Homeschooling: quando o Estado se torna uma ameaça real às famílias
Quero relatar uma história cujo “problema” afeta um número crescente de famílias, ou de uma nova minoria: os homeschoolers.
Os Homeschoolers aguardam ansiosamente uma resposta estatal para seu problema mediato, qual seja, a falta de regulamentação desta modalidade de educação. A consequência para essas família é viver à margem da lei, em um limbo jurídico, e que pode gerar um problema imediato: um procedimento administrativo instaurado pela Promotoria de Infância local, a fim de se apurar a falta de matrícula em estabelecimento de ensino próprio.
Relato aqui, com o devido sigilo, como uma família foi “denunciada” pela prática do homeschooling com suas filhas e quais providências foram tomadas pelas autoridades e as incongruências de um procedimento administrativo que, infelizmente, é conduzido ideologicamente.
Tudo teve início a partir de uma denúncia anônima, realizada através de um site do Governo Federal, o qual garante a “anonimização” do denunciante.
A “denúncia” exemplificava as formas de tratamento das filhas pelos pais, relatando que esses agrediam-nas física e psicologicamente. O relato em si contido na denúncia girava em torno das agressões.
No entanto, havia uma única frase que atraiu de fato as atenções das autoridades competentes: além das agressões sofridas, as meninas não iriam para a escola.
Essa denúncia foi enviada tanto à delegacia de polícia local, quanto ao Conselho Tutelar do Município.
Rapidamente, a família recebeu uma visita de um conselheiro tutelar, o qual os “convidou” para ir até o Conselho Tutelar, a fim de esclarecer os fatos descritos na denúncia.
Os pais, preocupados com a questão dos maus tratos — inverossímeis, é preciso deixar claro — compareceram e levaram as duas meninas, para comprovar que não havia quaisquer sinais de agressões cometidas contra as crianças. Não havia qualquer preocupação com o fato de praticarem a educação domiciliar.
A situação, entretanto, concentrou-se nesse fato. A despeito de todo esforço dos pais para explicar sobre a educação domiciliar, os conselheiros tutelares sequer se importavam sobre o conteúdo, apenas reforçando que a forma era “proibida” no Brasil.
Realizaram as entrevistas — separadamente — dos pais e da filha maior, a qual foi severamente bombardeada com perguntas mal formuladas, inquisitivas e sugestivas.
Após a entrevista, a família buscou auxílio junto à Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), a qual nos aproximou e eu pude acompanhá-los.
Nossos esforços estariam, a princípio, em tentar evitar qualquer procedimento administrativo e, consequentemente, judicial, para que a família continuasse a praticar o homeschooling, sem qualquer interferência estatal.
Ocorre que poucos dias após, através de uma pesquisa pelo site de busca “google”, descobrimos um inquérito policial instaurado de ofício, cujo objeto seria a denúncia de maus tratos.
Logo, tinhamos, além da questão do homeschooling, um inquérito policial que apurava se ocorreu os maus tratos contra as filhas do casal.
Poucos meses depois, a família foi “convidada” para ir até a Promotoria de Infância para uma conversa. Nessa conversa, a Promotora deixou clara sua posição: não havia permissão legal para o exercício do ensino domiciliar. Não havendo qualquer permissão legal, sua proibição era a consequência lógica do raciocínio.
Na reunião, a Promotora disse que a família deveria — de imediato — matricular a filha maior em instituição de ensino. Argumentamos que estávamos em novembro e que nenhuma escola admitiria uma criança nessas condições. A Promotora disse que a família teria 30 dias para apresentar comprovante de matrícula para o ano seguinte.
A conversa não fora a das mais amistosas. A Promotora expressou a sua não concordância com o ensino domiciliar. “Apresentou” aos pais, as consequências do procedimento administrativo transformar-se em judicial, em que, em primeiro lugar, impor-se-ia uma multa diária até a efetiva matrícula; consequentemente, não sendo a multa um ato coercitivo suficiente, outras medidas poderiam ser tomadas, até mesmo a retirada da guarda e do poder familiar.
Que família poderia suportar viver em determinada situação? Penso que uma batalha judicial contra o Estado deva demandar não somente capacidade financeira, mas também psicológica.
Destaco, em especial, a agilidade do Estado em se apurar o fato de que as meninas não estavam frequentando uma escola, mas o descaso em se apurar se elas realmente estariam sofrendo maus tratos. E se de fato estivesse ocorrendo isso? Para o Estado estaria em primeiro lugar a necessidade de estarem frequentando uma escola ou a possibilidade de sofrerem maus tratos?
Destaco aqui que o homeschooling nem sempre é bem recepcionado por familiares, acostumados à “necessária” institucionalização do ensino. Algumas denúncias, inclusive, partem do seio familiar.
A história ainda não tem um fim. Aliás, está longe do fim. Aguardamos que em breve haja regulamentação do homeschooling, possibilitando que milhares de famílias possam mostrar ao mundo os frutos de seu silencioso trabalho.
Sobre a fundamentação jurídica dos atos do Ministério Público ver esse artigo: Consequências jurídicas e coercitivas do Homeschooling