COVID-19: Simulações e política-econômica necessária

Felipe Araujo
5 min readMar 21, 2020

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Em abril de 2018 publiquei o artigo “Crises Fiscais Causam Revoluções Sociais” (https://terracoeconomico.com.br/crises-fiscais-causam-revolucoes-sociais/). Nele, me referia, à convulsão social que a irresponsabilidade orçamentária(ou fiscal) pode gerar.

Diferente do que se pensa, a responsabilidade fiscal não é equivalente à políticas de austeridade, e sim, ao uso dos gastos e endividamento público de modo assertivo para resolver problemas distributivos, de estabilidade econômica e de proteção aos vulneráveis. Em meio à pandemia gerada pela COVID-19, a política fiscal usada de forma criativa e assertiva é a resposta mais eficaz para poupar vidas e diluir impacto econômico.

Não só isso, é necessário esforço conjunto de diferentes setores da sociedade e coordenação dos mais diferentes órgãos técnicos, entes da federação e municípios para evitar o pior.

Nesse sentido, o problema é gravíssimo!

Dois aspectos dessa crise a tornam de mais dificil resolução do que a grande crise de 2008:

Se nada for feito, o sistema de saúde (público e privado) entrará em colapso e milhares de vidas serão perdidas (na ordem de 500 mil);

Se as medidas de contenção social forem efetivas para diluir o impacto da doença ao longo do tempo, o país deverá ficar parado por ao menos 6 meses.

Para entender um pouco o cenário que se desenha pela frente, usei o modelo SIR (acrônimo de Succetible-Infected-Recovered)de contágio epidesiológico — criado pelo Nobel Ronald Ross. A partir dele podemos projetar a evolução da doença na população, estimando a) o pico da doença; b) proporção da população que poderia ser afetada; e, c) quando a epidemia seria inteiramente dissipada.

Com essas projeções em mãos para Itália, Coreia do Sul e Brasil, e, cruzando com dados do Data SUS e IBGE para fevereiro de 2009 fiz três exercícios:

i) Comparativo da velocidade com um país com boas práticas de contenção e outro com práticas ruins, respectivamente Coreia e Itália:

Dois resultados são preocupantes, a curva epidemiológica brasileira é menos achatada, até mesmo do que a italiana. Isso com a mesma taxa de contágio (cada pessoa contagia em média 2, acima da SARS em 2003, que contagiava em torno de 1). Ou seja, a velocidade de interações sociais, faz hoje o Brasil forte candidato a ter um pico de 14% (ou 30 milhões de brasileiros). Comparativamente, o caos na Itália deve se alastrar por mais alguns meses, e até pode piorar, atingindo 8% da população caso as medidas tomadas não sejam efetivas. Já a Coreia do Sul, deverá ter um pico muito menor (aprox.: 2% da população), sendo muito mais espaçado no tempo.

Não só isso, ao fim da epidemia, que terão sido infectados será que quase 80%. Muito maior que os outros dois países.

Figura 1: Elaboração própria usando modelo SIR, dados do repositório da OMS e do IBGE
Figura 2: Elaboração própria usando modelo SIR, dados do repositório da OMS

Essa evolução impõe o desafio mais importante da última década a um governo sem agenda, coalizão e capacidade de coordenação. Os dados abaixo mostram que o colapso do sistema de saúde, sanitário e humanitário pode ser eminente.

ii) Comparativo do pico da doença x Capacidade do sistema de saúde

Caso não seja contido o avanço acelerado da doença, podemos chegar à situação em que haveria aproximadamente 30 milhões de pessoas doentes, considerando que entre 10–15% tendem a pertencer a grupos de risco e eventualmente necessitar de UTI’s (com base em estudos do repositório da OMS). Com isso, vou fazer uma simplificação para que entendamos a gravidade do problema em duas dimensões:

a) falta de leitos para todos que necessitem;

b) desigualdade na distribuição dos leitos entre estados e municípios.

No Brasil, temos hoje 30.774 leitos de UTI para adultos. Desconsiderando que 95% desses leitos estão ocupados e que a capacidade do governo de aumentar o número de leitos no curto prazo seja limitada, temos ai a capacidade máxima do sistema. No gráfico abaixo é possível observar que o número de UTIs é insuficiente para atender todas essas pessoas em caso de pico (3 milhões de pessoas em estado crítico). Imaginando capacidade ampliada de leitos (x10), ainda assim, não é suficiente para atender todos os casos.

Na figura 4, mesmo sem abrir dados para municípios — o que deixa a situação ainda mais complicada-, observamos que o número de leitos é mal distribuído. Sendo concentrados no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. O Norte e Nordeste estão fortemente vulneráveis para esse cenário.

Figura 3: Elaboração própria usando modelo SIR, dados do repositório da OMS, IBGE e Data SUS
Figura 4: Elaboração própria usando do IBGE e Data SUS

Conclusão

É importante ressaltar que essa análise tem simplificações que pode piorar ou melhorar o quadro em termos de sistema de saúde. Por exemplo, o problema de saneamento básico das regiões mais pobres do país, efeitos das medidas tomadas e capacidade do vírus de invadir todos os municípios do país de modo simétrico. Entretanto, é preponderante agir assertivamente e rápido. Quanto mais devagar for o avanço da doença, mais espaçado no tempo se darão os casos, e, mais vidas serão salvas e maior o impacto econômico.

De qualquer modo, a recessão econômica em 2020 está dada, com possíveis reflexos nos anos seguintes.

Os efeitos no nível geral de preços ainda são ambíguos, portanto, a política monetária terá efeito liquido nulo em termos de redução de emprego e aumento do consumo. O efeito será de aliviar a situação de endividamento das empresas. O setor de serviços, profissionais informais, liberais e autônomos serão amplamente afetado em termos de desemprego e renda. As pessoas em vulnerabilidade econômica serão as que mais sofrerão, visto os problemas de locomoção, sanitários e de renda.

Postura do governo

Em suma, o cenário é gravíssimo e impõe o maior desafio político-econômico desde a grande crise. O governo terá que mostrar tudo o que não mostrou no primeiro ano de mandato, articular e liderar o país na saída da crise.

O ministério da economia terá a maior oportunidade de mostrar que é institucionalmente responsável, usando a política fiscal, usando gastos e dívida pública para garantir políticas de proteção social. Ao contrário do que os mais reacionários podem pensar, essa é a postura que garantirá fluxo positivo de investimentos e ciclo virtuoso de políticas econômicas no futuro.

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Felipe Araujo

• Financial Economist; • Enthusiast about economic and political theory, evidences modelling and wines.