Felipe Augusto Cury
4 min readMay 26, 2020

Charles Taylor e sua ética da autenticidade

Alguns filósofos têm a capacidade de atrair para si uma atenção que independe do conhecimento completo de sua obra. Eu tenho alguns dos quais li poucos livros, mas cujas ideias me parecem familiares desde o primeiro encontro.

Um deles é o filósofo canadense Charles Taylor, cujo Ética da Autenticidade li com entusiasmo por volta de 2011. A Era Secular e Fontes do Self continuam em minha estante, aguardando — quem sabe — algum momento para serem lidas.

Mas falo aqui do início de a Ética da Autenticidade, cujo resumo encontrei no meu parco arquivo de anotações:

Charles Taylor desenvolve, no primeiro capítulo, as características de nossa cultura e sociedade contemporâneas, o que ele chama de “mal-estares” da humanidade; características experimentadas pelas pessoas como uma perda ou declínio humano.

Os motivos desse declínio são diversos, entretanto Taylor escolhe dois motivos como principais, desenvolvendo um terceiro que deriva desses dois. .
O primeiro se trata do individualismo. O individualismo é uma das maiores conquistas da civilização moderna. O homem, hoje, vive em um mundo em que ele possui o direito de escolher por si mesmo o próprio modo de vida, suas convicções e de que forma deseja viver.

O homem não é mais sacrificado às demandas de ordens sagradas que o transcende.

Esta conquista, para muitos, ainda está incompleta, pois as estruturas econômicas, familiares e hierárquicas restringem a liberdade do homem de ser ele mesmo. Uma liberdade que foi conquistada pela fuga dos antigos horizontes morais.

O homem costumava se ver como parte de uma ordem maior, uma complexa ordem cósmica, que se refletia nas hierarquias da sociedade humana. A liberdade moderna teria surgido pelo descrédito de tais ordens, pelo “desencantamento do mundo”.
Essas ordens, apesar de “limitar” o homem, davam significado ao mundo e às atividades da vida social. Todas as coisas que circundavam o homem tinham o seu significado na “grande cadeia do Ser”.

A perda do horizonte social que o homem possuía é vista como a perda da dimensão heróica da vida, não havendo mais a sensação de um propósito maior, de algo pelo qual se “vale a pena morrer”.

Esta perda de propósito está ligada a um estreitamento da visão mais abrangente da vida, pois agora centrada na vida individual, encerrando o homem na “solidão de seu próprio coração”. O individualismo centra-se em si mesmo, tanto nivelando quanto restringindo a vida humana, tornando-a mais pobre em significado e menos preocupada com os outros ou com a sociedade.

A segunda fonte está na chamada “razão instrumental”. Taylor se refere a ela como o “tipo de moralidade em que nos baseamos ao calcular a aplicação mais econômica dos meios para determinado fim. Eficiência máxima, a melhor relação custo-benefício, é a medida de sucesso”.

Não mais existindo na sociedade moderna os arranjos sociais e os modos de ação, manifestados na ordem das coisas, ou na vontade de Deus, estes estão, de certa forma, “disponíveis”, podendo ser redefinidos visando a felicidade e o bem dos indivíduos.

Uma vez que as criaturas que cercam o homem perdem o significado que lhes foi atribuído de acordo com o seu lugar na cadeia dos seres, elas podem ser tratadas como matéria-prima ou instrumentos para os projetos humanos.

As consequências dessa instrumentalidade das coisas e pessoas é percebida tanto nos critérios, em termos de eficiência ou análises “custo-benefício”, ou seja, na demanda para se maximizar a produção, quanto no prestígio que a tecnologia tem na sociedade moderna.

Há uma perda no envolvimento do homem com o ambiente; adquirem-se produtos desenvolvidos para entregá-lo a algum benefício específico.

A terceira fonte, a perda da liberdade, é a consequência do individualismo e da razão instrumental para a vida política.

As atuais estruturas e instituições da sociedade industrial-tecnológica restringem as escolhas do homem, forçando-o a atribuir um peso à razão instrumental em detrimento de uma deliberação moral séria.

Com a perda da liberdade, há uma sociedade em que as pessoas são o tipo de indivíduos que “são fechados em seu próprio coração”. Sociedade na qual poucos vão querer participar ativamente da política, preferindo desfrutar as satisfações da vida privada, contanto que o governo produza os meios para tais satisfações e os distribua abertamente.

Tocqueville chama a isto de “despotismo suave”. O governo será moderado e paternalista; pode manter formas democráticas, mas, na realidade, tudo será governado por um ”enorme poder tutelar”.

A única defesa contra isso é uma vigorosa cultura política, na qual a participação é valorizada, tanto nos níveis de governo, quanto nas associações voluntárias.Uma vez que essa participação diminui, o cidadão é abandonado perante um gigante Estado burocrático e se sente impotente.

Devido a essa alienação da esfera pública e a consequente perda do controle político, o homem corre o risco perder o controle político de seu próprio destino, de algo que se poderia exercer em comum com os outros homens.