A identidade negra e sua construção: um resumo sobre definições e problemáticas

Jordão Farias
5 min readJun 4, 2018

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Foto: Black Culture

A identidade, pode ser vista como um conjunto de caracteres que podem servir para diferenciar um indivíduo perante os seus semelhantes. Ciampa (1987) entende identidade como metamorfose, ou seja, em transformação constante, sendo uma espécie de resultado adquirido através da soma entre a história da pessoa, sua bagagem, contexto histórico e social e seus projetos. De tal forma, podemos assumir que cada indivíduo inserido na sociedade possui seus próprios traços quando se trata de identidade, por ter vindo de um contexto de características únicas.

Dubar (1997) traz a identidade com um enfoque sociológico, sendo resultado de todo um processo de socialização, para ele a identidade para o “eu” não se separa da identidade para o “ele”, mas se relacionam e se constroem juntamente. O antropólogo Damatta (1997), corrobora com Dubar (1997) trazendo a identidade, desta vez de uma visão antropológica, como algo que deriva de afirmativas e negativas sociais a partir do posicionamento dos indivíduos diante das situações do cotidiano, sendo assim, os perfis de identidade se constroem partindo de bases sociológicas já presentes na sociedade como um todo e não somente com escolhas individuais.

Quando tratamos especificamente da identidade negra não vemos nada de muito distinto em termos de conceituação, porém a forma com que ela se aplica dentro da sociedade é onde temos uma grande diferenciação. Gomes (2002) entende a identidade negra de tal forma:

[…] entendo a identidade negra como uma construção social, histórica e cultural repleta de densidade, de conflitos e de diálogos. Ela implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da relação com o outro. Um olhar que, quando confrontado com o do outro, volta-se sobre si mesmo, pois só o outro interpela nossa própria identidade.1

Gomes (2002) traz também a identidade negra como uma construção política, tendo em vista que se autoafirmar como tal, no Brasil, não se limita apenas à cor da pele, mas também, ao fazer isto, se assume uma postura política perante a sociedade, já que o indivíduo com uma identidade afirmada torna-se, de certa forma, alguém que desafia os padrões impostos. Autoafirmar-se como negro é estar de bem com a própria identidade.

Sobre a autoafirmação ainda existe um grande entrave cultural que retrai o povo afrodescendente fazendo com que os integrantes deste grupo tenham dificuldade em assumir sua própria descendência. O Moura (1988) explica essa situação de tal forma:

“A elite de poder, que se autodefine como branca escolheu, como tipo ideal, representativo da superioridade étnica na nossa sociedade, o branco europeu e, em contrapartida, como tipo negativo, inferior, étnica e culturalmente, o negro. Partindo desta dicotomia étnica estabeleceu-se uma escala de valores, sendo o indivíduo ou grupo mais reconhecido e aceito socialmente na medida em que se aproxima do tipo branco, e desvalorizado e socialmente repelido à medida que se aproxima do negro”.2

Sendo o branco, europeu apresentado como o superior e exemplo de perfeição não só étnica, mas também estética, em muitas oportunidades surgem dificuldades na criação de identidade negra. Araújo (2000) diz que as características da ideologia da identidade brasileira, criam, uma dupla ambiguidade para brancos e negros. Os brancos esquivando-se de assumir uma identidade e seguindo suas vidas utilizando-se de seus privilégios étnicos como se não vivessem numa sociedade racializada, já os negros mesmo quando tentam assumir sua identidade, acabam sendo retraídos e forçados a voltar atrás pela sociedade etnicamente branca. O que faz com que muitos afrodescendentes acabem se sujeitando a pressão e tornando-se socialmente brancos, que seria a negação da própria identidade. O que não deixa de ser uma violência racial, já que proporciona o seguinte dilema: Assumir a identidade afrodescendente e aguentar a repressão ou negar as origens e, de certa forma, tornar-se socialmente branco? Inocencio (1999), Coordenador de Estudos Afrobrasileiros da UnB, explica essa violência de tal forma:

“A violência racial exerce duas maneiras distintas de coerção. Uma física e irrefutável, outra simbólica e questionável. No plano da estética esta coerção simbólica produz uma crise esquizofrênica na mente negra, que anula qualquer resquício de autoimagem positiva que nela possa haver. O dilema de ‘ser ou não ser’ é a questão, muito embora cause extrema angústia, porque o povo negro indubitavelmente o é. E ‘não ser’ significaria nada mais nada menos do que a escolha pelo suicídio coletivo, se não físico pelo menos espiritual.”3

Essas duas maneiras de coerção provocam uma divisão mental no povo afrodescendente em termos de identidade. “Não ser negro, sendo-o, implica em querer ser branco.” (Inocencio, 1999, p. 30).

A identidade afrodescendente está diretamente relacionada a educação e representatividade, ambos os fatores podem ser um auxiliador (ou não) quando se trata de construção de identidade. O ensino escolar é um fator fundamental nessa construção, novamente, Gomes (2002), esclarece a dubiedade em que a formação de identidade pode aparecer na escola afirmando que,

“A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro e sua cultura, no interior da escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las. […] Sendo entendida como um processo contínuo, construído pelos negros e negras nos vários espaços — institucionais ou não — nos quais circulam, podemos concluir que a identidade negra é forjada também durante a trajetória escolar desses sujeitos. Nesse percurso, o negro e a negra deparam-se, na escola, com diferentes olhares sobre o seu pertencimento racial, sobre a sua cultura e a sua história. Muitas vezes, esses olhares chocam-se com a sua própria visão e experiência da negritude.”4

Para a criança negra a escola pode tornar-se num espaço de exclusão. O contexto, à sua volta, muitas vezes, reproduz experiências de rebaixamento concorrendo para o enfraquecimento da autoestima e para o desencorajamento. (Os efeitos…, 2008) O que em muitas vezes pode causar evasão escolar e baixo rendimento, além de uma baixa autoestima.

Visando uma maior visibilidade sobre a cultura e história africana e afro-brasileira, no ano de 2003 entrou em vigor a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de tópicos afrodescendentes. A lei objetiva a proliferação de conhecimento e valores que incentivem o conhecimento de uma pluralidade étnico-racial, estabelecendo um cenário de respeito e de direitos iguais a todos. A partir da boa aplicação dessa lei será possível inserir uma melhor representatividade no ensino, já que propiciará uma perspectiva correta sobre a história afro-brasileira, auxiliando os estudantes, principalmente do ensino fundamental, a identificar-se mais com a própria identidade.

Os caminhos para a construção de uma identidade saudável podem ser dos mais diversos, passando por representatividade midiática, educação parental, cultura, convivência social, ensino escolar e etc.. Uma pessoa consciente da própria identidade pode constituir uma mentalidade sobre relações étnico-raciais e sua inserção como membro de uma sociedade racializada.

[FARIAS, Jordão. A identidade negra e sua construção: definições e problemáticas. 2018. <Disponível em http://medium.com/@fariasjordao>]

Referências bibliográficas:

1 GOMES, Lino Nilma. Educação e identidade negra. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 2002 p.2

2 MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988. p.62

3 INOCENCIO, Nelson. Relações raciais e implicações estéticas. Brasília: Movimento Nacional de Direitos Humanos, 1999 p.30

4 GOMES, Lino Nilma. Educação e identidade negra. Belo Horizonte. Universidade Federal de Minas Gerais, 2002 p.3

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Jordão Farias

Bel. Comunicação Social. Escreve sobre negritude e cultura pop.