Estudo de caso — NÓS: Como ajudar ao combate da violência psicológica contra mulheres de 40 a 60 anos?

Fernanda Beraldi
12 min readJan 27, 2022

--

Mostrando como é possível usar o UX Design para se aprofundar no problema e combater a violência contra a mulher.

Nosso estudo começa em setembro de 2021.

Início das aulas da Turma 4 de UX/UI Design da Cubos Academy. Eu (Fernanda Beraldi), Aimée Bruzzi, Arthur Alves, Carla Medeiros, Roana Vita e Sabrina Valentim fomos sorteados para participar da Equipe 1, que foi nomeada, em unânime acordo, como Ué quis, uai!

Para consolidar o projeto, recorremos ao Double Diamond, processo que é utilizado na Cubos, e que consiste em 4 fases: Descoberta, Definição, Concepção e Validação.

Metodologia Double Diamond

Qual era o desafio?

Dentre vários temas propostos, a escolha do grupo foi:

Como ajudar ao combate da violência contra a mulher?

1. Descobrindo o problema

Nossa cabeça foi a mil, é um tema amplo, com muitas vertentes, informações e dados. Então para que pudéssemos começar a analisar de fato a temática, e começarmos a nos guiar na fase de abertura do diamante, demos o primeiro passo: a Desk Research. Onde levantamos alguns dados:

Violência doméstica e familiar contra as mulheres é um problema estrutural, que ocorre com frequência em todos os estratos sociais.

Lei Maria da Penha

A maior parte das mulheres não fizeram nada após a violência — 45%

Fórum brasileiro de Segurança Pública e Datafolha

32,8% alegam que não acionaram a polícia por que resolveram sozinha e 16,8% julgaram que não era importante acionar a polícia

Fórum brasileiro de Segurança Pública e Datafolha

50,8% das mulheres acreditam que a pandemia influenciou para agravar de algum modo a violência que sofreram

Fórum brasileiro de Segurança Pública e Datafolha

Entretanto, ao começarmos a Desk Research, sentimos a necessidade de realizar um corte dentro da temática. Durante a pesquisa, notamos a carência de informações sobre duas vertentes: o aprofundamento da violência psicológica, e informações voltados para mulheres de uma faixa etária específica, a de mulheres de 40 a 60 anos, a Geração X.

Dito isso, o nosso novo problema se tornou:

Como ajudar ao combate da violência psicológica contra mulheres de 40 a 60 anos?

Levando isso em consideração, iniciamos uma nova Desk Research, onde foram levantados os seguintes dados:

Lei Maria da Penha resguarda integridade psicológica do mulher

Lei Maria da Penha

O número de casos de violência psicológica aumentou na pandemia.

Fórum brasileiro de Segurança Pública e Datafolha

Programa Sinal Vermelho , que entrou em vigor em 2021, penaliza a violência psicológica contra mulheres

Lei nº14.188

A violência psicológica atinge a subjetividade da mulher impactando sua autoestima através de humilhações e ameaças — o que, por vezes, dificulta o entendimento, por parte da vítima, de tal abuso.

Entendendo o problema

Seguindo, após os novos conhecimentos levantados, partimos para criação de uma Matriz CSD (Certezas, Suposições e Dúvidas), para que pudéssemos filtrar as informações coletadas, e partir para Suposições e Dúvidas, contemplando assim as informações que supomos que poderiam ser realidade, e dúvidas que surgiram a partir da Desk Research.

Essa Matriz CSD nos levou a realizar um Mapa Relacional, para alinhar os objetivos os quais queríamos nos aprofundar, e foram eles:

Objetivo 1: Identificar quais os perfis dessas mulheres.

Objetivo 2: Entender o que as mulheres entendem como violência psicológica

Objetivo 3: Entender o que motiva a falta de denúncia.

Objetivo 4: Identificar se as mulheres têm rede de apoio.

A partir dos objetivos traçados, partimos para as pesquisas e entrevistas, e conhecer de perto as mulheres que tanto queríamos ajudar.

Chegou a hora das pesquisas

Pesquisas Quantitativas — Conhecendo nosso público alvo

Para quantificar nossos resultados, utilizamos o Google Forms, onde recebemos 53 respostas de mulheres de todo o país. E foi aí que iniciamos no processo de aprofundamento do problema, tornando suposições em certezas, e dúvidas em esclarecimentos.

É interessante mencionar que a maior parte das mulheres que responderam o questionário, se enquadram na faixa etária máxima do nosso recorte, mulheres de 55 a 60 anos se mostraram bastante abertas ao assunto, algo que nos abriu os olhos.

Mas outra dados também foram levantados, vamos descobrir quais foram?

A maior parte das mulheres estão trabalhando no momento, sendo elas 69,8% das usuárias.

Aproximadamente 75 % as mulheres se encontram dentro de um relacionamento.

E dessas, 84,1% estão morando com o parceiro atualmente.

A maior parte dessas mulheres, 83%, são mães.

Ao questionarmos se elas conheciam alguém que passou por violência psicológica, 45,3% conhece alguém que passou por isso, 28,3% passou por isso e conheço alguém que passou, 17% passou por isso e apenas 9,4% não conhece ninguém que passou por isso.

Por fim, o dado que nos chamou mais atenção foi: 89,6% NÃO DENUNCIARAM a violência. Apenas 5 pessoas (10,4%) que responderam nossa pesquisa denunciaram, e dessas, 60% achou a denúncia eficaz.

A partir desse fato, queríamos entender o motivo dessa falta de denúncia, algo que já havíamos notado na Desk Research e partir de uma pergunta aberta, obtivemos diversas respostas que iniciaram o rumo da nossa solução. A pergunta foi: O que te impediu de denunciar? E apresentamos a você algumas das respostas:

“Por me sentir culpada

“A pessoa que passa pela situação, não admite que está sendo abusada”

“Não sabia o que fazer.”

“Não ter muitos dados a respeito.”

Não tinha noção na época.”

“O não conhecimento mais a fundo da questão.”

“Eu me senti constrangida na delegacia, por isso não formalizei a denúncia e não voltei mais na delegacia.”

“Não entendia o sentido do que acontecia comigo.”

“Não sei se serei acreditada.”

Não se falava muito nisso… Desconhecimento, medo…”

Medo e falta de apoio na época.”

Ao fim do questionário, disponibilizamos um campo para que, quem se sentisse confortável, o preenchesse para uma futura entrevista, e foi por isso que conseguimos o contato de quatro mulheres, que foram entrevistas em ligação de vídeo com o grupo.

Pesquisa Qualitativa — Conversando com as usuárias

Ao entrevistarmos essas 4 mulheres, conseguimos nos aprofundar em suas percepções do mundo, sua vivência e sua forma de pensar, levando isso em considerações, conseguimos levantas alguns pontos de encontro entre as entrevistas, são eles:

Essas mulheres conseguem entender violência psicológica em teoria, mas na prática não conseguem identificar.

Notamos que muitas tentam justificar as agressões do parceiro por traumas do passado dele.

Todas as mulheres entrevistadas fazem ou fizeram algum tipo de terapia, seja para si própria ou terapia de casal.

A violência psicológica deixou marcas em seu convívio.

O grande índice de falta de denúncia ocorre por vários fatores, mas notamos que o medo é algo recorrente.

Não sabem onde procurar apoio.

Muitas mulheres não sabem como realizar a denúncia de forma eficaz.

E para que você também conheça um pouco dessas mulheres, separamos algumas frases que elas disseram durante a entrevista:

Pesquisa Qualitativa — Conversando com uma psicóloga

Para finalizar a parte dos questionários e entrevistas, achamos importante conversar com uma psicóloga a respeito dessas mulheres que sofrem violência psicológica. Pontuamos aqui, algumas falas da psicóloga:

“Algumas mulheres têm bastante dificuldade em entender que o que elas vivenciam é uma violência.”

“Eu entendo que essas mulheres precisam de um apoio e muitas vezes um apoio profissional, por que quando elas buscam um apoio com uma rede familiar, muitas vezes elas reforçam o papel que os homens exigem.”

“Nessa faixa etária a psicóloga percebe que é muito uma queixa relacionada a forma com o que os homens dizem do papel daquela mulher. Aquele papel de ser uma boa mãe, dona de casa, esposa. No sentido de desvalorização e desmerecimento.

“Eu entendo que a informação do que configura violência, às vezes o termo não vem acompanhado da explicação dos exemplos. Esse é um ponto, que tem que ser mais bem falado e divulgado.”

Insights e Hipóteses Validadas

Nossos principais Insights e Hipóteses levantados foram relacionados à falta de informação, falta de apoio e dificuldade de identificar a violência em si.

Mulheres não sabem identificar o que é violência psicológica na prática.

A divulgação das redes de apoio é pouca.

É necessário se antecipar à violência.

Os danos psicológicos acontecem ao longo da vida.

Há falta de informações sobre a denúncia.

2. Definindo o problema

Afinal, quem são essas mulheres?

Após uma intensa etapa de descoberta, começamos a definir os pontos de encontro entre as entrevistas e pesquisas através do Diagrama de Afinidades.

Diagrama de afinidades — Correlacionando as descobertas
Mapa de Empatia — Conhecendo o mundo pelos olhos da usuária

As Personas

A partir dessa etapa, conseguimos enxergar e identificar quais os objetivos, comportamentos e dores das nossas usuárias, e partir disso criamos 3 personas que representam alguns padrões encontrados na parte de descoberta:

E o que essas personas representam? Joselita, representa as mulheres que passaram por violência psicológica e continuam com o parceiro há anos, principalmente por conta dos filhos, e tem dores ligadas a esse passado, que gerou traumas e inseguranças. Já com Rosana, representamos a violência psicológica no meio profissional, relatado em mais de uma entrevista, onde a mulher se sente limitada, inferiorizada e frustrada. E por fim temos Marlene, que representa mulheres que sofreram abuso psicológico em relacionamentos anteriores, se sente sufocada pelo atual namorado, mas não compreender o que está acontecendo com ela.

3. Concepção — Desenvolvendo nossa solução

Com as construção das personas, poderíamos iniciar a etapa de ideação. E voltamos a questão chave:

Como ajudar ao combate da violência psicológica contra mulheres de 40 a 60 anos? Do que elas realmente precisam?

Foi aí, que com o Canvas de Proposta de Valor, conseguimos entender melhor esse cenário, quais ganhos poderíamos trazer as nossas personas, quais dores elas tem, e quais tarefas seriam realizadas, consequentemente descobrindo quais seriam seus criadores de ganhos, quais aliviadores poderíamos proporcionar para a dor, e quais produtos e serviços teríamos pra que elas cumprissem suas tarefas.

Canvas de Proposta de Valor — Ligando Problemas a Soluções

Partindo desse mapeamento, partimos pra Matriz MoSCoW para assim definir os principais pilares da nossa solução:

Matriz MoSCoW — Dissecando as funcionalidades do aplicativo

A partir disso nossas premissas para a solução ficaram muitos claras, nós queríamos:

  • Um canal de informações voltado para mulheres que já sofreram ou conhecem alguém que sofreu violência psicológica.
  • Assim como um canal de encontro para essas mulheres, possibilitando a criação de uma rede de apoio.
  • E por fim, acesso a uma listagem de profissionais que podem ajudá-la na prática.

Fluxo do Aplicativo

Assim que decidimos, quais funcionalidades realmente queríamos em nossa solução, começamos a organizar o fluxo usando para nos guiar do desenvolvimento do aplicativo: o User Flow.

A partir do Userflow, começamos a arquitetura da informação da nossa solução, trazendo ao mundo um recurso tecnológico que tem como intuito de ajudar mulheres que sofrem violência psicológica.

Criando assim o wireframe de baixa fidelidade, contendo, inicialmente 28 telas:

Wireframes

A entrega — A solução é para NÓS!

Então pensamos, e se essas mulheres tivesse um único lugar aonde pudessem encontrar informações de forma didática e criar uma rede de apoio de verdade? Foi assim que surgiu o NÓS.

O NÓS oferece a essas mulheres um ambiente confiável, seguro e gratuito repleto de informações simplificadas que possibilitam à mulher compartilhar suas vivências, conhecer histórias de outras mulheres ainda ter acesso a especialistas que podem ajudar a melhorar a sua saúde mental.

Escolhemos este nome por representar a união entre as mulheres e a inclusão dela mesma no grupo. O logotipo representa esse elo que há entre as mulheres, dando senso de unidade. Por mim, escolhemos a tonalidade roxa para representar nossa identidade, já que segundo Joe Hallock, a cor roxa é uma das cores favoritas das mulheres.

Sytle Guide

O Protótipo

O app NÓS é um canal de informações voltado para mulheres que já sofreram ou conhecem alguém que sofreu violência psicológica, assim como um canal de encontro para essas mulheres, possibilitando a criação de uma rede de apoio.

A solução: NÓS

Quais são as funcionalidades do NÓS?

Quiz

Como averiguamos nas entrevistas, muitas mulheres não conseguem enxergar a violência psicológica. Oferecemos a elas temas com perguntas simples onde conseguem chegar a um feedback sobre a relação. E ao final, dependendo do resultado é levado a ela a um artigo onde pode entender mais sobre o que está acontecendo.

Informações

Nessa seção temos as informações completas sobre violência psicológica. De maneira didática e visual procuramos disponibilizar assuntos importantes, como saúde e autoestima. Pois encontramos uma carência de informações mais diretas sobre o assunto para o grande público.

Conhecendo seus direitos

Aqui o intuito é trazer conjuntos de leis e direitos das mulheres pois também encontramos dificuldade na linguagem que esses assuntos são abordados. Sempre de forma clara, didática e visual.

Especialistas

Nós queríamos um lugar onde essas mulheres pudessem achar ajuda de uma forma confiável, tendo certeza que ali estariam pessoas que realmente podem a ajudar. Disponibilizamos duas áreas: a de Psicólogos e ONGs e Instituições. Por mais que o foco do aplicativo não seja marcar e realizar consultas, é possível localizar contatos confiáveis de profissionais especializados na área de violência contra a mulher. É possível acessar uma breve descrição do mesmo, assim como os contatos gerais e o redirecionamento para contato através do WhatsApp.

Comunidade

O intuito é justamente umas das essências do nós, proporcionar a essas mulheres uma rede de apoio e um lugar seguro para contar suas experiência e partilhar vivências. Esse contato é feito de forma anônima, para que essa mulher possa se sentir segura.

Troca do Ícone

O NÓS é um ambiente de segurança, por isso criamos a funcionalidade de trocar o ícone do aplicativo, possibilitando a camuflagem do app na tela do celular. Escolhemos alguns aplicativos que as mulheres não usam tanto, para que possa passar despercebido para outras pessoas.

Navegando pelo protótipo

Que tal você dar uma navegada e conhecer melhor o aplicativo NÓS?

4. Validando a Solução — Teste de Usabilidade

A escolha foi realizar o teste de usabilidade de forma simples, já que foram realizadas por 5 mulheres entre 40 e 60 anos, tornando o processo o mais confortável possível para elas. Realizamos testes moderados, com um entrevistador que conduz o teste com a participante e dá as explicações de como o teste funcionará e as tarefas a serem seguidas.

O nosso objetivo com teste foi observar se a usuária consegue executar as principais tarefas do aplicativo, como criar conta, explorar o aplicativo e suas funções, identificar com facilidade a área de leis e comunidade, observar se todos os textos estão coerentes com o propósito do projeto, e verificar se o fluxo no geral está fazendo sentido.

Após os testes, alguns pontos foram levantados, algumas informações não estavam claras, e alguns pontos incomodaram as usuárias, por conta disso, aplicamos as mudanças no protótipo:

O que aprendi como esse projeto?

O NÓS, não foi apenas um projeto de um curso, nos fez crescer e entender mais o mundo a nossa volta, e pretendemos levá-lo para frente, para quem sabe um dia realmente ajudar essas mulheres.

Me apaixonei ainda mais pelos processos do Design, a solução foi consequência de uma pesquisa bem consolidada, assim como o bem entendimento de quem nossas usuárias realmente são.

Após a apresentação final, recebemos diversos feedbacks positivos, e algumas dicas para futuras melhorias, as quais planejamos aplicar em um futuro próximos, juntamente com novos testes de usabilidade.

Queria agradecer a Cubos Academy, e principalmente pelas mentorias que levarei para o resto da vida, com Wesley Simões e Gabriela Ozorio (Vocês me marcaram pra sempre)! Assim como as diversas monitorias que tivemos ao longo do curso.

Por fim, queria agradecer a equipe que produziu junto comigo, esse projeto incrível, tive sorte de encontrar vocês nessa caminhada!

Projeto produzido pela equipe Ué quis, uai:

Fernanda Beraldi , Aimée Bruzzi, Arthur Alves, Carla Medeiros, Roana Vita e Sabrina Valentim.

Nos vemos em breve Medium! Eu não vou parar por aqui :)

--

--

Fernanda Beraldi

Sou apaixonada por aprender, ler e descobrir mais sobre a área de tecnologia, e acima de tudo entender mais sobre as pessoas.