraram do Tesouro. Assim, o Banco A, ao pedir R$ 3.000 emprestados para o Banco B, irá dar ao Banco B esses mesmos títulos públicos como garantia (colateral) ao empréstimo.

Em economês, diz-se que esse empréstimo está lastreado em títulos públicos. Desta forma, o Banco B vai comprar títulos públicos do Banco A, tendo a garantia de que o Banco A vai recomprar esses títulos no dia seguinte, pagando juros. Como essa operação dura um dia, ela é batizada de overnight — que no economês anglófono significa uma operação financeira com prazo de 24 horas.

O que é realmente importante em tudo isso é a taxa de juros utilizada nesse empréstimo interbancário. Essa taxa de juros — que um banco cobra do outro no mercado interbancário, para operações de um dia e que possuem lastro em títulos públicos federais — é exatamente a taxa SELIC.

Vou repetir a definição da taxa SELIC, dessa vez utilizando o preguiçoso artifício de recorrer à Wikipédia: a taxa SELIC é a taxa usada para operações de curtíssimo prazo entre os bancos, que, quando querem tomar recursos emprestados de outros bancos por um dia, oferecem títulos públicos como lastro (garantia).

Por exemplo, em um dia desses, a taxa SELIC foi de 0,032927%. (Você pode acompanhar essas taxas diariamente aqui). Isso quer dizer que o Banco A teve de pagar ao Banco B, além dos R$3.000, um juro de 0,032927% desse valor — que é igual a R$ 0,99. Ou seja, em uma operação 100% segura (os títulos são garantidos pelo governo), o Banco B lucrou quase R$ 1 ao emprestar R$ 3.000 por apenas um dia. (Considerando o volume de empréstimos interbancários que ocorrem diariamente, conclui-se que o negócio não é nada ruim).

Como a taxa SELIC é a taxa de juros para empréstimos de apenas 1 dia, seu valor é pequeno. Por isso ela é divulgada em termos anuais, tendo como base 252 dias úteis ao ano. Em termos matemáticos, pegamos o valor da taxa diária, dividimos por 100, somamos um e elevamos o resultado ao expoente 252.

Fazendo a operação acima para o nosso exemplo, temos que:

(1,00032927)252 = 1,0865 = 8,65%

O que dá uma SELIC anualizada de 8,65%, bem próxima da meta atual do Banco Central, de 8,75%.

Pelo bem da simplificação, utilizamos um exemplo em que havia apenas dois bancos. É óbvio que, no mundo real, existem vários bancos incorrendo em vários empréstimos mútuos diariamente. Nesse caso, as taxas variam de um empréstimo para o outro, porém dentro de um intervalo muito pequeno — sendo esse intervalo estritamente controlado pelo Banco Central, como veremos na próxima seção.

No final do dia, calcula-se a taxa de juros média de todos os empréstimos interbancários. Essa média é ponderada pelo volume dos negócios que foram realizados nesse mesmo dia. O resultado final será a taxa média SELIC do dia, que normalmente é publicada por volta das 20h00 do próprio dia. No nosso exemplo, essa taxa média foi de 0,032927%.

Portanto, o que temos até agora: o Tesouro precisa de financiamento. Ele vende títulos para os bancos. Esses títulos serão resgatados em uma determinada data. Simultaneamente, os bancos são obrigados pelo Banco Central a manter um determinado percentual de seus depósitos à vista depositados junto ao Banco Central. Aqueles que não cumprirem essa meta ao final do dia terão de pedir empréstimos para outro banco que tenha reservas “em excesso”. A taxa de juros desses empréstimos, que têm a duração de 1 dia, é exatamente a taxa SELIC, que é divulgada em termos anualizados.

Ah, sim, o que significa SELIC? Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, que nada mais é do que o sistema informatizado que gerencia todas as operações que envolvem títulos públicos. Aqui vai um resumo bem básico, porém correto.

Amarrando os pontos

Agora só falta amarrarmos as pontas soltas. Como o Banco Central atua para alterar a SELIC? Por que ele faz isso? Quais as consequências? Qual a relação da SELIC com os juros pagos pelos títulos do Tesouro? Qual a relação que você como correntista de um banco tem com tudo isso?

Vamos lá. Existem dois tipos de mercado para os títulos públicos: o primário e o secundário. O primário é aquele que já foi descrito (bancos selecionados — dealers primários — compram os títulos diretamente do Tesouro); o secundário é aquele que envolve o Banco Central e os bancos (ou qualquer outro agente em posse de títulos públicos).

Quando o Banco Central quer alterar a base monetária — tanto expandi-la quanto contraí-la -, ele precisa realizar aquilo que chamam de operações de mercado aberto (open market), isto é, o Banco Central compra e vende títulos públicos no mercado secundário. Vale repetir que o Banco Central não emite títulos; ele compra e vende os títulos do Tesouro, que inicialmente estavam em posse dos bancos.

Quando o Banco Central realiza compras no mercado aberto, ele expande a base monetária. Como? Grosso modo, ele aperta um botão no computador e acrescenta alguns dígitos na conta (as reservas compulsórias) que o banco que está vendendo os títulos possui junto ao Banco Central. De onde veio esse dinheiro? De lugar nenhum. O Banco Central o criou do nada. Nenhuma outra conta foi debitada. A base monetária expandiu magicamente. Nesse caso, as reservas desse banco aumentaram, o que o permitirá conceder empréstimos a juros menores no mercado interbancário. Como isso está ocorrendo simultaneamente com vários bancos, os juros do interbancário caem. Logo, a taxa SELIC caiu.

Quando o Banco Central realiza vendas no mercado aberto, ele contrai a base monetária. Nesse caso, ele vende para um banco títulos do Tesouro que estavam em sua posse. Assim, haverá um débito na conta que esse banco comprador tem junto ao Banco Central. O dinheiro, que é eletrônico, desaparece (é como se a tecla Del fosse apertada). Portanto, as reservas desse banco diminuíram, o que fará com que ele tenha de pedir empréstimos no mercado interbancário para se manter dentro da porcentagem exigida pelo compulsório. Como isso está ocorrendo simultaneamente com vários bancos, os juros do interbancário sobem. Logo, a taxa SELIC subiu.

Já sabemos, portanto, qual o canal de entrada e saída do dinheiro no sistema econômico. Sabemos também que uma expansão monetária diminui os juros do interbancário (a taxa SELIC), e que uma contração monetária aumenta esses juros.

Porém, apenas dizer que expandir ou contrair a base monetária diminui ou aumenta os juros, respectivamente, não é suficiente. É correto na teoria, porém na prática o Banco Central precisa de instrumentos tangíveis sobre os quais sustentar sua política de determinação de juros. Por exemplo, se você é o Henrique Meirelles e quer manter a SELIC em 8,75% ao ano, de nada vai adiantar ficar injetando ou retirando dinheiro do mercado, na esperança de que os 8,75% surjam naturalmente. Você precisa ter uma baliza.

Por isso, vejamos agora o método operacional do Banco Central.

Os títulos emitidos pelo Tesouro, como mostrado lá no início, podem ser do tipo que promete um único pagamento no vencimento (LTN, LFT e NTN-B Principal), ou do tipo que promete pagamentos múltiplos antes do vencimento e um pagamento no vencimento (NTN-F e NTN-B). Nesse segundo caso, os títulos são chamados de títulos com cupom. Os cupons são justamente os pagamentos efetuados pelo Tesouro antes do vencimento do título, sendo que o principal é pago no vencimento.

Por exemplo, imagine que o Tesouro emitiu uma LTN cujo valor de face é R$ 1.000 e seu vencimento se dê em um ano. O preço de compra desse título vai ser definido pela oferta e demanda. Suponhamos que o Banco A tenha arrematado o título por R$ 800. Dali a um ano o Tesouro vai pagar-lhe R$ 1.000. Sendo assim, esse título está pagando juros de

(1.000–800) / 800 = 25% ao ano

Agora suponha que o Banco Central resolveu fazer uma operação de mercado aberto, expandindo a base monetária. Ele, portanto, vai comprar títulos públicos em posse dos bancos. Ao fazer isso, está havendo um aumento da demanda por títulos. Aumento da demanda significa aumento do preço desses títulos. Assim, um título que foi comprado por R$ 800, agora está sendo negociado a, digamos, R$ 850. Substitua 800 por 850 na equação acima e você verá que os juros caem para 17,64%. Ou seja, um aumento da oferta monetária levou a um aumento dos preços dos títulos, o que gerou uma queda dos juros. Guarde essa regra: se o preço de um título sobe, seus juros caem.

A mesma regra se aplica quando o título é de múltiplos pagamentos.

Por exemplo, imagine que o Tesouro emitiu uma NTN-B prometendo pagamento de cupons de R$ 50 ao ano mais o principal na data do vencimento. O preço de compra também será definido pela oferta e demanda. Suponhamos que o Banco A tenha arrematado o título também por R$ 800. O rendimento atual desse título é a razão entre o cupom e o seu preço. Portanto, o rendimento inicial será de (50/800) = 6,25%.

Repetindo a mesma operação de mercado aberto acima, o aumento da oferta monetária fará com que o preço desse título suba para, digamos, para R$ 900. Logo, (50/900) = 5,56%. O rendimento atual caiu.

Tudo isso foi apenas para mostrar duas regras essenciais: (1) se o preço do título sobe, o juro cai; se o preço cai, o juro sobe. (2) O Banco Central, através de suas manipulações monetárias, pode determinar o preço em que os títulos serão negociados no mercado intermediário. E isso é importante para entender o resto da explicação.

Entendido isso, podemos ir para os “finalmentes.”

O Banco Central opera de uma única maneira: qual deve ser a taxa SELIC (vamos nos abster de qualquer crítica ao esoterismo desse método de determinação) e então faz operações diárias de mercado aberto, comprando e vendendo títulos do Tesouro em posse dos bancos, de modo que a taxa de juros do mercado interbancário fique dentro da meta. Por exemplo, a meta atual é de 8,75%. Sendo assim, o Banco Central deve fazer as manipulações monetárias (injeções e retiradas) necessárias para manter a taxa do interbancário o mais perto possível da meta. Atualmente, a taxa está em 8,65%, como mostrado.

Mas como ele se baliza para isso?

Como mostrado nos dois exemplos acima, cada título público tem um preço, uma data de vencimento e uma taxa de juros associada a ele. Essa taxa de juros é o rendimento do título. Em economês mais pedante, rendimento também é chamado de yield. Rendimentos de títulos com vencimento curto (um ano ou menos) são chamados de taxas de juros de curto prazo. Os rendimentos de títulos de vencimento mais longo são chamados de taxas de juros de longo prazo.

Em qualquer dia, em qualquer momento, é possível observar os rendimentos de títulos de diferentes vencimentos, exatamente como procedemos nos exemplos numéricos acima. De posse desses dados, é possível representar graficamente como o rendimento depende do vencimento de um título. Essa relação entre vencimento e rendimento é chamada de curva de rendimento — yield curve ou até mesmo estrutura a termo das taxas de juros. O termo usado depende exclusivamente da sua vontade de impressionar. O importante é frisar que, quando os títulos são considerados conjuntamente, cada um com seu rendimento, eles formam uma curva de rendimento. A figura abaixo mostra um exemplo de uma curva de rendimento.

Quando o Tesouro emite um título, com um dado juro de cupom e um dado prazo de vencimento (ambos definidos pelo Tesouro), os bancos irão comprá-lo pelo preço determinado pela lei da oferta e procura (trata-se de um leilão). Através de uma operação matemática — que envolve a capitalização dos juros do cupom — é possível determinar o preço ao qual este título será resgatado. A função que une o preço inicial do título (o preço pelo qual ele foi comprado) a este seu valor de resgate define a sua curva de rendimento. Vale enfatizar: o valor de resgate é definido e imutável; o que pode mudar é apenas o preço em que esse título será negociado no mercado secundário. (Apenas a LFT, que é pós-fixada e indexada à SELIC, tem um valor de resgate variável)

E — eis o grande momento! — a tarefa do Banco Central é operar manipulando os preços dos títulos de modo que eles se mantenham sobre sua curva de rendimento. (Lembre-se do que foi dito acima: o Banco Central, através de suas manipulações monetárias, pode determinar o preço em que os títulos serão negociados no mercado intermediário).

Se a ficha ainda não caiu: manter os preços dos títulos sobre a sua curva de rendimento é o mesmo que manter os juros constantes. Assim, o Banco Central, através de suas operações de mercado aberto, compra e vende títulos no mercado secundário de modo a fixar o preço de cada título sobre a curva de rendimento dos títulos. Ao fazer isso, ele está garantindo que os juros de cada título se mantenham constantes (com pequenas variações, é claro).

Atenção: o rendimento de um título não necessariamente será igual ao rendimento de outro título, o que significa que cada papel paga juros distintos. A questão não é essa. O que é importante é que o Banco Central é capaz de fazer as manipulações monetárias necessárias para que cada papel seja precificado de modo a se manter sobre a curva de rendimento dos títulos.

São esses papeis que serão utilizados como lastro no mercado interbancário, de modo que a taxa SELIC determinada pelo Banco Central seja mantida. Afinal, se todos os papeis têm juros constantes — em decorrência das manipulações monetárias do Banco Central -, e esses papeis de juros constantes são utilizados como lastro nos empréstimos interbancário, então resta claro que o Banco Central pode determinar a taxa de juros cobrada no mercado interbancário. E essa taxa é a taxa SELIC.

Se ele quiser aumentar a SELIC, ele vai vender títulos em sua posse. Essa maior oferta irá deprimir os preços dos títulos, fazendo com que os juros aumentem. Uma vez atingida a nova taxa, ele se limita a manter a nova curva de rendimento dos títulos. Se ele quiser diminuir a SELIC, ele faz o oposto: compra títulos. A menor oferta irá aumentar os preços dos títulos, fazendo com que os juros diminuam. (Porém ele não pode diminuir os juros abruptamente, como quer Heloísa Helena, pois isso depende da confiança dos compradores. Se eles acharem que uma expansão monetária irá gerar uma grande inflação, ninguém irá comprar os títulos não indexados, o que fará com que seus preços caiam, e os juros subam. Ou seja: a tentativa de diminuir os juros acabou levando a um aumento).

Vale re-enfatizar: o Banco Central determina uma meta para a taxa SELIC, ele não determina a taxa exata. É por isso que a taxa SELIC efetiva pode apresentar ligeira diferença da taxa oficial divulgada pelo Banco Central — a taxa efetiva atual é de 8,65% e a meta é de 8,75%.

Outra conclusão importante: ao utilizar essa regra operacional — em que os juros são fixados -, o Banco Central não pode determinar a quantidade exata de moeda que ele quer na economia. Ele faz as operações de mercado aberto de modo a manter a taxa SELIC constante, mas ele não determina a quantidade específica de moeda para a economia. Diz-se nesse caso que a moeda é endógena.

Os CDIs

Como explicado anteriormente, os bancos utilizam o mercado interbancário para manter suas reservas em níveis determinados pelo governo. Nesse processo, os bancos fazem empréstimos entre si utilizando títulos públicos como colateral.

Entretanto, uma dúvida pode surgir: se esses empréstimos têm a duração máxima de 1 dia, determinada por lei, o que acontece quando um banco precisa de empréstimos por mais de 1 dia? Mais ainda: e se, no extremo, um banco estiver precisando de um empréstimo interbancário, mas estiver sem títulos públicos? Seria ele obrigado a recorrer ao redesconto?

Nesses casos — e não apenas nesses casos, mas a todo momento — os bancos podem emitir um Certificado de Depósito Interbancário (CDI). Um CDI nada mais é que um título que um banco lança com o intuito de levantar dinheiro para suas necessidades. Nesse caso, enfatiza-se, não se trata de um título do Tesouro; trata-se de um título privado. E esses títulos têm a vantagem de permitir prazos de empréstimos interbancários mais dilatados.

E daí? Isso é importante?

Importante, é. Aliás, muito importante. Porém, como veremos mais abaixo, não muda praticamente nada do raciocínio que foi desenvolvido até aqui.

Fundos DI e Renda Fixa

Quando você deposita seu dinheiro no banco, você pode destiná-lo à caderneta de poupança, a um fundo de Renda Fixa ou aos Fundos DI.

A poupança não mexe com títulos de qualquer espécie. Seus juros são determinados pelo governo. Via de regra, a remuneração é de 0,5% ao mês mais a variação de um índice chamado TR (Taxa Referencial), que por sua vez é calculada a partir da SELIC. Pouparei o leitor da chateação dos cálculos, até porque são desimportantes. O que deve ser entendido é que a poupança tem renda determinada pelo governo e não envolve aplicação em títulos.

Um fundo de Renda Fixa investe em títulos públicos com taxas pré-fixadas, como as LTNs e as NTNs. (Ele também investe em títulos privados, seja de bancos ou empresas, mas isso agora não vem ao caso).

Já os Fundo DI (DI significa Depósitos Interfinanceiros) aplicam a maior parte do seu patrimônio em títulos públicos com taxa pós-fixada, como as LFT.

E qual a relação entre SELIC, CDI, Renda Fixa e Fundos DI?

Bom, sabemos que a SELIC é a taxa de juros no mercado interbancário resultante de operações envolvendo títulos públicos. Já as operações envolvendo CDIs resultam na taxa conhecida como CDI overnight — ou CDI over. A operação é exatamente a mesma (mercado interbancário), só que com títulos privados (nesse caso, títulos emitidos pelos próprios bancos). Ademais, o cálculo da taxa se baseia nas operações realizadas entre instituições de conglomerados diferentes (Extra-Grupo: bancos de redes diferentes), desprezando-se as demais (Intra-Grupo: bancos da mesma rede).

Grosso modo, pode-se dizer que a SELIC = CDI + um spread mínimo. A diferença entre ambas dificilmente é superior a 0,04 ponto percentual. Ou seja: a taxa SELIC é praticamente idêntica à CDI.

Entretanto, é a taxa CDI que serve de referência para a remuneração dos fundos DI e fundos de Renda Fixa; ela é o parâmetro para avaliar a rentabilidade desses fundos.

Traduzindo tudo: enquanto a SELIC é taxa de juros utilizada pelo Banco Central para gerenciar toda a economia (o Banco Central nada mais é do que uma agência de planejamento econômico, uma autêntica GOSPLAN), a taxa CDI é utilizada pelos fundos de investimento dos bancos para aferir a rentabilidade de suas carteiras. A SELIC é resultado das operações com títulos do governo; a CDI é resultado da negociação entre os bancos. E como o Banco Central pode interferir na primeira, a consequência prática é que a segunda está diretamente relacionada à primeira. Ao fim e ao cabo, ambas são praticamente iguais.

Toda essa bagunça foi apenas para esclarecer que a CDI serve, no economês, como benchmark (referência) para os fundos DI e Renda Fixa. Um gestor de fundos opera de olho na CDI, e não necessariamente na SELIC. Só que a CDI, por sua vez, tende a ser igual à SELIC. Confuso? Bom, em defesa do Instituto Mises Brasil, jamais dissemos que o atual sistema financeiro, totalmente baseado no intervencionismo estatal puro e no papel-moeda fiduciário, fazia algum sentido.

Você e o Sistema Bancário

Superados todos esses tecnicismos chatos, vamos para a parte prática.

Suponha que os planejadores econômicos do Banco Central decidam que a economia está muito aquecida e que os riscos inflacionários são altos (o fato de que a inflação generalizada é algo que só pode ocorrer por causa do próprio banco central, que tem o monopólio da emissão monetária, e que, portanto, o banco central se auto-intitular o guardião da moeda é um paradoxo monstruoso, é algo que não será mencionado aqui em momento algum, por pura pudicícia).

Os planejadores centrais irão então se reunir no Conselho de Política Monetária (COPOM) para fazer o ajuste fino na economia (o fato de que isso é idêntico ao que se fazia na URSS também não será mencionado aqui, por uma questão de delicadeza). Após rodarem seus modelos econométricos — e jurar que ali estão incluídas todas as variáveis importantes da economia -, os clarividentes irão determinar, através de uma votação estilo “levanta a mão!”, em quanto os juros deverão ser aumentados.

Decidida a nova taxa, o Banco Central irá, no dia seguinte, fazer as operações de mercado aberto (open market) necessárias para atingir essa nova SELIC. Como a decisão foi pelo aumento dos juros, então o BC irá vender títulos públicos. Ao fazer isso, as reservas bancárias diminuem e os preços dos títulos caem. Você pode interpretar essa queda dos preços dos títulos de duas formas: aumento da oferta de títulos e/ou diminuição da quantidade de dinheiro para comprá-los.

Como os bancos agora têm menos reservas, os juros do mercado interbancário (tanto para títulos públicos quanto para CDIs) irão subir. Isso faz com que os bancos tenham menos dinheiro disponível para empréstimos para pessoa física e jurídica, o que causa um aumento dos juros para esta modalidade de empréstimo.

Na prática, ocorre o seguinte: como os bancos são meros intermediadores financeiros, eles não investem dinheiro próprio (afinal, o dinheiro, na teoria, é seu e não deles). Logo, quando ocorre um aumento da SELIC — o que significa que o Banco Central está vendendo títulos -, os bancos comerciais irão, obviamente, comprar estes títulos com o seu dinheiro que foi lá depositado. O dinheiro irá para o Banco Central e lá será “deletado” (lembre-se que nessas operações ocorre uma redução do nível das reservas compulsórias). Portanto, houve uma diminuição da quantidade de dinheiro na economia.

Com menos dinheiro no sistema, os bancos que lançam seus CDIs para conseguir dinheiro também têm de pagar juros mais altos sobre eles. O dinheiro que esses bancos arrecadam ao lançar seus CDIs também será emprestado para a economia real a um preço (juro) maior. Dessa forma, um aumento da taxa básica de juros pelo Banco Central aumenta os juros de toda a economia.

Até aqui, nada de novo. Mas e você que tem conta em banco? Como isso lhe afeta?

Bom, esses títulos públicos que agora estão em posse dos bancos, passarão a ser comercializados entre si no mercado interbancário, ao lado também dos CDIs. Os juros a que eles (títulos públicos e CDIs) serão emprestados no interbancário será agora maior.

Se você tiver dinheiro aplicado em Fundos DI, um aumento da SELIC ser-lhe-á extremamente benéfico. Afinal, fundos DI investem maciçamente em LFTs, que são títulos públicos pós-fixados e que variam de acordo com a SELIC. Se você tiver dinheiro aplicado em Renda Fixa, o preço dos seus papéis caiu (como explicado no artigo anterior: juros sobem, preços dos títulos caem). Diz-se, nesse caso, que houve uma perda de riqueza para os proprietários desses títulos — afinal, o preço de seus ativos caiu. Porém, não houve uma perda de renda, já que os juros são pré-fixados e pagos pelo Tesouro. Se você comprar esses papeis, você terá com eles um rendimento maior do que terão aquelas pessoas que os possuíam antes da alteração dos juros (afinal, os juros pagos pelo Tesouro são constantes, mas você comprou o papel por um preço menor). Se você não vender esses papeis, sua renda não será afetada, embora sua riqueza tenha, sim, diminuído.

Isso significa que, ao contrário do que dizem, um aumento dos juros não necessariamente favorece aqueles a quem Ciro Gomes chama de “rentistas”. O aumento dos juros irá favorecer apenas (1) quem possui LFTs, (2) quem possui aplicações na caderneta de poupança, e (3) aqueles que comprarem esses papeis no mercado secundário, agora a um preço menor.

Todo o resto ou fica na mesma ou perde. (Quando ocorre uma diminuição dos juros, o efeito é exatamente inverso).

Com isso, agora podemos entender por que as políticas monetárias anteriores ao Real jamais funcionavam no Brasil. Naquela época, a maior parte de dívida pública estava na forma de LFTs, que pagam juros de acordo com a SELIC. Assim, quando a SELIC aumentava, os portadores desses títulos obtinham um amento imediato de renda, o que gerava o efeito oposto daquele tencionado pelo aumento dos juros, que era o de contrair a demanda. Da mesma forma, ganhavam aqueles que tinham aplicações na caderneta de poupança. Ou seja, no Brasil, uma política monetária teoricamente restritiva acabava gerando um aumento na demanda. E mais engraçado ainda: um aumento nos juros levava a um aumento da oferta monetária, por causa do pagamento das LFTs. (Mais detalhes sobre esse lúgubre período brasileiro aqui).

A explicação acadêmica

Faço aqui um pequeno paralelo apenas para explicar como a Academia explica o efeito dos juros sobre a economia. A explicação dada acima é aquela que, a nosso ver, é a mais sensata. Porém, os universitários gostam de embromar um pouco, e sempre criam explicações mais convolutas sobre como o mecanismo da manipulação dos juros afeta toda a economia. É mais ou menos assim.

Quando o BC eleva a SELIC (que é uma taxa de juros de curto prazo), isso induz as pessoas e as empresas a venderem seus títulos públicos de longo prazo para comprarem títulos de curto prazo (isso chama-se arbitragem). Essa fuga dos títulos de longo prazo faz com que seus preços caiam e seus juros subam. Como os preços desses títulos caíram, há uma perda de riqueza para os proprietários desses títulos.

É aí que entram em cena as teorias de Modigliani, Brumberg e Friedman. Essas teorias dizem que os gastos de consumo dependem tanto da renda proporcionada pelo capital humano (renda do trabalho) quanto da renda proporcionada pelo estoque de riqueza não-humana. Assim, se o indivíduo fica mais rico porque o valor de mercado de sua riqueza não-humana aumentou, então ele vai consumir mais. Se sua riqueza não-humana diminuiu, então ele irá consumir menos.

Portanto, quando o BC aumenta a SELIC, a arbitragem dos agentes econômicos faz com que os juros de longo prazo também subam. Isso irá não só provocar uma queda na demanda de investimentos, estoques e bens duráveis — como casas e automóveis -, como também irá provocar uma perda de riqueza para os proprietários da dívida pública. E essa perda de riqueza faz com que os gastos sejam contraídos.

É um tanto difícil crer nessa última parte por dois motivos:

1) As pessoas — tanto físicas quanto jurídicas — apenas depositam seu dinheiro no banco; elas não raciocinam que, “ah, se os juros subiram, os títulos nos quais estou investido tiveram uma queda de preço, o que significa que estou mais pobre”. Não. A maioria se mantém nos títulos públicos como forma de poupança, e não para fins de especulação diária.

2) Aquelas que praticam especulação diária com títulos públicos — e que, logo, raciocinam da forma acadêmica — não compõem de modo algum o grosso do setor produtor e/ou consumidor da economia, de forma que suas ações dificilmente gerariam grandes impactos macroeconômicos, como pretende a teoria.

Enfim, esse tópico foi apenas para mostrar como a academia explica o mecanismo de influência da taxa básica de juros.

Por que os juros são altos no Brasil?

A pergunta que ninguém, e ao mesmo tempo todo mundo, responde.

Até agora estivemos trabalhando com as taxas de juros do mercado interbancário, a SELIC, que atualmente está em 8,65% (a meta é de 8,75%) ao ano.

Porém, isso quase nada significa quando se sabe que as taxas de juros para pessoa física estão em 130,58% ao ano e para pessoa jurídica, 61,22% ao ano (dados de julho).

Também se observa constantemente que, quando a SELIC cai, as outras taxas de juros caem numa proporção muito menor. Ou seja, a SELIC praticamente pouco influencia as outras taxas de juros da economia, que são as que realmente importam. Por que isso ocorre?

Existem várias explicações, porém as mais plausíveis são:

1) Pouca concorrência no setor bancário. As regulamentações criadas pelo próprio Banco Central impedem o fácil estabelecimento de novas redes bancárias, que trariam mais concorrência para os grandes bancos já estabelecidos. Como todo cartel, o sistema bancário também é um cartel que se sustenta apenas por causa do estado. Os bancos, ao contrário do que se diz, adoram ser controlados e regulados pelo Banco Central, pois é este quem lhes protege de qualquer possibilidade de concorrência.

2) Judiciário leniente com o devedor. No Brasil parece valer a máxima “devo, não pago; nego enquanto puder”. O calote virou uma instituição protegida judicialmente, pois aqui se segue a filosofia marxista de que o credor é um ente espoliativo e malvado e o devedor é o coitado desinformado que contraiu uma dívida involuntariamente. Sendo assim, por uma questão de ‘justiça social’, deve-se manter o credor despido de suas posses e o devedor no pleno gozo delas. Parece que é preciso ter um Ph.D em sociologia para não perceber que esse arranjo corresponde a um roubo, pura e simplesmente. A solução mais prática e viável — e que justamente por isso ninguém quer adotar — é permitir a alienação fiduciária (ou reintegração de posse) em todas as modalidades de empréstimos. Atualmente ela existe para o financiamento de carros. E, não por coincidência, trata-se um mercado em que juros são dos mais baixos. Não é algo difícil de entender. Se A empresta seu dinheiro (sua propriedade) para B, que utiliza esse dinheiro para comprar um apartamento e não devolve a A o valor combinado, então B roubou A. E se o apartamento comprado por B foi comprado com a propriedade de A, então A é o dono legal desse apartamento. A tem o direito de tomá-lo quando quiser. E é isso que a justiça brasileira não permite. Munido de um bom advogado, B pode tranquilamente usufruir uma boa cobertura em Ipanema utilizando a propriedade de A — tudo em nome da justiça social.

(Nos EUA existe a profissão do Repo Man, que é o sujeito contratado para reaver os bens não pagos. Esse vídeo mostra um Repo Man em ação, recuperando um carro cujo empréstimo não foi pago. O vídeo é de fato violento, mas é preciso ter em mente que o carro não era legalmente da mulher, pois ela não pagou por ele. Logo, era a mulher a ladra da história).

3) Governo. O maior devedor da economia brasileiro é o estado. Como ele não consegue financiar todas as suas atividades meramente por meio da arrecadação de impostos, ele precisa recorrer aos empréstimos bancários. E como o Tesouro faz isso com constância, os bancos direcionam boa parte do depósito de seus clientes para a compra desses títulos. Logo, o dinheiro que poderia ir para o setor produtivo na forma de crédito, acaba sendo sugado para o setor não produtivo na forma de empréstimos que serão pagos via impostos ou via mais empréstimos. Ou seja: o governo se endivida para pagar dívidas antigas (o que se chama ‘rolar a dívida’). Com um estado tão inchado e glutão, é realmente difícil sobrar dinheiro para o setor produtivo da economia. O pouco que sobra é encarecido tanto pela lei da oferta e demanda quanto pelos dois itens acima. Aí fica difícil.

Segue-se que, se não existissem títulos públicos, isto é, se o governo não se endividasse, não haveria como o Banco Central fazer política monetária. Não haveria como o Banco Central estipular juros. Não haveria como o Banco Central planejar a economia. Os bancos comerciais teriam de concorrer entre si para fornecer empréstimos ao setor produtivo da economia. Somente assim eles conseguiriam obter algum lucro. Atualmente eles não precisam recorrer a essa faina inglória, pois podem apenas aplicar em títulos públicos (100% seguros, garantidos pelo governo) e acender o charuto. Os juros para pessoas físicas e jurídicas inevitavelmente seriam menores. Haveria, enfim, um genuíno livre mercado.

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