Veganismo, bem-estar, reformas e perfis

Felipe Krelling
12 min readDec 27, 2016

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Quem são os temidos ‘bem-estaristas’?

Qualquer pauta social tem suas desavenças, e mesmo que as pessoas veganas sejam consideradas por estudos como mais inteligentes e empáticas num geral, isto não as fazem imunes ou céticas para todas as pós-verdades ou achismos, mesmo que estes façam muito sentido para elas.

A ONG Mercy For Animals (MFA) vem recebendo muitas críticas desde outubro após conseguir fazer com que o McDonalds anunciasse que iria parar de comprar ovos de galinhas confinadas em gaiolas de bateria. No dia 18 de dezembro, a ONG lançou uma petição contra o Walmart, onde foi criticada por algumas pessoas veganas ao utilizar a frase: “(…) e compre apenas ovos de galinhas não submetidas a confinamento em gaiolas.” — no final de sua petição no facebook. Estas críticas dizem que a ONG deveria focar no abolicionismo imediato e no fim do especismo, alegando que ela promove o bem-estarismo e o reducionismo fazendo acordos com franquias para reduzir a crueldade contra animais na indústria.

Tudo isso virou uma bola de neve em diversos perfis de ativistas na rede social, e este artigo tem como objetivo esclarecer as diferenças do bem-estarismo, deixando fácil de entender as ações como desta ONG, como a abordagem de bem-estaristas na indústria de animais, como veterinários, zootecnistas e pecuaristas interessados em lucrar e produzir mais produtos vindos de exploração de animais.

Bem-Estarismo (BEA) na indústria de animais

Como qualquer empresa ou indústria na sociedade, o agronegócio focado na pecuária, como também as franquias, restaurantes e empresas que utilizam produtos que sustentam a exploração de animais querem lucrar e sobreviver, e é aqui que se encontra os tão temidos ‘bem-estaristas’.

Caso entrem em universidades do Brasil em cursos de veterinária, vão encontrar matérias e artigos falando sobre o bem-estar animal, onde uma de suas principais características é focar na qualidade do ‘produto’ e produtividade.

Neste artigo de uma pessoa zootecnista, há o foco que o estresse contra o animal piora muito a qualidade da carne na maior parte do artigo, dando ênfase no ‘produto’ e utilizando o bem-estar como uma desculpa para sua melhoria. Este outro fala da criação intensiva de galinhas, onde o começo do artigo fala sobre o melhoramento genético e o crescimento da produção de ovos, e como é importante não perder galinhas para não diminuir sua produtividade.

Outra característica da indústria é colocar a falácia do abate humanitário como algo possível, mas como sempre, focando na qualidade dos produtos que vão surgir disso. Este artigo não só mostra isso, mas conclui que “as pessoas estão mais preocupadas com o bem-estar dos animais, como a qualidade do ‘produto’ (…)”. Mais exemplos do bem-estarismo, é esta notícia do CanalRural falando sobre como ‘produtos melhores’ podem ser mais caros, como este da própria pecuária, mostrando que o melhor manejo com animais criam ‘produtos’ que poderiam ser mais caros.

A conclusão de todos estes artigos encontrados (é possível encontrar muitos mais em pesquisas) é que todos estão preocupados na qualidade e produtividade, focando na sobrevivência da indústria de animais e sua expansão. Podemos perceber que o bem-estarismo é utilizado de ferramenta aqui para a sobrevivência da exploração de animais.

Porém, a indústria já está muito preocupada. O fato das pessoas estarem mais atentas com o bem-estar dos animais é um terror a ser lidado, e é por isso que tanto dinheiro é gasto em marketing e para esconder o que acontece em matadouros e no manejo de animais.

Neste artigo, uma pesquisa da própria indústria conclui que a cobertura da imprensa sobre a indústria diminui a demanda em todas as carnes(sem haver substituições, ex. substituir carne bovina por aves), e de tão desesperador que é o fato da preocupação das pessoas com o bem-estar dos animais como também de saber a realidade que ocorre, a conclusão do artigo é focar na criação de ovinos e caprinos. Então sim, se você adora ver um pecuarista perdendo espaço e desesperado, o artigo citado vai te trazer horas de prazer. Se quiser mais, há até dados que mostram que ela não está sabendo o que fazer com a propagação de informação e da realidade em mídias sociais.

Outro estudo também mostra que a influência da mídia sobre a indústria é muito impactante na demanda por carnes, onde as pessoas tendem a deixar de consumir ao invés de procurar por substituições entre carnes. Como muitos sabem, isso diminui a quantidade de animais criados, explorados e mortos, visto que uma pessoa vegana salva aproximadamente 33 animais ao ano (em grande média, pois este número é muito maior em muitos casos específicos) e o número pode chegar aos 300 caso a pessoa consuma muita carne de peixes.

Por estas razões, a indústria vem se preocupando em como trazer o bem-estar sem perder sua produtividade e sem perder seu público, visto que derivados de animais são caros e exigem muitos recursos naturais para serem ‘produzidos’. Como qualquer outra indústria, ela quer sobreviver, e como perceberam, não se preocupam com o bem-estar de animais, mas o utiliza e é obrigada a se atentar a ele para permanecer onde está.

Como também perceberam, a indústria tenta desvirtualizar o foco do bem-estar nos ‘produtos’, esquecendo de fato a saúde e integridade dos animais explorados, o que é uma jogada midiática para diminuir a preocupação real com sua qualidade de vida, porque como viram, a preocupação das pessoas com o bem-estar dos animais diminui a demanda, ao invés de criar o tão temido conformismo em compactuar com a indústria.

Corporate Outreach — Por que as ONGs agem assim?

Ação promovida pela Animal Equality

99% da exploração de animais está nos animais para consumo, e este estudo mostra que aproximadamente 94% das pessoas estadunidenses concordam que animais deveriam viver livres e sem crueldade, mesmo que tudo isso esteja intrínseco na indústria. ONGs como a Mercy For Animals e a Animal Equality focam nos animais de consumo.

Como todo ativista sabe, é impossível trazer a abolição em apenas 1 dia, como também é impossível fazer uma mensagem global que vai trazer a conscientização mundial, a ponto das pessoas mudarem seus hábitos e quebrarem seus preconceitos imediatamente. Este estudo mostra que quase toda pessoa que hoje é vegana antes foi ovo-lacto vegetariana, como também mostra a quantidade de pessoas que desistiram ou dizem não ter conseguido mudar seus hábitos quando fizeram a mudança de forma repentina. O estudo até incentiva ativistas a terem mensagens diferentes, porque estas fazem com que as pessoas de fato mudem e não voltem atrás, que é o que todo ativista de fato quer (Não vou me estender nas melhores/piores mensagens para trazer ao público, mas posso fazer outro com este intuito).

Esta pesquisa realizada pela MFA mostra que a leitura em como os animais são criados para produzir ovos influencia diretamente na demanda, diminuindo ela a curto e a longo prazo, porque como já vimos, a atenção das pessoas a este assunto a diminui. Inclusive, o próprio guia vegetariano da ONG é vegano.

Como muitos já sabem e já escrevi no meu perfil, o Brasil produz 757 milhões de dúzias de ovos em apenas 1 trimestre, onde 95% destas galinhas no Brasil vem do confinamento em gaiolas de bateria. Caso você não saiba o que são estas gaiolas, assista este vídeo, mas já alerto que as cenas são fortes.

Depois que a União Européia baniu as gaiolas em bateria, houve uma queda significativa na demanda por ovos ao mesmo tempo que a demanda aumentou em países que não baniram. Há também um estudo nos Estados Unidos de especialistas no agronegócio que mostra que há uma queda de 3% no consumo de ovos por ano quando esta prática é banida.

Lógicamente, isso também aumenta a quantidade de pessoas veganas, visto que para a surpresa de muitas pessoas, nós não comemos apenas alface ou luz. Este estudo mostra que a atitude para os animais melhorou em pessoas que foram apresentadas com materiais educativos sobre a vida dos animais na indústria. Outro estudo também mostra que pessoas que optam por pagar mais caro em produtos onde os animais são tratados de forma “melhor”, tem mais tendências a se tornarem vegetarianas e veganas, como também consomem menos que os demais.

Todos estes dados podem ser conseguidos facilmente ao ir em grupos veganos e perguntando para as pessoas como é que elas se tornaram veganas. A maior parte vai dizer que antes foi ovo-lacto porque faltou informação ou faltou conscientização com o problema em si, ou foi conformada por muito tempo como a maioria das pessoas acreditam ser com a indústria. Tudo isso que vimos até agora, e podemos ver em livros de mudanças sociais, é que na maioria das vezes não adianta falar o que nós achamos ou acreditamos, e que agir com estratégia é essencial para fazer ativismo. É por este motivo que nós mudamos as nossas falas e falamos o que percebemos e estudamos que vai trazer a conscientização de forma mais rápida para todos, o que é essencial para acabar com a crueldade e trazer a tão sonhada libertação dos animais, que é o que toda pessoa vegana ativista deseja.

O que a indústria de animais tem a dizer sobre elas?

Outra prática que pode fazer com que muitas pessoas veganas que adoram ver pecuaristas aterrorizados, é seguir blogs e mídias do agronegócio, para perceberem o quanto estamos incomodando e os deixando encurralados, como já mostrei em alguns links acima.

Para quem não lembra, a Animal Equality promoveu uma visão de matadouros com realidade virtual, onde a resposta foi rápida e reacionária, onde Benjamin Ruiz, que se denomina editor chefe da Indústria de Avicultura, criou um artigo dizendo que a ONG apelou em usar emoções humanas para animais, dizendo que há assuntos mais importantes como Aleppo e adivinhem só, até as favelas do Brasil apareceram no artigo.

Outro artigo da BeefMagazine, tenta fazer terrorismo midiático contra ativistas, no caso da MFA, HSUS e PETA, dizendo que ativistas estão influenciando pessoas a serem mais raivosas e se comportarem de forma mais violenta. É possível também procurar na mesma mídia sobre estas ONGs a ponto de perceber que ela tem mais matérias sobre ONGs assim do que de hambúrgueres.

Existe outra mídia que foi feita apenas para falar mal de veganismo, onde muitos já devem a conhecer. Neste artigo, a MFA é citada como uma ‘organização radical de Direitos Animais’, criticando algumas investigações e posições da mesma. Caso procurem mais pela ProtectTheHarvest, vão perceber que há tentativas até de desvirtualizar o que as ONGs andam fazendo, as classificando como ‘ONGs extremistas pelos Direitos Animais’ e criando até tentativas dizendo que estas ONGs confundem bem-estarismo com direitos animais.

Caso leiam as missões da organização neste link, são citadas como suas missões(traduzidas):

Nós temos três objetivos:

INFORMAR consumidores americanos, negócios e tomadores de decisões sobre as ameaças causadas por grupos de direitos animais e extremistas anti-agricultura(agronegócio).

PROTEGER nossas liberdades e estilos de vida em criar medidas legais duradouras para fazendeiros, pecuaristas, caçadores, pescadores e amantes de animais.

RESPONDER os grupos radicais de ativistas nos opondo aos seus esforços colocando leis ou enaltecendo regulações que iriam restringir nossos direitos, limitar nossas liberdades, e impedir nosso acesso a alimentações segurar e acessíveis.

Para gerar mais prazer ainda para pessoas veganas que comem pipoca enquanto olham pecuaristas desesperados, há até uma aliança onde colocam várias ONGs como ‘grupos de ativistas radicais’, e defendem a prática do agronegócio focado na agropecuária com seus dentes e coração. É possível encontrar onde estas ONGs estão agindo no link citado, como também como andam as suas atividades.

Caso leiam a Staff da aliança, vão perceber que é isso mesmo: existem ONGs feitas para proteger o agronegócio, alegando que estão passando informações corretas para as pessoas sobre os animais.

Como podem ver no artigo que postei sobre as mídias sociais, a indústria tenta se defender de todas as formas e já sabe que está encurralada. Então sim, pessoas veganas estão incomodando muito, e espero que todos estes dados ajudem a elucidar muitas opiniões e pós-verdades colocadas sobre os assuntos citados.

Todos os links citados no artigo podem ser mais acessados para aprofundarem mais ainda suas pesquisas caso queiram conhecer mais tanto sobre as ONGs como a MFA, como também em conhecer mais as respostas que o agronegócio vem dando para ativistas de direitos animais.

Explicações de perfis existentes confundidos:

Bem-estaristas idealistas

Depois da leitura deste artigo, não fica difícil enxergar que há uma diferença crucial e de assimetria em acusar estas ONGs de bem-estaristas, como também há em falar que existe apenas uma pessoa bem-estarista. Este grupo parece imaginário, mas não é. Existem ONGs que acreditam e realmente promovem o bem-estarismo como se fosse a solução e o ideal para a vida e os Direitos Animais.

Caso acessem o link, vão perceber que a ONG cita falácias como ‘abate humanitário’ como também fala de testes realizados em animais (notem que ONGs como a MFA ou a Animal Equality nunca sugerem que existe morte humanitária de alguém que não quer morrer, e focam no fim da exploração). Existe uma crença e um foco únicamente no bem-estar dos animais na indústria, independente se isso vai causar impactos positivos ou negativos nela, o que fica possível acreditar que ONGs assim sejam possívelmente mantidas pela indústria, visto que ela nem menciona o fim da exploração de animais.

Mesmo que a exploração dos animais seja cruel de forma intrínseca como é a separação de uma mãe vaca de seu filho bezerro, há quem idealiza o bem-estarismo e o promove como solução dos problemas animais na indústria.

Bem-estaristas pragmáticos

Este grupo já foi citado no artigo na parte que cita o bem-estarismo na indústria. Como perceberam, são pessoas que trabalham para a indústria e tentam fazer mudanças e reformas práticas que visam a sustentação da mesma como a possível melhora no bem-estar dos animais, e que ainda melhore a qualidade dos ‘produtos’ gerados por ela.

É um paradoxo dizer que são preocupados com o bem-estar dos animais, visto que todas as posturas tomadas também tentam beneficiar a indústria como já foi mostrado no artigo, então ao mesmo ponto que ela alega estar preocupada com o bem-estar dos animais, está também tentando contribuir para a melhora dos ‘produtos’ gerados e também de não fazer seus patrões perderem dinheiro e nem produtividade.

Conclusão

A intenção deste artigo era esclarecer muitas dúvidas e questões que surgiram muito rapidamente em grupos, e deixar nítido a enorme diferença de posturas ideológicas de ONGs para a própria indústria, e mostrar que, a análise de mudanças sociais é muito mais complicada do que parece, e infelizmente o que faz muito sentido para nós não tenha tanta prática para o mundo. Acredito que muitos já aprenderam com isso.

A indústria se aproveita do ofuscamento da realidade, e a utiliza para vender mais mentiras. Produtores se aproveitam de todo espaço e recurso escasso disponível para produzir em maiores escalas e quantidades, satisfazendo com melhores preços para seus compradores que são as franquias, empresas e restaurantes.

Isso aumenta a demanda e faz com que mais animais sejam criados e explorados, menos pessoas se conscientizem por conta do ofuscamento da realidade, e que toda barbárie sobreviva por mais tempo.

Foi mostrado que única intenção de bem-estaristas na indústria é de fazer com que a exploração de animais continue. O que tentam com as propagandas bem-estaristas é ofuscar a realidade do que acontece na indústria. Matam quem não quer morrer e chamam isso de ‘abate humanitário’.

As ONGs fazem o contrário. Produzem investigações para mostrar a crueldade da indústria e campanhas contra franquias forçando mudanças em produtores. Mostrei neste artigo que isso não apenas faz com que produtos fiquem mais caros, mas também piora a produção, diminui a quantidade de animais explorados e induz um aumento no número de pessoas veganas.

A intenção da indústria então não se realiza uma vez que as condições materiais encarecem a produção e diminuem a demanda.

Como também foi possível ver, os materiais e a ajuda oferecida por elas apenas incentivam alimentos vegetarianos/veganos, como também pautam que a única forma de ajudar os animais, e a melhor, é começar tirando eles de seu prato. O foco na indústria alimentícia também foi explicada no artigo.

É muito importante reconhecer todas as formas de ativismo propagadas e de focar seus esforços em melhorar nossas posturas, e claro, perceber se a comunicação está funcionando. É impossível conseguir o abolicionismo imediato, mas é possível estudarmos e melhorar nossa postura.

Da mesma forma que se apegar muito no argumento moral nos atrapalharia para agirmos, como muitos fizeram quando tentaram colocar o fim das Vaquejadas no Brasil ao se recusarem de ficar ao lado de Ricardo Izar na Câmara, visto que o deputado foi financiado por rodeios e pecuaristas, também atrapalharia caso usássemos estratégias furadas que apenas compactuem com a indústria, como as que eu citei no começo do artigo.

Infelizmente, vão haver pessoas que ficarão em “transição” por gerações, como também vão haver pessoas que não vão se importar. Porém, podemos focar esforços, discursos e abordagens onde vamos ser mais ouvidos e vamos conseguir mais mudanças, possibilitando atingir pessoas e públicos onde antes eram nada propensos a respeitarem os animais, e muito menos ainda deixarem de compactuar com sua exploração em seus pratos.

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Felipe Krelling

Vegano ativista pelos Direitos Humanos/Animais, auto didata e formado em T.I.