Meu tio Marcos.

Meu tio Marcos tem a fama de ser um grande bundão. Medroso e assustado como um ratinho, quase uma maldição pelo nome que recebeu, já que Marcos significa homem guerreiro, deus da guerra, homem forte (e tudo que ele não é).

Bruna Indalencio
3 min readOct 23, 2021

Foi em uma dessas conversas embriagadas na mesa de Natal que ele me confidenciou a seguinte história:

Minha tia foi viajar a trabalho e deixou meu tio responsável por cuidar (sozinho) da casa (sozinho) e da minha prima Beatriz (sozinho) sozinho.

Sem a mãe, meu tio tomou a função de se aninhar na cama com minha prima até que ela dormisse e, com o tempo, os dois acabaram pegando no sono embrulhados pelo lençol da Barbie Lago dos Cisnes da Beatriz. O sono do meu tio estava em profundidades máximas quando foi interrompido por alguns sussurros.

“Pai, acorda”

“Hã?”

“Acorda, pai, tem alguém no meu armário.”

“Tem não” falou meio sonolento mais para si do que para Beatriz.

“Pai, ele tá de pé nos observando”

Apontando para o armário, meu tio disse “Beatriz, não tem homem nenhu-” mas não conseguiu terminar. Congelou. Havia mesmo alguém ali. E agora?

“Viu, pai? O home-” “SHHHHH”

“…” “Sh, Beatriz”

Agora tio Marcos estava 100% acordado, alerta, atento. Os olhos completamente arregalados e o coração saltando pela boca. Viu o homem sim, ele estava de pé, observando-os pela fresta. Depois de conferir se não tinha molhado a cama do susto que levou, ficou calculando o que fazer. O telefone estava longe, não teria como ligar para a polícia. Se gritasse, é possível que fosse agredido. Se corresse, pode ser que não fosse rápido o suficiente, principalmente levando em conta que teria que carregar Beatriz no colo.

Ficou nesse impasse por meia hora, imóvel, em silêncio, calculando qual manobra os salvaria, enquanto restringia os movimentos ao máximo como uma tentativa de enganar o invasor.

Algo teria que ser feito, mas o que? Sabia o que estava em jogo, assistiu “Os Caras de Pau” pouco tempo antes e ficou estudando a cena do Leandro Hassum. Leandro golpeava os caras maus com os próprios punhos enquanto desviava de estrelas ninja. Sabia que não teria a capacidade de fazer as manobras de Leandro, mas viu naquele filme a crueldade de um criminoso e de tudo que ele é capaz. Leandro Hassum, o que você faria? Implorava por uma luz divina.

Sua vida -e de Beatriz- dependeria de sua bravura e por isso decidiu ter seus 30 segundos de coragem insana. Respirou fundo. Respirou fundo de novo. Hesitou. Agora vai. Ele tremia. Sabia o que tinha que ser feito, mas lhe faltava a coragem. Agora vai. AGORA.

E foi.

Foi ao som de um grito de guerra “AAAHHH”. Atirou o próprio corpo em direção ao interruptor. Sentia-se um herói mas ao mesmo tempo não sabia o que esperava que acontecesse ao acender a luz -que o homem ficasse momentaneamente cego ou intimidado com o ato repentino, não sabia, mas de qualquer forma sentia que estava fazendo o que tinha que ser feito.

As luzes estavam acesas.

Virou seu rosto e encarou seu inimigo nos olhos, mas não tinha olhos. Tinha um chapéu. E casaco. E uma mochila. E 8 braços de madeira segurando tudo. Tinha a forma de um cabideiro. Era um cabideiro.

Sua respiração ainda estava ofegante e seus olhos alternavam entre o cabideiro cheio de peças e sua filha, que o encarava confusa. No meio do furacão, com os neurônios a mil, meu tio decidiu por escrever a história nos seus próprios termos e falou mais confiante que nunca para Beatriz:

“Viu, Beatriz, falei que não tinha ninguém”.

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Bruna Indalencio

Sou brasileira e intolerante a lactose , isso me ajudou a construir caráter.